§0. Quando falamos sobre alterações climáticas, muitas pessoas me perguntam: “Mas o que posso eu fazer no dia-a-dia?” A minha resposta é: torna-te um/a ativista polític@ no teu dia-a-dia. Organiza ação coletiva contra os criminosos do clima. Isto não só é mais divertido, mas também muito mais eficaz. E quando digo mais eficaz, quero dizer muuuuuuuuuuuito mais eficaz.
§1. As emissões de gases com efeito de estufa em Portugal são 7 toneladas per capita por ano. Ou seja, uma pessoa média em Portugal emite o equivalente a 7 toneladas de CO2 durante um ano.* Ora, os níveis sustentáveis que temos de atingir mundialmente são 2 toneladas per capita por ano.
Vamos ver então as nossas opções.
A) Podes consumir menos.
§2. Se calhar és um franciscano ecológico. Assim i) partilhas a tua casa com mais três pessoas, ii) nunca usas aquecimento, iii) usas eletricidade só para as necessidades básicas, iv) nunca viajas entre cidades, v) usas só transportes públicos e isso também só para ir ao trabalho, vi) nunca comes carne, vii) compras só alimentos locais, viii) nunca compras roupa, ix) evitas produtos com embalagens, e x) nunca vais ao cinema ou ao teatro.
Então as tuas emissões são 3.4 toneladas por ano. **
§3. Vejamos. Produzes 7 toneladas de emissões. Tens de chegar a 2 toneladas. Mas se fizeres tudo tudo tudo o que podes fazer no teu dia-a-dia, nem sequer consegues descer até às 3 toneladas.
Isto porque vivemos num sistema socioeconómico em que as nossas escolhas como consumidores/as são predefinidas pela linha de produção.
§4. Então, austeridade ecológica não resultou.
B) Podes suicidar-te.
§5. Assim reduzirias as tuas emissões a zero.
§6. Mas as emissões do mundo continuariam. Portanto, se te suicidasses e te encontrasses com @(s) teu/tua(s) deus(e/as) ecológic@(s), ele/a(s) mandar-te-iam para o inferno ecológico (para seres queimado/a como biocombustível com zero emissões líquidas, para aquecer o paraíso ecológico) porque poderias ter convencido outras pessoas a suicidarem-se contigo e não o fizeste.
Portugal tem de cortar as suas emissões nacionais em 60-70% em 15 anos. Isto quer dizer que terias de convencer mais de metade de população a suicidar-se, e terias 15 anos para fazer isto.
§7. Na verdade, os países desenvolvidos como Portugal têm já um longo passado de emissões de gases com efeito de estufa, e estes têm vindo já a causar catástrofes noutros países, nomeadamente no Sul Global. Por isso, para uma distribuição justa das responsabilidades históricas, Portugal deveria cortar também as emissões de outros países, para além das suas emissões nacionais. (Por outras palavras, devemos cortar 60-70% das emissões nacionais. Depois, devemos cortar, em outros países, emissões equivalentes a 40-50% das nossas emissões.)
Ou seja, as emissões de um/a habitante de Portugal devem tornar-se negativas em 15 anos, algo que não podes atingir ao morrer. E nem seria suficiente matares outros/as portugueses/as. Terias de matar estrangeiro/as também, e especialmente crianças.
§8. Bolas! Se a única solução individual para um planeta habitável é matar pessoas em massa, porquê fazê-lo? Combatemos as alterações climáticas exatamente para isto não acontecer. Será que existe outra solução?
C) Podes participar em ativismo climático.
§9. Em maio de 2016, dentro da quinzena de ação global “Liberta-te dos combustíveis fósseis”, mais de 30 mil ativistas em 6 continentes participarem em 20 ações de desobediência civil em massa em sítios-chave, bloqueando minas, portos, centrais a carvão, zonas de fracking e mais.
§10. Na Lusitânia, Alemanha, ocorreu a ação Ende Gelände. 3500 ativistas ocuparam a maior mina de carvão na Europa durante uns dias, fisicamente bloqueando 24 547 toneladas de emissões de dióxido carbono.
Isto perfaz 7 toneladas por pessoa.
§11. Então, podes passar três dias do teu ano a participar numa ação direta contra a indústria dos combustíveis fósseis. E se és uma pessoa média e se participaste na Ende Gelände nesse ano, as tuas emissões anuais foram: ZERO!
E se prestaste um pouco de atenção às escolhas do teu estilo de vida, se calhar até tiveste emissões negativas!
§12. Claro que se curtiste estar do lado certo da história, se os sentimentos de solidariedade, unidade e justiça te fizeram mais feliz, então podes fazer mais do que uma ação por ano – se calhar menos confrontativa.
