Não foi há pouco tempo que as alterações climáticas saltaram de um assunto científico para um assunto político, e é impossível fugir a uma abordagem sobre política que abdique de economia. Com o apelo internacional da iniciativa europeia by 2020 We Rise Up para virar as atenções para a economia e para o sistema financeiro, a pergunta natural surge: porque é que a banca é chave na luta climática? Por um lado a resposta é óbvia, é uma parte essencial das nossas economias, dos fluxos de investimento e do caos climático. Por outro lado é nada óbvio, o sistema financeiro é especialista em elaborar subterfúgios para tirar de si a luz dos holofotes, ocultando que este não é apenas o lugar onde deixamos e levantamos dinheiro, mas sim o detentor de enormes forças económicas.
Dentro de qualquer economia capitalista, temas como o dinheiro, banca e finança são assuntos incontornáveis. Estes temas estão longe de ser estreantes na agenda no combate ao capitalismo. Basta recuar a 2011 para ver o setor financeiro ser o principal foco da contestação, com o Occupy Wall Street. No rescaldo da crise financeira do subprime, após as chagas deixadas por esta ainda estarem bem presentes, o combate à desigualdade, oligarquia e capitalismo levou ativistas a ocupar (até quando a polícia permitiu) o parque Zuccotti em Nova Iorque, na frente do epicentro da finança mundial, Wall Street.
O que é dinheiro?
Para melhor discutir a finança temos que discutir qual a matéria prima com a qual esta trabalha: dólares, euros, ienes, yuans, libras, rublos, entre tantos, ou seja dinheiro. O que é o dinheiro? De onde é que este surgiu? Antes de responder à primeira pergunta, a segunda precisa de resposta.
A resposta mais comum sobre a origem do dinheiro passa por remeter a uma era em que os seres humanos precisavam de trocar uns com os outros. Por exemplo, o produtor de cabras precisava de trigo, e o produtor de trigo precisava de cabras, e assim estes acabariam por tentar chegar a um acordo de quantas cabras, ou porções destas, que seriam necessárias para obter um kilo de trigo, podendo assim chegar, digamos, a 10 kilos de trigo por uma cabra. À medida que as trocas vão ganhando complexidade, passando a englobar mais bens e serviços, mais pessoas, tempos mais desfasados, a situação complica-se. Para combater isto, um bem frequentemente trocado ganhava o papel de unidade de troca – dentes de animais, conchas, chegando aos materiais preciosos como prata e ouro com os quais somos mais familiares.
Com algumas variações, esta é uma versão amplamente difundida, sendo subscrita por Adam Smith, o Escocês do século XVIII, muitas vezes intitulado pai da ciência económica. Faz parte de currículos, desde em história no 7º ano às faculdades de economia, e para nós, pessoas habituadas a viver em economias de mercado modernas, soa intuitiva. Apenas contém um (grande) inconveniente: é falsa. A “terra das trocas”, uma sociedade em que as trocas ocorrem da forma como descrita no parágrafo acima nunca foi observada.
A história de como as trocas eram feitas antes de termos o dinheiro como meio de troca é complicada, e está longe de ter uma versão única para toda a humanidade. O mesmo se pode dizer sobre a forma como este surgiu.
“A história de como as trocas eram feitas antes de termos o dinheiro como meio de troca é complicada, e está longe de ter uma versão única para toda a humanidade. O mesmo se pode dizer sobre a forma como este surgiu.”
Antes da proliferação das moedas, existiram diversos sistemas (e ainda existem em comunidades onde o capitalismo tem menor penetração). Entre os exemplos, podemos encontrar comunidades de nativos norte-americanos em que os bens eram armazenados e conselhos femininos os alocavam; sistemas mais complexos de trocas de presentes na Amazónia; rituais sexuais entre algumas comunidades aborígenes da Austrália, entre muitos outros. Temos assim um leque de vários sistemas com um grande denominador comum: não eram sistemas de trocas diretas. A a sociedade de trocas diretas pré-moeda nunca foi encontrada. Podemos encontrar casos em que uma moeda de facto emerge de um mundo de trocas diretas (dos mais evidentes o dos cigarros-moeda nos campos de detenção da segunda guerra mundial), mas além de fugazes esses casos têm um ingrediente extra: quem os constrói já viveu toda a vida num sistema de economia de mercado.
