§0. Passei sete dias nas montanhas da Catalunha, com 19 activistas pela justiça climática de 13 países europeus num retiro estratégico organizado pelo Centro de Formações ULEX. (Relato anterior, aqui.) Enquanto quase todas as activistas em Portugal estavam a preparar a Operação Madrid para participar na manifestação e na Cimeira Social pelo Clima durante a COP-25 em Madrid, tive a oportunidade de sair do dia-a-dia do activismo e pensar profundamente sobre como vencer a luta.
§1. Como activistas pela justiça climática, confrontamos um sistema socioeconómico que às vezes parece omnipotente e omnipresente. Sentimos uma urgência de agir e de reagir, de cada vez que enfrentamos uma injustiça num qualquer lado do mundo. Às vezes temos pequenas vitórias e, regra geral, temos vergonha de celebrá-las. Precisamos de mudar tudo nas nossas sociedades, caso contrário a crise climática vai mudar tudo nas nossas sociedades. Estamos sempre a correr. Com a coragem que encontrámos dentro do nosso susto, lutamos contra a indústria, contra os governos que as representam, contra o sistema que queima a nossa casa.
Isto pode ser esgotante.
Mas o pior não é o cansaço. O pior é estamos permanentemente engolidas nas tácticas e nas acções, sem aprender a partir das lutas passadas, das lutas internacionais e da nossa própria experiência, e sem planear estratégias para o futuro. Criar um curto-circuito entre uma acção e a próxima desempodera-nos e prende-nos nos nossos hábitos activistas.
§2. Existem muitas ferramentas organizacionais que podem ajudar-nos a estabelecer processos de aprendizagem colectiva e a construir estratégias para um crescimento saudável e consciente do movimento.
§3. Se calhar o primeiro passo é compreendermos a ecologia do nosso movimento, com vários colectivos e organizações, com as suas forças e fraquezas, e as interacções entre estas. Isto, no contexto nacional, mas também europeu e internacional. Analisando as relações entre as organizações e descobrindo as funções que cada uma podia segurar melhor, podemos ter uma visão mais clara sobre os possíveis sentidos que o movimento pode seguir.
§4. O segundo passo é uma análise profunda do nosso contexto. Criar estratégias é fazer planos para um futuro desconhecido. E muitas vezes as discussões internas nos grupos focam-se na análise política dos possíveis futuros e que futuros são mais prováveis. Vai haver Brexit, ou não? A extrema-direita vai crescer muito rápido, ou não? Os impactos da crise climática vão agravar-se drasticamente na Europa nos próximos meses? A economia mundial vai colapsar em 2020, ou vai ficar estável mais algum tempo? Que resultado terão as eleições nos Estados Unidos? Etc.
Estas perguntas são essenciais para qualquer estratégia de qualquer movimento social. Contudo, muitas vezes ficamos a discutir estas perguntas e não fazemos nada com as nossas respostas. (Aliás, muitas vezes a discussão fica entupida por tentarmos ter um acordo demasiado detalhado sobre o assunto.) É esta falha – a falha em passar da política à estratégia – que alimenta a imagem estereotipada de activista, que discute e discute e discute e que quando chega a altura de acção fica paralisada.
As perguntas que podem desbloquear esta falha são: Que oportunidade pode o cenário X trazer? Que riscos e ameaças pode o cenário X trazer?
Antes de perguntar que cenário é mais provável, a abordagem estratégica seria avaliar os impactos de cada cenário independentemente da probabilidade que-lhe atribuirmos.
§5. O terceiro passo seria identificar as prioridades estratégicas para cada cenário. Mais uma vez, antes de discutir que cenário é mais provável, avaliando todos os cenários podemos descobrir o que cada um implicaria para nós. Para que impactos devemos preparar-nos? Como podemos mitigar estes impactos? Que novas oportunidades políticas surgiriam? Em que ferramentas, conhecimentos e relações devemos investir para aproveitar estas oportunidades?
Fazendo este exercício, podemos descobrir que estamos mais preparadas para alguns cenários. Podemos detectar competências ou estruturas que seriam necessárias em todos os cenários. Podemos reconhecer que estamos a investir em áreas que não seriam úteis em nenhum cenário.
§6. O passo seguinte seria voltar ao mapeamento do nosso movimento e analisar o que cada cenário implica para o movimento inteiro.
Se calhar descobrimos que há cenários para os quais não temos nenhum recurso ou conhecimento, e talvez nem tenhamos condições para nos prepararmos. Com este passo de voltar à ecologia do movimento, podemos identificar outras organizações mais capazes de lidar com esses cenários. Se calhar podemos deixar este cenário a outros grupos e continuar a investir nos cenários mais compatíveis com as nossas forças e fraquezas. É também possível descobrirmos que há um cenário para o qual ninguém no movimento se está a preparar. Neste caso, podemos abrir uma conversa alargada para alertar todos os actores para o risco.
Com este exercício, podemos reconhecer as forças das outras organizações e as fraquezas do nosso grupo. Podemos apreciar as funções da cada organização no movimento, sem necessariamente concordarmos com a teoria de mudança de todas. Por outro lado, podemos também encontrar-nos a investir numa relação com uma organização que não tem ferramentas úteis para nenhum dos cenários.
§7. Este ciclo estratégico permite-nos guiar as nossas prioridades organizacionais.
Mas há um elemento aqui que queria destacar: para fazer este exercício colectivo, não é preciso um grupo ter uma discussão detalhada sobre que futuro é mais provável. Ou seja, estrategizar não é meramente um exercício intelectual para dirigentes. É um exercício que pode desbloquear desacordos desnecessários e que põe toda a gente a trabalhar independentemente da análise política: se há um conhecimento ou competência que falta no colectivo mas que seria essencial em todos os cenários, ninguém precisa duma discussão política para investir nesse conhecimento; se há uma estrutura que mantemos com muito esforço que não é útil em nenhum cenário, o grupo deve abandoná-la sem precisar de prever o futuro.
Ainda melhor, este pensamento dá resultados e empodera as activistas: se há uma ferramenta ou uma relação que seria útil em todos os cenários, ficamos mais fortes em investir nela e em qualquer cenário vamos aproveitá-la.
§8. Desmontar o capitalismo e vencer a luta pela justiça climática são tarefas difíceis. Quando dizemos “nós somos aqueles de quem estávamos à espera”, na verdade dizemos duas coisas: 1) Não são eles (os políticos, um empreendedor inovador, uma cimeira diplomática, um super-herói) que vão salvar-nos. 2) Não sou eu sozinho que consigo vencer esta luta, somos nós todas que temos que levar a História na mão.
Para vencer, precisamos de pensar sobre a ecologia inteira do nosso movimento e precisamos de pensar sobre os movimentos dessa ecologia.