Com a economia em colapso, bancos centrais injetam dinheiro na banca, e governos apresentam medidas, e o Governo português não é exceção.
E, mesmo nunca dando grandes esperanças, o Governo consegue desapontar.
Um plano que totaliza 9.2 mil milhões de euros – não muito longe do que o Estado gasta com o Serviço Nacional de Saúde. Perto de 3 por cento do PIB, quase nada comparado com os 17 por cento em Espanha, 15 por cento em França. Assim o plano português é o reflexo de um Estado que ainda carrega bem a dívida dos tempos da Troika.
Este subdivide-se em várias partes.
Primeiro, como anunciado pelo Ministro da Economia na quinta-feira, um plano de crédito para as empresas em stress financeiro. Poderão já empresas dos setores da restauração, turismo – tanto agências como alojamentos – receber empréstimos com a garantia do Estado. 3 mil milhões de euros de uma assentada.
Para que servirão estes empréstimos? Em teoria para aguentar as empresas nestes tempos difíceis, deixando as suas estruturas e recursos impecáveis para receber novas enchentes de turistas. Podendo assim pagar os empréstimos confortavelmente com o passar do tempo. No entanto, a realidade é diferente.
Será difícil o setor do turismo regressar aos tempos antes da pandemia do COVID-19. É inconcebível imaginar Maio ou Junho com as cidades e praias de Portugal cheias de viajantes. O dano económico sofrido por todo o mundo nas carteiras dos outrora turistas, o cenário de pânico que ainda pairará sobre a possibilidade de novas ondas do vírus, a quebra do hábito social de viajar, o planeamento que é necessário para encaixar uma viagem nos calendários, entre outros fatores, impossibilitam qualquer recuperação do turismo no curto prazo.
Assim para que poderão servir estes empréstimos? Em primeiro lugar para sustentar a ilusão coletiva de um regresso à normalidade. Em segundo para as empresas poderem pagar os empréstimos pendentes, protegendo assim a banca. Às custas dos dinheiros públicos, claro.
Contrapartidas? Que não hajam despedimentos. Como é que isto será fiscalizado? Não se sabe. Sendo comum trabalhos em setores como a restauração e turismo – dois dos principais setores afetados nesta crise – terem vínculos precários, numa lógica à jorna, sem contrato, não existe fiscalização funcional capaz de registar estes como despedimentos. Já a comum não renovação de contratos temporários podemos supor entrar na mesma não fiscalização.
Para tornar ainda mais fácil não despedir, em paralelo existe um ‘lay-off’ simplificado. Permitindo a várias empresas enviar trabalhadoras para casa da maneira mais confortável possível: quase não lhes pagando. Esta prevê enviar para casa as trabalhadoras com um corte de um terço do salário, sendo os dois terços que restam comparticipado pela Segurança Social em 70 por cento, e empresa fica isenta de pagar a Taxa Social Única. Ou como a consultora Deloitte explica, pagar apenas 16% do salário a uma trabalhadora que receba 1000 euros:
O novo ‘lay-off’ simplificado (suspensão temporária da atividade devido à pandemia da Covid-19) prevê o pagamento de dois terços (66%) da remuneração base ao trabalhador, suportado em 70% pela Segurança Social e em 30% pela entidade empregadora, isentando o empregador de TSU.
Assim, no caso de um salário base de 1.000 euros brutos, a empresa, que antes teria um custo de 1.237,5 euros, passará, em ‘lay-off’, a ter um encargo global de 200 euros com este trabalhador, o que significa uma redução de custos de quase 84%, mostram as contas da Deloitte.
Em segundo lugar, 6,2 mil milhões vão para a “área fiscal” e contribuições, isto é, para o não pagamento de impostos e da Segurança Social.
Ficam então só por esta via as contribuições para a Segurança Social reduzidas em um terço, ficando esse montante para ser pago no verão. Isto quer dizer que o dinheiro que seria colocado na Segurança Social, do qual depende o pagamento de pensões fica adiado, fazendo na prática um empréstimo sem juros. E se a empresa não conseguir pagar nessa altura? Provavelmente nunca se pagará, o que se traduz na prática em tirar dinheiro que serviria para pagar pensões e colocá-lo nas mãos de empresas.
Já impostos que vão diretamente para os cofres do Estado, como o IVA, IRS e IRC – o segundo pago pelas pessoas singulares, o terceiro pelas empresas – também ficam com pagamentos adiados, outro empréstimo gratuito que o Estado faz às empresas, que talvez nunca venha a ser pago.
O Estado, outrora incapaz de se mobilizar por problemas públicos como a precariedade ou as alterações climáticas, mostra-se finalmente capaz de algo. Infelizmente, é apenas para tentar deixar tudo na mesma.