Quanto à chegada à moeda e à economia de mercado, mais do que uma visão prevalece ao longo da história, mas um fator indispensável é a autoridade do Estado. Uma versão cartoonesca para a chegada ao mercado segue o seguinte raciocínio: os primeiros Estados ao fazerem guerras precisavam de soldados, que precisavam de ser sustentados, por isso um sistema engenhoso teve que ser inventado. O Estado (rei, imperador, conforme os gostos) impunha a obrigação dos produtores de bens necessários pagarem um imposto, sob alguma forma de moeda, isto é, impunha-lhes dívidas. Entretanto o Estado entregava várias dessas moedas aos seus funcionários para satisfazer as suas necessidades, criando assim um sistema monetário e dando os primeiros passos para um mercado no sentido moderno.
Esta versão cartoonesca pode-nos apenas ajudar a entender um desenvolvimento que foi sendo feito por vários caminhos em várias sociedades, e, dificilmente, de uma forma linear, mas oferece-nos uma base de raciocínio sobre como a economia de mercado nos chegou. Saltando de uma situação cartoonesca para uma real, a conquista de Madagáscar por parte da França oferece-nos uma narrativa bem documentada. Concluída a conquista, no início do século XX, os conquistadores franceses impuseram um imposto por habitante da ilha, só pagável no novo dinheiro impresso pelos próprios franceses. Assim, os malgaxes viram-se forçados a vender bens a estes para pagar os novos impostos. Com isto os invasores conseguiram duas coisas: apropriar-se de bens malgaxes e criar um sistema de trocas monetárias.
Com a resposta a como o dinheiro tendia a surgir, conseguimos a resposta à segunda pergunta. O dinheiro é dívida, ou como John Maynard Keynes, o economista da primeira metade do século XX, definiu, “uma operação dos dois lados da folha de pagamentos”, isto é, crédito e débito. E, como visto acima, esta resposta tem que ser complementada com outro fator fulcral: o dinheiro é um produto tutelado pelo Estado. Isto traduz-se no facto de que, por extensão, os mesmos mercados que usam esse dinheiro são um produto direto desse mesmo Estado, o que colide diretamente com um dos mantras neoliberais, que é mercados e Estado existirem em oposição, sendo que a presença de um retira espaço ao outro.
“O dinheiro é dívida, ou como John Maynerd Keynes, o economista da primeira metade do século XX, definiu, “uma operação dos dois lados da folha de pagamentos”, isto é, crédito e débito.”
Assim temos, o dinheiro que usamos no dia à dia é de facto dívida. Este em último lugar é usado para pagar dívidas, sendo que o que temos na carteira é o meio de pagar essas obrigações. Quando o trocamos por algo, o recebedor dessa dívida passa para outra pessoa. E no fundo todos acabamos por dever, todos precisamos de aceder aos mercados para viver (e, eventualmente pagar impostos), e para tal acumular dinheiro nas nossas carteiras, ou seja trabalhar para ficarem em dívida para connosco. E tudo isto não acontece num vazio, todo este sistema é tutelado pelos estados.
Qual a interação da banca com o dinheiro?
Desta vez a narrativa convencional não foge da verdade, peca sim por ser incompleta. Assim, o indivíduo A tem, digamos, 100 euros, os quais não quer gastar para poder investir, e então vai colocá-los no banco Z. Este banco Z vai ter que pagar juros ao individuo A, e para isso vai emprestar os 100 euros a outro individuo, digamos B, que pede um empréstimo, para, por exemplo,investir num novo trator para melhor poder trabalhar no seu terreno.
Omitindo pormenores eventuais extra – como o individuo B ser dono do banco Z, o indivíduo A ser forçado a colocar o dinheiro no banco para poupar para suplementar a reforma miserável que vai receber da segurança social do seu país, ou que para obter lucros o banco Z ao invés de investir na economia real irá colocar o dinheiro num derivado financeiro baseado no preço da beterraba da Tailândia – esta história básica consegue dar-nos uma ideia de como a banca funciona. Mas a narrativa não acaba aqui.
