O que escrevo aqui é principalmente sobre a França, pois sou francesa, e foi mais fácil informar-me, sobretudo o que está acontecer aqui. No entanto tudo isso pode ser facilmente transposto a outros países.
Partimos para a pandemia do Coronavírus com uma sociedade desigual, e essa desigualdade é acentuada pela crise atual
A primeira desigualdade é evidente. Os mais privilegiados podem estar isolados num grande apartamento com muita luz, espaço pessoal confortável, uma boa conexão internet, ou muitas vezes podem dar-se ao luxo de se deslocar para habitações secundárias no campo ou na costa. Por outro lado, os outros podem estar confinados a um pequeno apartamento, solitário ou sobrelotado, com condições de higiene difíceis, impossibilidade de isolar se e poucos meios de distração. A resposta do governo a essas desigualdades passa por não ajudar as pessoas que não têm um espaço de quarentena decente, antes pelo contrário. Sair por razões que não são consideradas como essenciais é punido com elevadas sanções. Reflexo das desigualdades estruturais é até agora uma grande parte das multas terem sido passadas em bairros de classes baixas, onde a repressão policial é sempre mais vincada e as condições de quarentena são mais difíceis.
Têm-se também grandes desigualdades entre os empresários e trabalhadores, cabendo a decisão de fechar ou não as empresas aos primeiros. Ainda mais, os próprios empresários podem isoladamente optar por ficar a trabalhar em casa, enquanto os empregados dependem das decisões destes.
O poder das empresas reflete-se, mesmo quando se fala em direitos dos trabalhadores. Em França, os trabalhadores podem fazer valer o seu direito de retiro, e continuar a receber, caso as empresas não respeitem as medidas de segurança. O que poderia parecer bom acaba por prejudicar serviços essenciais com máscaras, luvas, gel desinfetante acabam por não chegar aos hospitais, onde são essenciais para salvar vidas. Esso foi a escolha da Airbus, que decidiu reabrir algumas das suas fábricas, considerando que construir aviões era mais importante que salvar vidas.
Como se não bastassem estas desigualdades, o executivo de Emmanuel Macron decidiu exacerba-las.
Foi votada na França a lei urgência coronavírus que permitindo declarar o “estado de emergência sanitária“ durante dois meses. Para além do facto de reduzir as liberdades fundamentais essa lei tem também incide sobre os direitos laborais.
Na prática, o governo poderá emitir decisões para flexibilizar o código de trabalho e “permitir às empresas dos sectores particularmente necessários à segurança da nação ou à continuidade da vida económica e social de abolir as regras de ordem público e as estipulações convencionais relativas à duração do trabalho, o descanso semanal e ao descanso”. Por enquanto ainda não se sabe quais vão ser as empresas que vão beneficiar desses direitos, mas essa formulação vaga poderia englobar praticamente todas as empresas.
O tempo de trabalho semanal legal vai poder passar de 35h semanais a até 48h e em alguns setores isso poderia ir até 60h, de forma a limitar a crise sanitária em curso e a crise económica que está perfilando-se. Os empresários vão poder obrigar os empregados a gastar alguns dos seus dias de descanso durante o confinamento, para não ter que pagar o subsídio de desemprego e limitar o investimento em equipamento de segurança.
O estado de emergência é declarado por dois meses, no entanto, essas medidas não têm ainda nenhum limite temporal e são pensadas para voltar depois dessa crise o mais rápido possível ao business as usual que beneficia sempre aos mesmo e destruir o planeta.