A humanidade está à beira do abismo. Há cientistas que chamam a estes anos em que estamos “década zero” por ser a década em que vai ser decidido se teremos um planeta completamente diferente (caos climático) ou se teremos uma sociedade completamente diferente. O caminho vai ser escolhido nos próximos cinco a dez anos
Em 2018 saíram três estudos importantíssimos que resumem o ponto de situação na ciência e política das alterações climáticas.
O primeiro foi o novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC), que pela primeira vez calculou o que era necessário fazermos para atingir a meta de limitar o aquecimento global por 1,5 ºC relativos aos níveis pré-industriais. O IPCC, o conselheiro científico das cimeiras do clima, é uma entidade curiosa, com duas facetas. Em primeiro lugar, compila os artigos científicos mais atuais e credíveis e faz os seus próprios modelos climáticos para prever o futuro do planeta. Neste sentido, os dados e resultados do IPCC são os melhores representantes do consenso científico atual. Ao mesmo tempo, os relatórios do IPCC são aprovados por consenso nos plenários com diplomatas e delegados políticos. Com vários governos em representação do negacionismo climático (ou, mais diretamente, dos interesses das empresas petrolíferas), as versões finais dos relatórios acabam por ser mais conservadoras e menos alarmantes que a própria ciência que estão a apresentar. Qualquer leitor pode facilmente identificar as contradições no próprio texto do relatório que, por exemplo, diz que a captura de CO2 não é um método viável, mas também aconselha o uso deste método e até sugere um corte mais leve nas emissões por assumir o uso deste método. Resumindo, os dados do IPCC representam o consenso científico, mas os relatórios – a expressão desses dados – representam o consenso político global, que muitas vezes indigna os próprios cientistas que produzem estes relatórios.
Mesmo com estas autocensuras, o último relatório do IPCC diz-nos que temos de chegar à descarbonização da economia mundial em 2050 e de cortar as emissões globais pela metade até 2030. Como deve ser claro, tendo em conta que nem todos os países têm a mesma responsabilidade histórica nas alterações climáticas, os cortes de emissões devem acontecer muito mais rapidamente no Norte Global.
Os países negacionistas da ciência climática compreenderam o significado deste relatório de forma muito mais imediata do que os outros: os delegados dos EUA, Rússia, Arábia Saudita e Kuwait impediram a adoção do relatório do IPCC no início da cimeira em Katowice.
Aliás, os outros governos podem não estar a negar a ciência publicamente, mas estão a negá-la pelas suas ações. O mapa interativo divulgado no Paris Equity Check baseia-se em dois artigos científicos, publicados na revista “Nature”, e compara os compromissos nacionais atuais com os compromissos nacionais necessários. Em primeiro lugar, o estudo mostra que se todos os países seguissem o exemplo de Portugal, chegaríamos a um aquecimento de 4,1 ºC até ao fim do século, muito além do objetivo de 1,5 ºC, que é vital para os países mais vulneráveis. Aliás, no Norte Global não existe nem um país cujas políticas sejam compatíveis com a meta de 1,5 ºC. Só países que contribuíram pouco para o problema e vão sofrer mais com a crise climática é que estão a cumprir os prazos: se todos os países seguissem o exemplo do Níger, Somália, Etiópia ou Bangladesh nas suas políticas climáticas, podíamos limitar o aquecimento global a menos de 1,2 ºC. Em segundo lugar, tendo em conta a responsabilidade histórica e a capacidade tecnológica dos países, o estudo produz cenários equitativos das emissões e conclui que Portugal tem de cortar as suas emissões em 60-70% até nos próximos 15 anos.
Enquanto o relatório do IPCC explica o que deve acontecer, os mapas do Paris Equity Check comparam o que cada país está a fazer com o que deve fazer. Mas existe um terceiro aspeto, que é a ligação entre o que os governos devem fazer e o que acontece ao planeta neste cenário desastroso. Um estudo publicado no jornal “Proceedings of the National Academy of Sciences” dos EUA explica-nos que existem vários pontos sem retorno no sistema terrestre. Por exemplo, com um aquecimento de 1-3 ºC, é previsível que os ecossistemas glaciares no Ártico e nos Alpes colapsem. Com 3-5 ºC de aquecimento, as florestas da Amazónia e a circulação das correntes oceânicas colapsam. Com mais de 5 ºC de aquecimento, o permafrost na Sibéria começa a derreter descontrolavelmente.
Este artigo é essencial para um entendimento claro da urgência climática porque o próprio artigo mostra que, em poucos anos, a humanidade vai decidir que caminho escolher: uma “Hothouse Earth” (Terra Estufa) ou uma terra estabilizada.
A decisão civilizacional deve-se aos mecanismos de realimentação positiva no sistema terrestre. Um exemplo pode ajudar a ilustrar estes mecanismos. Com o aquecimento global, o gelo no Ártico está a derreter. Com o desaparecimento do gelo, uma superfície branca está a ser substituída por uma superfície azul. Nesta nova situação, em vez de o gelo refletir os raios do sol, os oceanos absorvem a energia e, assim, o planeta absorve mais energia que antes. Isto em si faz a Terra aquecer ainda mais, o que, por sua vez, faz o gelo derreter… até o gelo desaparecer por completo. Este efeito de bola de neve chama-se mecanismo de realimentação positiva, porque alimenta e fortalece o processo. O mesmo acontece quando a Amazónia, um sumidouro de CO2, colapsar e começar a libertar CO2 em vez de o fixar. E o mesmo acontece quando o solo congelado na Sibéria começar a derreter e a libertar metano.
Resumindo, a humanidade está à beira dum abismo. Há cientistas que chamam a estes anos em que estamos “década zero” por ser a década em que vai ser decidido se teremos um planeta completamente diferente (caos climático) ou se teremos uma sociedade completamente diferente. O caminho vai ser escolhido nos próximos cinco a dez anos. Por outras palavras, todas as decisões políticas vão ter de ser tomadas durante o próximo governo.
Estes três estudos demarcam as linhas principais das políticas económicas, sociais e climáticas de 2019.
Artigo originalmente publicado no IOnline a dia 24 de janeiro de 2019.