Após o indivíduo B comprar o trator ao indivíduo C, este último, por sua vez, poderá também depositar os 100 euros no Banco Y, que, por sua vez, poderá emprestar a um indivíduo D, que irá pedir os 100 euros para comprar a nova coleção de ténis da Rihanna ao indivíduo E, que irá colocar o seu dinheiro no banco Z, que, por sua vez, empresta o dinheiro ao um individuo F, que irá comprar uma viagem para Marte a um individuo G, e digamos que este irá depositar o dinheiro no banco A.
Após tudo isto, teríamos 100 euros de dinheiro físico. Mas quanto vale o dinheiro na economia?Certamente, teremos que contar o dinheiro de todos os depósitos desta economia, e magia: os nossos 100 euros tornaram-se em 400. Tudo isto apresenta um grave problema, todo este ciclo irá propagar-se até o dinheiro multiplicar-se infinitamente, até ao momento em que um dos indivíduos pede pelo seu dinheiro no banco de volta, o banco não o tem disponível, e todo o sistema colapsa. Para combater este problema, todos os sistemas bancários funcionais colocam alguma restrição ao dinheiro dos depósitos que pode ser emprestado, a reserva fracional (por exemplo, 10% deste, nos Estados Unidos). Mesmo não tendendo para infinito, os 90% de dinheiro que podem ser emprestados, eventualmente, serão transitados de forma sequencial, chegando a transformar os 100 euros iniciais em 1000 euros.
Toda esta conversa de números parece chata? Talvez, mas o que importa reter é: cada débito que uma pessoa deva é um crédito de outra pessoa. Quando peço dinheiro de um banco, eventualmente, vou depositá-lo noutro, que logo poderá emprestá-lo. Assim, todo o dinheiro tende a multiplicar-se através do sistema bancário. Nunca acreditaste numa árvore de fazer crescer dinheiro? Elas existem, e chamam-se bancos. A ideia de que os depósitos geram empréstimos inverte-se. Emprestar também gera depósitos, já que, eventualmente, a maior parte do dinheiro emprestado voltará a ser depositado num banco.
“Nunca acreditaste numa árvore de fazer crescer dinheiro? Elas existem, e chamam-se bancos.”
O que é que isto significa para a banca e para a sociedade?
Todo este negócio da finança torna-se, claramente, um instrumento poderosíssimo com a sua capacidade de multiplicar dinheiro. Igualmente perigosa é a possibilidade de empréstimos que não consigam ser recuperados e de alguém não encontrar o seu depósito, que pensava estar seguro no banco. Estas hipóteses são capazes de lançar todo um país (ou o mundo, nos dias de hoje) no caos económico e político. Isto não constitui uma novidade para a humanidade, o poder da banca e dos empréstimos é entendido desde há muito e os esforços de intervenção na banca são uma constante ao longo da história, desde os jubileus de dívida na Suméria, das proibições de usura na Sharia ou da equivalência do juro ao roubo, por parte de Anselmo de Cantuária.
E a finança não se fica pela banca, troca a palavra “depósito” por “prémios de seguro”, o termo “levantamento de depósito” por “accionamento de seguro”, e puff, quase que tens a indústria seguradora, na qual princípios parecidos se aplicam.
As próprias benesses para um banco não se ficam por aqui. Nos dias de hoje, este controlo do sistema bancário por parte do Estado assume a mesma forma institucional em todas as economias modernas, um Banco Central. Desde a Reserva Federal nos Estados Unidos ao Banco Central Europeu, para os países do Euro, dos quais o Banco de Portugal acaba por representar um filial local. Estes controlam desde o juro que os bancos podem cobrar, à qualidade dos empréstimos feitos e, mais importante que isso, fazem-lhes empréstimos a uma taxa de juro que consideram adequada.
Faz parte do trabalho destes bancos centrais, definir quanto é a inflação (o crescimento do nível de preços), estabilizar a atividade económica, prevenir colapsos de todo o sistema, entre outras funções. Em tudo isto se destaca uma prática: emprestar quando se acha apropriado níveis teoricamente ilimitados de dinheiro à banca, podendo mesmo para isso imprimir-se novas quantidades de dinheiro físico, e a presença destes fazendo-se notar constantemente na indústria financeira.
