A Resposta dos EUA à Crise – 2 Biliões para Ficar Tudo na Mesma – João Reis

Os Estados Unidos da América preparam-se para lançar um plano massivo de estímulos na economia, conseguindo para já conter parcialmente o sentimento de pânico na sua economia. Este aposta numa forte intervenção na economia. Isto não representa qualquer viragem na forma como a economia americana opera, apenas uma necessidade temporária da agenda do lucro.

Cheques de 1.200 dólares para quem faz menos de 75.000 dólares ao ano, 500 extra por cada menor. 50 mil milhões para as transportadoras aéreas. Outros 367 mil milhões para empréstimos a pequenos negócios. Aumento do teto do subsídio de desemprego em 600 dólares por semana. 130 mil milhões para a indústria da saúde. Entre muitas outras medidas, isto faz parte do pacote de estímulos para a economia americana. Face à crise económica despertada pelo Covid-19 o establishment

Norte Americano não se fez tímido, e mostrou que leva os riscos de colapso a sério. Anunciado pelos senadores, é esperada em breve a aprovação pelas câmaras e pela presidência norte americana.

 Este é o plano de estímulos daquela América, a América de Trump. Aquela onde o governo supostamente não entra, onde supostamente os mercados privados ditam as regras. Cerca de 10 por cento do que é produzido num ano inteiro vai ser injetado na economia de uma assentada, dinheiro é colocado nas contas das pessoas mais pobres e subsídios de desemprego são expandidos. Noções de não intervencionismo na economia, onde supostamente basta deixar os mercados funcionar sem restrições, ou o monetarismo, que afirma bastar controlar a estabilidade dos bancos são rapidamente postas de parte. Mesmo não o admitindo explicitamente, os outrora não intervencionistas, vão se inspirar no Keynesianismo para se salvar as suas economias.

 Saltando dos Estados Unidos para Portugal, multiplicam-se os recém-convertidos à iniciativa estatal. Os outrora guerreiros empreendedores da Padaria Portuguesa escrevem cartas ao Ministro da Economia a exigir apoios, cronistas do Observador pedem um plano para resgatar a imprensa, e até a Iniciativa Liberal rasga as vestes contra a timidez do governo português em investir na economia.

 Esta atitude não corresponde a um sentido de comunidade revigorado pela crise do Coronavírus, ou por um repensar da economia dos cuidados por parte de Donald Trump. Corresponde sim à necessidade do capitalismo de se salvar a si próprio. A plasticidade entre doutrinas económicas conforme a necessidade do momento não é nova, o único fator constante é o manter a capacidade de gerar no lucro. Este pacote de propostas não parecer fugir a essa regra, sendo evidente a tentativa de tentar colocar o atual Business as Usual no congelador, para voltar a tirá-lo com toda a pujança quando as quarentenas deixarem de ser uma necessidade.

 

 Dr. Friedman e Mr. Keynes

 A fase do neoliberalismo, arrancada nos anos 70, não constitui um regresso ao liberalismo clássico do pré Primeira Guerra Mundial. A forma otimizada para gerar lucros por parte do capitalismo passa por uma reconfiguração constante. Em tempos de estabilidade, o estado receita mercados selvagens e benefícios aos mais ricos. Quando existe alguma instabilidade, enfatiza a política monetária, prioritizando a saúde dos bancos, e que a saúde destes seja a saúde da economia. Quando existe grande instabilidade o instrumento mais eficaz – gastos diretos na economia – passa a ser a política de eleição. Apesar de associado a ideias de justiça social, o Keynesianismo representa fundamentalmente a ideia que os gastos numa economia deprimida são a melhor forma de estimulá-la. Ou como anedoticamente sumarizado na frase “O governo devia pagar às pessoas para cavar buracos no chão, e depois para os encher”.

 Vejamos o caso dos Estados Unidos após os atentados terroristas do 11 de Setembro de 2001. Com o rebentar de uma bolha financeira, a bolha das dot com, a economia americana enfrentava ainda o desânimo generalizado face ao luto deixado pelos atentados terroristas. Qual a reação do executivo de Bush filho? Reforçar a administração lapidada nos anos anteriores? Finalmente construir um serviço nacional de saúde? Um plano de infraestruturas? A resposta foi a promoção de uma indústria de Segurança Interna. Câmaras de vigilância, análise biométrica, softwares de análise facial e qualidade de imagem, métodos sofisticados para processamento das novas bases de dados colossais – como chamadas telefónicas, e-mails e históricos de internet. Os gastos governamentais anuais neste setor praticamente duplicaram, passando a 270 mil milhões por parte do Pentágono e 42 mil milhões pelas agências secretas. Entre 2001 e 2006 o novo departamento de segurança interna gastou 130 milhões. Ataques terroristas deixaram de ser uma causa de pânico nas bolsas, passaram a ser recompensados com entusiasmo. A expetativa de novas encomendas securitárias passou a ser um ótimo negócio, com o valor em bolsa e as remunerações dos CEOs das empresas a galopar.