O que tudo isto significa
§13. Como é óbvio, o objetivo destas contas não é desvalorizar os esforços envolvidos na organização, preparação e divulgação duma ação deste género. Muitos autocarros foram organizados a partir de dezenas de cidades europeias. Houve treinos de ação. Houve um acampamento. Houve enorme trabalho para montar equipas médicas e apoio legal. Podes ajudar em cada uma destas tarefas e assim seremos mais fortes da próxima vez. Uma ação direta de 3 dias não acontece espontaneamente, ela precisa de trabalho de preparação que demora meses.
§14. O objetivo também não é sobrevalorizar as ações só por si. A quinzena “Liberta-te / Break Free” foi parte das campanhas locais já existentes e serviu para alimentar estas lutas, que noutros momentos usam táticas diversas para parar estes projetos poluentes, como comunicação direta, sessões de esclarecimento, ações criativas e manifestações. Podes ajudar em tudo isto, e quem sabe, se calhar um dia destes uma campanha diversificada fará uma das maiores empresas privadas de carvão falhar. Espera, mas isto já aconteceu em abril de 2016! Em qualquer caso, as maiores empresas do mundo continuam a ser os maiores poluidores e temos um caminho longo pela frente.
§15. Para além disso, a justiça climática não pode ser reduzida às emissões. Justiça climática tem também a ver com pobreza energética, racismo, habitação, captura do poder pelas empresas via tratados de comércio livre, e – se calhar o mais importante – com paz. Tenho a certeza de que podes encontrar a área que mais te toca e envolver-te em ativismo nesta área. Todas estas lutas são lutas pela justiça climática.
§16. Finalmente, a luta entre as narrativas individuais e narrativas coletivas é uma luta ideológica.
Os neoliberais querem isolar-nos, querem tornar-nos meros “consumidores” atomizados, querem reduzir o nosso poder e a nossa capacidade financeira.
3500 pessoas separadas e isoladas não poderiam parar mina alguma. Juntas e organizadas, conseguiram fazê-lo. E é certamente este o pesadelo das elites económicas.
§17. As escolhas individuais consistentes com o mundo que queremos construir são eticamente relevantes, mas não são politicamente eficazes. Os números dizem-nos que, se queremos evitar um colapso civilizacional, temos de rapidamente nos organizar e mobilizar.
Junta-te à luta, ajuda nas campanhas existentes, traz novas ideias, faz parte desta oportunidade histórica para mudar tudo, antes que o clima o faça.
***
Notas:
* Emitimos também metano, etc., por isso usamos a unidade CO2 e, que é “equivalente de CO2”. Ou seja, nestas contas, todos os gases com efeito de estufa estão incluídos.
** Existem várias formas de calcular a tua pegada de carbono. Usei os números daqui porque chegam a um valor pequeno: http://www.carbonindependent.org/. Depois, há também este calculador http://www.carbonfootprint.com/ e este outro: http://footprint.wwf.org.uk/home/calculator_complete . O último é só para o Reino Unido, e o resultado da mesma conta seria 6.7 toneladas. Ou seja, um franciscano ecológico inglês conseguiria chegar aos valores médios dum/a habitante normal de Portugal.
§18. Depois destas minhas contas, o Luís Fazendeiro fez outras contas para uma outra formação do Climáximo:
-
Ele assume que a média de emissões per capita em Portugal são 6 toneladas de CO2e por ano. (Na verdade, são 6.6 mas alguns anos são ligeiramente melhores e outros ligeiramente piores.)
-
Ele considera 1000 pessoas, ou seja todas as pessoas que nós podemos influenciar diretamente. Estas pessoas vivem uma média de 80 anos. Assim, emitem uma média de 480 mil toneladas de CO2e em toda a sua vida.
-
Ora, o Luís diz que se elas vivessem um estilo de vida “espartano”, eventualmente poderiam chegar a 1-2 toneladas de CO2e por ano. Isto quer dizer que com um estilo de vida “espartano” estas 1000 pessoas poderiam poupar um total de 400 mil toneladas de emissões em 80 anos. (Eu não vi os cálculos para chegar a este valor, mas confio nas contas dele. Imagino que ele assume uma pessoa desempregada que vive numa aldeia com os seus pais. Na cidade e com emprego, penso ser impossível chegar a estes valores.)
-
Contudo, a central termoelétrica de Sines emite ~6 milhões de toneladas de CO2e num só ano.
-
A conclusão do Luís é que se estas mil pessoas lutassem durante 80 anos com convicção e a única vitória delas fosse conseguirem fechar a central de Sines um ano antes do plano do governo, isto seria uma luta 15 vezes mais eficaz.