O hedge fund dos anos 90, Long-Term Capital Managment, pedia rios de dinheiro emprestado para fazer apostas nos mercados financeiros até ter perdido 4,6 mil milhões de euros, quem entrou em ação? A reserva federal norte-americana, ao prometer fazer de tudo para estabilizar os mercados. Na primeira década deste século os bancos americanos lucraram até o sistema entrar em semi-colapso, qual foi a força interventiva? A reserva federal novamente, salvando-os ao gastar 600 mil milhões de dólares nos produtos financeiros com que estes jogavam. Em 2012, enquanto toda a economia europeia era arrastada para uma crise profunda depois de empréstimos avultados por parte das bancas francesa e alemã ao Estado grego se revelarem impossíveis de reembolsar, quem disse que faria “tudo o que fosse preciso” para salvar o euro? O presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi.
Os episódios acima retratam situações de crise, em que, excepcionalmente, os bancos centrais disponibilizaram quantidades extra de fundos à banca. Mas em situações correntes este tipo de apoio é uma constante. Por exemplo, durante boa parte da década actual, de ambos os lados do atlântico os bancos beneficiaram de empréstimos dos bancos centrais, tendo em contrapartida títulos, como dívidas soberanas. Por outras palavras, imagina que fizeste um empréstimo de 20 euros àquele amigo teu com fama de caloteiro, e ele anda, estranhamente, a evitar-te há 3 meses. Agora o banco central europeu vai trocar contigo o direito de receber a dívida do teu amigo, e vai dar-te 20 euros. Óptimo negócio, não te parece? Outra ajuda mais direta passa por os Bancos Centrais comprarem ativos financeiros diretamente no mercado, para atenuar situações de descida de preços, e isto não vem sem consequências: estes Bancos Centrais acabam por comprar ativos de empresas fósseis, tornando-se de facto donos de parte destas.
Toda esta politica dos bancos centrais não se pode resumir a simples doações a bancos. Agir para evitar perdas astronómicas da banca impede o colapso sistémico, ondas de desemprego, falências e salários em atraso, quer pela atuação no dia à dia, quer nos momentos de crise. O que não podemos descurar é que as constantes salvamentos do sistema têm sempre um porteiro, a finança. Antes destas políticas de salvação entrarem em acção, há um agente que recebe a sua margem, havendo um fosso entre as dádivas dos bancos centrais e as condições draconianas impostas quando chegamos ao balcão de um banco. Episódios e episódios de salvamentos repetem-se, no entanto a rotina mantém-se. Bancos lucram, o colapso torna-se eminente, instituições públicas pagam os estragos, e o ciclo repete-se. Ainda para mais, com a financeirização crescente da economia as políticas de estabilização da economia tenderam também a torna-se mais financeiras, crescendo assim as situações em que dinheiro dos Bancos Centrais é usado para estabilizar o preço dos ativos detidos por capitalistas, em contraposição com outras ferramentas de estabilização, como subidas de salários ou a expansão se serviços públicos.
E até aqui ainda só foram apresentados casos em que a ajuda é feita por parte dos bancos centrais, de uma forma implícita. Os episódios mais explícitos são mais do que frequentes, como os pacotes massivo de empréstimos retirados diretamente dos orçamentos de Estados. Desde os 100 mil milhões de euros de 2012 que o Estado espanhol pediu ao FMI para recapitalizar os seus bancos que trataram o mercado imobiliário como um casino; os empréstimos impagáveis oferecidos por bancos franceses e alemães ao Estado grego, que nunca iriam ser pagos, e após isto ser percebido, os prejuízos foram transferidos desses bancos para o povo grego (não dispensando a mascara de programa de assistência financeira); aos investimentos ruinosos do Banco Espirito Santo feitos pelos seus donos a empreendimentos desastrosos, cuja fatura ainda se acumula ao erário público enquanto estas linhas são escritas.