 A forma como os gastos se fazem é irrelevante quando apenas se pretende estimular a economia, quer sejam em hospitais, ou em drones assassinos. Relevante é se eles de fato chegam à economia. Keynes já achava curiosa a diferença de dinheiro extra no bolso de uma família rica e de uma família pobre. A primeira iria considerar com calma onde colocar o dinheiro, eventualmente poupá-lo. A segunda iria gastá-lo quase imediatamente, sendo assim uma política mais eficaz esse dinheiro chegar à família mais pobre, sob o propósito de estimular a economia.

 As políticas Keynesianas são peça fundamental para manter uma economia virada para o crescimento sem barreiras em funcionamento. Em tempos de estabilidade a negação do intervencionismo e a citação das virtudes dos mercados não intervencionados constituem apenas uma alavanca para impedir a resolução de outros problemas, quer sejam a crise climática, a precariedade laboral, patriarcado, ou quaisquer outros.

 

 Investir para deixar tudo na mesma

 O plano de estímulos do governo americano é massivo em termos de valor. Isto num mundo em que qualquer política social é confrontada com a pergunta: Quanto é que isso custa? O sentimento de crise é levado bem a sério quando a estrutura de todo capitalismo é colocada em jogo no muito curto prazo. Numa crise em que o futuro imediato do capitalismo é colocado em jogo, qualquer custo finito torna-se comportável. Já quando contrastamos com a crise climática – cuja resolução passa por uma ameaça imediata ao capitalismo – qualquer custo é colocado como incomportável.

 Começando por olhar para o resgate aos zombies da economia que se desmorona, os meios são muitos. A indústria da aviação, na linha da frente tanto em termos de contributo para a crise climática e do dano que sofre com a paragem da economia, recebe milhões de dólares. 50 para as transportadoras de passageiras, 8 para as transportadoras de mercadorias e 17 para empresas outras “importantes para a segurança nacional”. Os cruzeiros, outra grande fonte de emissões, também recebem ajudas face ao congelamento da atividade.

Milhões seguem para outras indústrias castigadas pela paragem da economia, como os restaurantes e os hotéis.

A medida que mais surpresa causa, tanto pela sua inovação como aparente generosidade é a entrega de 1.200 dólares a todos os indivíduos que recebam menos do que 75.000 dólares ao ano. Antes da simpatia, esta é uma medida eficaz, tanto a deixar tudo como estava antes da crise, como a estimular a economia. A relevância desta pode ser compartida em 3 fatores.

Em primeiro lugar esta contém o descontentamento das massas. Pessoas sem dinheiro não tendem a ser simpáticas para quem detém poder.

Em segundo, consegue estimular a economia sem qualquer mudança de fundo. Esta medida consegue deixar a economia numa pausa temporária, pronta para um eventual regresso à normalidade. Salta assim por cima de programas uma reconfiguração da economia, quer esta passe uma transição energética, ou uma nova política de saúde.

Em terceiro lugar, é eficiente em termos de estímulos à economia. Quase todo o dinheiro injetado na economia é um estímulo, mas nem todos os estímulos são iguais. No caso do dinheiro que é entregue, a rapidez é fulcral. Podemos assim imaginar dois cenários opostos. Primeiro, entregar dinheiro e ele ser imediatamente gasto. No outro extremo, após uma deliberação de 3 semanas ele ser colocado numa conta poupança, que por sua vez vai ser a entregue a um gestor de conta, que passadas mais 3 semanas irá empresta-la a uma empresa, que por sua vez apenas tem interesse em manter dinheiro em caixa para fazer face a eventuais adversidades. No segundo caso, a eficácia do estímulo é altamente reduzida, conseguindo apenas traduzir em gastos na economia real quando a crise for mais aguda. Com o esquema de cheques entregues pelo governo americano a rapidez é quase imbatível. Não existem nem formulários, nem tempos de aprovação. O dinheiro vai chegar às famílias mais carenciadas e afetadas pelos despedimentos, mais propícias a gastar assim que possível o dinheiro recebido, colocando-o então em velocidade recorde na economia.

Assim, a velocidade com que os estímulos chegam à economia é fator essencial num sucesso de um plano de estímulos, podendo quando mal executados ditar perdas de biliões à economia. A resposta ao plano de estímulos da Grande Recessão da década passada foi marcada por Stock Buybacks – na prática a empresa usa dinheiro que tem em caixa para pagar a acionistas, para estes deixarem de o ser, valorizando as restantes ações. Isto não só representa uma prática duvidosa, muitas vezes destinada a contornar impostos, como dificulta a chega de dinheiro à economia num período de estímulos. Dada a sua retenção em atividades financeiras, os gastos que seriam necessários acontecer na economia real demoram, tornando a capacidade de estímulo reduzida. Assim, o atual pacote Americano passa ainda por uma proibição temporária desta atividade.

Apenas uma dose de ingenuidade pode dar a entender o intervencionismo na economia que estará presente nos próximos tempos como uma guinada à esquerda por parte dos governos mundiais. A intervenção e planeamento sempre fizeram parte das ferramentas de quem quer perpetuar o lucro. Uma agenda que pretenda resolver os desafios existentes antes da crise do Coronavírus terá que passar por uma reconfiguração da economia com que se chegou a esta crise.

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