Deixar o petróleo no solo, em Rojava – Sinan Eden

Tive um amigo da universidade, Paramaz, que foi morto em Kobane, lutando contra o Estado Islâmico. Tenho outro amigo, o pai do Paramaz, que em Rojava, nas assembleias de ecologia, defende que Rojava deixe o seu petróleo debaixo do solo. A minha vida inteira foi sempre cheia de pessoas lindas, corajosas e inspiradoras. Hoje quero contar sobre uma outra pessoa, Zilan Diyar, do Movimento das Mulheres Curdas, que conheci ontem na sessão O Confederalismo Democrático entre teoria e práxis organizado pela Oficina de Ecologia e Sociedade (CES/Ecosoc) .

Tive a sorte de ser desafiado pelas organizadoras para fazer umas perguntas sobre ecologia em Rojava nesta sessão, em que também foram abordadas outros temas como jineoloji (ciência de mulheres) e auto-organização na Rojava.

Em Novembro passado, fui moderador da sessão Experiências ecossocialistas no Mundo: um debate crítico, nos IV Encontros Internacionais Ecossocialistas, em que Öner Öztürk do Movimento de Ecologia da Mesopotâmia falou sobre a teoria ecológica do movimento emancipador curdo. Ontem, Zilan começou por identificar que a ecologia que o movimento curdo considera é uma ecologia contra opressões e hierarquias. Neste sentido, diferenciam-se dos “ambientalistas” que põem o ser humano no centro e a natureza no ambiente que ronda o ser humano, mas também da “ecologia profunda” que valoriza a natureza duma forma pura contra as actividades dos humanos. O movimento curdo defende e procura uma relação integrada entre tudo que está neste planeta.

Zilan sublinhou: onde a sociedade de classes, hierarquias e comercialização não se integrou totalmente, podes observar esta relação, que nem é um acto consciente, que é algo que faz parte das pessoas. Ela contou a história da invasão da cidade de Afrin pelo exército turco, em que as populações fugiram para aldeias e cidades próximas. Afrin é conhecida pelas suas oliveiras de centenas de anos. Os mais velhos, quando tinham de abandonar as suas casas, levavam consigo uma pequena parte do solo, não só como algo que te liga à tua terra, mas também como algo que mostra como e onde começa a tua terra. Portanto, a ecologia não é um conceito abstracto para eles e elas. Vem directamente das experiências das pessoas: quando dizes “o estado turco está a cortar as tuas árvores para abrir zonas militares”, as pessoas entendem a ligação entre a ecologia, democracia e revolução. E é assim que ligam o anti-colonialismo à luta anti-extractivista.

Dito isto, Zilan também alertou que não podem simplesmente culpar o colonialismo e o capitalismo, particularmente em Rojava, onde existe – com os seus limites – um poder popular e uma experiência de auto-gestão. E na verdade, foi essa a minha pergunta: que coisas concretas estão a acontecer na Rojava que podem dar-nos um pequeno trailer da revolução social ecológica?

Em primeiro lugar, a própria organização da sociedade reflecte as prioridades: todos os municípios têm Comissões de Ecologia que actuam nas academias populares, mas também com projectos concretos.

Zilan mencionou alguns projectos: Cada comuna auto-organiza a limpeza, colheita de lixo e (mais recentemente) reciclagem no seu território. Só no cantão de Cizre e só em 2018, as populações plantaram 18 mil árvores. A ecologia faz parte do currículo desde a escola primária até à faculdade. E há também cruzamentos dos assuntos, como as cooperativas das mulheres para agricultura biológica.

Além destas medidas concretas, existe uma abordagem profunda que vai muito além dos ambientalismos do costume: cada investimento, seja privado ou colectivo, tem que ter uma licença da Câmara Municipal, mas para avançar tem de ter autorização não só da comissão de economia mas também da comissão de ecologia.

Zilan reconhece o desafio que o petróleo em Rojava coloca para a revolução. Neste momento, existe uma unidade popular de uso de combustíveis que facilita o acesso ao combustíveis para as necessidades verdadeiras da população e que, ao mesmo tempo, luta contra o comércio internacional ilegal e o mercado clandestino.

Muitas pessoas na região questionam: “Mas então, nós dizemos tudo isso sobre a ecologia, mas o que fazer com o problema do petróleo?”

É claro para o movimento revolucionário que Rojava não pode simplesmente seguir o modelo de desenvolvimento de Bashur (Curdistão do Iraque), baseado na exploração do petróleo. Reconhecendo as dificuldades actuais no contexto do imperialismo, Zilan destaca que a visão política do movimento é anti-extractivista e não pode organizar-se em torno da exploração dos recursos naturais. Aliás, o pai do Paramaz, que neste momento também está em Rojava, participa activamente nas assembleias de ecologia, e trouxe a proposta de resolução de a revolução continuar a usar petróleo mais dois-três anos e depois derramar mercúrio nos poços de petróleo para inviabilizar o seu uso no futuro.

Cada vez mais se torna evidente para mim os dois lados da justiça climática: por um lado, os países mais responsáveis pela crise climática e os países mais afectados pela mesma são muito distintos. Por outro lado, as populações na linha de frente da crise climática também estão a assumir a liderança em mostrar o caminho certo para um planeta habitável.

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