“… a banca é portadora de enormes forças da sociedade, quer pela capacidade de poder multiplicar o dinheiro… Neste momento, estas forças são detidas pelo lado que insiste em lapidar o meio do qual vivemos, através de investimentos massivos em indústrias fósseis…”
Tudo isto nos leva a um ponto: a banca é portadora de enormes forças da sociedade, quer pela capacidade de poder multiplicar o dinheiro (que na verdade constitui dívida de todas a todas tutelada pelo Estado), quer pelos subsídios indiretos que as políticas monetárias sucessivamente fornecem à banca, quer pelos subsídios mais do que diretos em que fundos públicos são quase oferecidos à banca, com contrapartidas quase nulas. Assim, quem controla estas forças, o que faz com elas, qual a lógica que as rege, quem recebe as suas contrapartidas, para onde elas são canalizadas, todas essas forças são questões fundamentais para perceber a agenda climática. Neste momento, estas forças são detidas pelo lado que insiste em lapidar o meio do qual vivemos, através de investimentos massivos em indústrias fósseis (e não só), e isto reflete-se, como não poderia deixar de ser, em números.
No que é que isto se traduz para a questão climática?
Quantidades massivas de dinheiro emprestado pelo bancos e negócios que geram o caos climático. Desde 2016, quando o acordo de Paris foi implementado, até ao final de 2018, os bancos canalizaram 1.900.000.000.000 de dólares para exploração de combustíveis fósseis, isto é, 1,9 biliões. E estes dados não abordam setores altamente relacionados, como indústria produtora de electricidade ou veículos movidos a partir destes.
“Desde 2016, quando o acordo de Paris foi implementado, até ao final de 2018, os bancos canalizaram 1.900.000.000.000 de doláres para a exploração de combustiveis fósseis, isto é, 1,9 biliões.”
Para o que é que isto daria? Entre muitas outras coisas, para comprar a Google, Apple, Facebook, e talvez ainda sobrar dinheiro.
Examinando o total do financiamento, no topo da tabela encontramos a JPMorgan Chase nos Estados Unidos, o Royal Bank of Canada no Canadá, o Barclays na Europa, a MUFG no Japão e o Bank of China na China. Em setores específicos dos combustíveis fósseis, nas Areias Betuminosas temos no topo o RBC, o TD e a JPMorgan Chase; nas explorações de Petróleo e Gás do Ártico encontramos a JPMorgan Chase, o Deutche Bank e o SMBC Group; nas Explorações de Ultra Profundidade temos a JPMorgan Chase, o Citibank e o Bank of America; na área do Fracking a Wells Fargo e a JPMorgan Chase; nas infraestuturas de Gás Liquefeito temos a JPMorgan Chase, a Société General e o SMBC Group; na Mineração de Carvão os bancos chineses lideram com o China Construction Bank e o Bank of China no topo e nas Centrais a Carvão novamente os bancos chineses estão no topo com o Bank of China e o ICBC.
A dimensão da finança na banca é tal que se alastra à escassa banca pública. O Banco Europeu de Investimento, propriedade dos Estados membros da União Europeia é um ator principal no financiamento de projetos fósseis, sendo estimado ter fornecido 6.2 milhões de euros por dia a projetos fósseis, entre 2013 e 2018. Recentemente, após anos de pressão, assumiu o compromisso de não financiar mais projetos fósseis a partir de 2021, no entanto deixando mais 2 anos para operar e várias lacunas no compromisso, que abrem espaço a que seja apenas uma apresentação de boas intenções.
E para as renováveis? Se olharmos para o quanto estes mesmo bancos financiam energias renováveis, os valores destas são negligenciáveis. Por exemplo, no período de 2009 a 2014, a JPMorgan Chase investiu 45 vezes mais em combustíveis fósseis do que em energias limpas, e os outros bancos em geral tendem a magnitudes de valores parecidas. Com o passar dos anos, estes valores não tenderam a alterar-se, tendendo mesmo os bancos a aumentar o financiamento fóssil todos os anos após o acordo de Paris.
