A TAP encontrava-se entre o colapso e a intervenção massiva do Estado, e o Governo seguiu a segunda opção. No entanto, torna-se claro que nesta pseudo-nacionalização a prioridade é coletivizar os prejuízos da empresa, sem qualquer critério além do lucro privado.
Até ao momento é claro quem tem tido prioridade na conversa do que deve ser a intervenção do Estado na TAP:
– David Neeleman, que depois de ver frustrada o negócio da aquisição da TAP em 2015 não tem hesitado em refugiar-se em cláusulas administrativas e nos tribunais para proteger os seus negócios;
– O executivo do PS, que se tem esforçado por salvar a face, depois de episódios como a vincada defesa do projeto do aeroporto no Montijo com o mundo já mergulhado numa pandemia global, e a apresentação da recuperação do “controlo estratégico” sobre a TAP em 2016 com a subida da posição do Estado no capital da empresa para 50%, mesmo deixando os privados com 86% dos direitos económicos;
– Os empresários do Porto, que consideram que a atividade da empresa não tem em consideração a sua região;
– Os credores da empresa e os acionistas, cujas preocupações são sempre atendidas prioritariamente;
– A Comissão Europeia, com as suas regras labirínticas de como um governo pode intervir ou não uma empresa;
– Os mitológicos liberais, que insistem num colapso desordenado.
E o que tem ficado relegado para preocupações de ordem menor? Os trabalhadores da empresa, contratados, subcontratados ou de empresas dependentes. Entre assistentes de bordo, handling, reparações, pilotos, administrativos comerciais, operadores de call-center, o leque é imenso. São a primeira linha dos lesados da TAP, sobre quem incide o processo de reestruturação, que certamente irá traduzir-se em algo entre a deterioração das condições de trabalho e o despedimento.
Também as comunidades que dependem da TAP para manter os seus laços comunitários – desde açorianos e madeirenses a residir no continente, cabo-verdianos que construíram as suas vidas em Portugal a comunidades de origem portuguesa em vários pontos do mundo – parecem estar no assento de trás. E dada a indústria do transporte aéreo ser responsável por 5% a 8% do aquecimento global, será redundante dizer que todo o planeta é afetado pelo futuro da TAP.
O futuro da TAP vai muito além das receitas e despesas futuras da empresa e de aviões. O futuro da TAP tem que fazer parte de uma visão de futuro para os transportes ancorada numa transição energética justa, da qual ainda não vimos ações governamentais concretas que correspondam à escala e urgência necessária.
Dado que o impacto climático do setor da aviação é drasticamente maior do que o das alternativas de transporte, as metas climáticas tornam imperativa um redução drástica do meio aéreo complementada por uma nova era de caminhos de ferro elétricos regionais, nacionais e internacionais.
Por onde começar? Mesmo longe do que seria suficiente, o Estado francês, que também se viu forçado a resgatar a Air France, impôs que rotas com alternativas de comboio abaixo das duas horas e meia sejam suprimidas, enquanto a Áustria proibiu a venda de bilhetes por menos de 40 euros. E no caso português?
Olhando para o caso de todo o aeroporto de Lisboa, quase 17% dos passageiros partem para destinos dentro da Península Ibérica. É difícil argumentar que estes não poderiam ser transportados por uma linha férrea moderna e capacitada. Qual o paradigma da linha férrea em Portugal? Um setor preterido por sucessivos governos, acrescentando aos episódios de desinteresse a recente suspensão sem data de regresso da ligação ferroviária entre Lisboa e Madrid.
A conversa sobre a transição energética justa que discuta a agenda de transportes tem que acontecer agora. Esta conversa tem que incluir os trabalhadores afetados pelo agora colapso da TAP, e uma parte muito relevante desta discussão implica os seus direitos e as possibilidades de serem incluídos numa agenda de transportes alargada.
Esta conversa tem que discutir que rotas são essenciais e insubstituíveis, que rotas têm que ser substituídas por uma política ferroviária coerente e capacitada e que rotas têm que desaparecer. Esta conversa não pode varrer para debaixo do tapete o papel colossal que o transporte aéreo tem na rota via ao caos climático.
A agenda do “business as usual”, dos negócios de sempre, levou a TAP a esta situação: uma empresa que já estava na corda bamba antes da Covid-19 esmagar o transporte aéreo, onde critérios sociais e climáticos são virtualmente inexistentes e que face às dificuldades, coloca os trabalhadores na linha da frente das consequências. Uma agenda para a TAP que coloque a justiça social e a justiça climática como prioridades precisa-se.
Artigo originalmente publicado no Jornal Económico a 06/07/2020.