Tal como as alterações climáticas não se limitam à produção de gases de efeito de estufa, o papel da economia e da banca não se limita a financiar projetos fósseis. O exemplo mais berrante é o da destruição da Amazónia para abrir espaço ao agronegócio, sendo que a banca internacional também surge aqui em peso. Seguindo o padrão normal dentro do capitalismo, o agronegócio depende substancialmente de empresas multinacionais para comercializar os produtos explorados, e estas dependem de financiamento. Sendo as quatro principais empresas a ADM, a Bunge, a Cargil e a Louis Dreyfus. Ao analisar o financiamento a estas empresas, encontramos mais do que um bilião de doláres entre 2013 e 2018, com especial destaque para o BNP Paribas, a JPMorgan Chase, o Barclays e o Bank of America. E a participação da finança não se fica só pelos empréstimos. Por exemplo, a Blackrock, a maior gestora de fundos do mundo, com mais de 6 biliões de dolláres sobre gestão, além de ter uma enorme participação em empresas de industrias fósseis, possui 2.5 mil milhões em investimentos nestas empresas do agronegócio, não sendo cúmplice apenas por lhes fornecer dinheiro, mas ainda por ser dona destas e participar na sua gestão, detendo mais de 5% da Bunge e da ADM.
“Tal como as alterações climáticas não se limitam à produção de gases de efeito de estufa, o papel da economia e da banca não se limita a financiar projetos fósseis. O exemplo mais berrante é o da destruição da Amazónia”
Onde isto nos deixa no papel da finança na crise climática?
A finança constitui um pilar essencial das nossas economias, e a forma como os seus fundos são canalizados é determinante para o caminho que é seguido. O enorme poder que lhe é atríbuido não provém só dos fundos que ela já detém, mas também dos que lhe são permitidos ter pelo sistema vigente. Quer sobre a égide do multiplicador financeiro, quer das políticas monetárias ou dos finaciamentos vindos diretamente de fundos públicos, torna-se vital que a direção desse poder seja alinhada com as necessidades públicas. Sobre a lógica capitalista do crescimento eterno baseado no extrativismo, o rumo para o qual a finança nos leva é claro: investimentos incessantes nas índustrias poluentes, emissões que não param de aumentar e o colapso climático. Qualquer lógica de transição terá que passar pela forma como esse poder é direcionado. Em primeiro lugar é vital que este pare de alimentar o caos na nossa atmosfera, em segundo lugar é necessário que as energias detidas pela finança sejam direcionadas para a transição. A mudança coletiva da forma como a energia é gerada e consumida terá que ser ambiciosa, e isto só será possível com uma mobilização enorme dos recursos das sociedades.
“Qualquer lógica de transição terá que passar pela forma como esse poder é direcionado. Em primeiro lugar é vital que este pare de alimentar o caos na nossa atmosfera, em segundo lugar é necessário que as energias detidas pela finança sejam direcionadas para a transição.”
A lógica de enormes investimentos é inescapável à crise climática, quer o destino seja investir em continuar a delapidar os ecossistemas dos quais dependemos até a barbárie se instalar, quer este seja catalisar as nossas economias para projetos que possibilitem um futuro justo e sustentável. Resta saber qual dos dois triunfa.
Dicionário
Tudo o que está acima não tenta ser um desenho compreensivo sobre todos os aspetos da banca e como esta interage com as alterações climáticas, por isso segue-se um dicionário de vários termos frequentes que te podem ajudar a perceber vários contextos.
Ação – Título de propriedade sobre empresa, normalmente um fração desta. Permite receber dividendos distribuídos por uma empresa e votar em grandes decisões desta, como decidir a equipa de administração. Equivale a uma fração de propriedade da empresa, isto é, geralmente, se uma empresa tem 100 ações e tu fores detentora de 1 ação tens 1% dos votos. O valor desta costuma variar com a expetativa de lucros futuros de uma empresa. Geralmente agregadas em índices que agrupam ações de várias empreas, como o PSI20, Euronext, SP500, Nasdaq, Dow Jones.
Dividendo – Parte do lucro que a empresa distribui pelas acionistas, sendo a outra parte geralmente investida dentro da empresa
Título de dívida – Direito a receber dívida de uma empresa ou de um Estado, e respetivos juros. Por exemplo, deves 100 euros ao banco, este fica dono de um título de dívida sobre ti. Em mercados internacionais é frequente estes títulos de dívida serem transacionados regularmente, isto é, a quem uma empresa ou Estado deve dinheiro mudar com facilidade. O valor desta costuma variar com a expetativa de bancarrota da empresa ou do Estado, perdendo valor quando esta expetativa aumenta.
Taxa de juro – Percetagem recebida em certos períodos de tempo em relação a um montade em dívida.
Taxa de inflação – Nível de crescimento geral dos preços numa economia, geralmente calculado com ponderações de consumo.
Derivado – Um produto financeiro cujo valor depende diretamente de outro produto. Por exemplo, uma call option que valerá mais quanto uma ação financeira valer. Tendem a permitir posições financeiras mais arriscadas do que os produtos sobre os quais dependem.
Futuro – Produto financeiro que se baseia num contrato a ser executado no futuro, como vender um carro ou uma ação de uma empresa 6 meses depois do contrato ser assinado.
Commodity – Produto dotado de uniformidade no mercado. Por exemplo, o petróleo, depois de processado, consegue ser transformado num produto igual em todo o mundo, sendo assim quase impossível de diferenciar e comercilizável a um preço quase único no mercado.
Mercado primário – Mercado no qual um produto financeiro é criado. Por exemplo, o Estado português emite 10 milhões de euros em dívida e a Caixa Geral de Depósitios empresta esse dinheiro, dadas as condições acordadas.
Mercado segundário – Mercado no qual um produto é transacionado fora do mercado primário. Por exemplo, a Caixa Geral de Depósitios vende o direito de receber 10 milhões do Estado português dentro de 4 anos ao Deutche Bank, por 8 milhões no presente momento
Mercado monetário – Mercado onde, ao invés de transacionar ações, títulos de dívida ou outros produtos, é feita a troca de moedas por moedas. Por exemplo, dólares por euros, libras por yienes.
Banco Comercial – Banca como a maior parte de nós a conhecemos. Recebe depósitos, faz empréstimos. Exemplos: Santander, Millenium BCP.
Banco de Investimento – Banca mais “sofisticada”, geralmente presta serviços, tais comointermediar entre bancos que querem emprestar e outros bancos, Estados e empresas que precisam de obter empréstimos, elaborar mercados de Derivados, e avaliar a aquisição de empresas por outras empresas. Exemplos: J.P.Morgan Chase, Goldman Sachs.
Glass-Steagall banking act – Legislação nos Estados Unidos que impunha a separação da Banca Comercial e da Banca de Investimento, colocada em vigor nos anós 30 no rescaldo da grande depressão, retirada de vigor em 1999, menos de dez antes da grande recessão.
Taxa de juro de referência – Taxa de juro fixada pelo Banco Central Europeu para empréstimos que este faz aos bancos.
Fundo de Investimento – Uma entidade que gere capital seu ou de outras entidades por um preço. Em baixo econtram-se vários exemplos destas, não mutualmente exclusivos.
Fundo de pensões – Quando empresas assumem o compromisso de pagar uma pensão aos seus trabalhadores, fazem-no criando um fundo. Periodicamente, descontam dinheiro para este, que por sua vez vai alocar o dinheiro em vários investimentos, de forma a poder pagar no futuro as pensões.
Fundo Soberano – Um fundo de investimento, detido por um país, tendo como exemplo conhecido o fundo na Noruega que reeinveste os ganhos das explorações petrolíferas.
Gestora de ativos – Fundo dedicado na gestão de capital, de forma geral sem um propósito definido, por norma recebe dinheiro de outras entidades com fundos de pensões, fazendo assim a gestão deste.
Fundo mutualista – Fundo que recebe dinheiro de vários investidores com o único objetivo de obter retorno sobre este, investindo em vários produtos, como ações, títulos de divida, etc.
Hedge Fund – O mesmo que o acima, só que sob esteroides, o expoente máximo de finanças de casino. Recorrendo a investimentos mais arrojados e sofisticados, tende a gerar mais retornos mas também a colapsar em más condições de mercado.