Enfrentar a realidade: Tempos turbulentos para o movimento por Justiça Climática – Sinan Eden

Esta é uma avaliação pessoal sobre onde estamos, enquanto movimento por justiça climática, em comparação com o ano passado, quando escrevi uma peça semelhante. A maior parte da minha análise é focada em Portugal, mas algumas partes podem se aplicar no mínimo à Europa.


Este tem sido um longo ano com muitos altos e baixos, quer nacional, quer internacionalmente. Estou a escrever esta peça enquanto uma avaliação geral do ano inteiro, que começa com a primeira onda de mobilizações do By2020 We Rise Up em setembro de 2019, passando pela COP-26 em Madrid (novembro de 2019) e pelo World Economic Failure (janeiro de 2020, a segunda onda do By2020 We Rise Up), e que termina com as atividades que ocorreram durante o período pandémico da COVID-19, como o Galp Must Fall e o protesto “Resgatar o Futuro, Não o Lucro”.

Estamos a ganhar?

Não.

Em setembro de 2019, a campanha portuguesa “Empregos Para o Clima” lançou um plano para uma transição justa que consiste em 10 medidas que devemos ganhar dentro deste período legislativo para que tenhamos uma hipótese de evitar o caos climático. Não alcançámos nenhuma destas 10 medidas, nem nos aproximámos de qualquer perspetiva para as alcançar.

Estamos perto de ganhar?

Não.

A Greve Climática Global em setembro pôs 40 000 pessoas nas ruas de Portugal, das quais cerca de 300 se juntaram a um bloqueio de estrada em Lisboa. As mobilizações em massa necessárias para ganhar terão de ser provavelmente dez vezes maiores das que tivemos nos nossos melhores dias, o que significa que teremos de reinventar o nosso movimento várias vezes ao longo dos próximos anos.

Para além disto, nem sequer é claro que esse pico de mobilizações possa ser um ponto de referência para o contexto social pós-COVID-19.

Estamos mais perto de ganhar?

O ano passado, respondi a esta questão da seguinte forma: “Nunca estivemos tão perto de perder, e nunca estivemos tão perto de ganhar.” Este ano, tenho menos certezas.

Ao longo da pandemia, e depois dos protestos do Black Lives Matter, o movimento por justiça climática ganhou resiliência organizativa para lidar com situações complexas e stressantes, que envolvem desmobilização, paralisação do contexto social, e violência estatal acompanhada de milícia civil. Tivemos a “sorte” de pertencer a este processo “fora” do nosso campo de ação: o agravar da crise climática envolve uma falha nas infraestruturas, destabilização social, conflito e opressão; o nosso movimento deve estar preparado para lidar com uma continuidade de stress e incertezas. A crise na saúde pública e os movimentos antirracistas salientaram a que é que isto se pode assemelhar, numa situação em que o nosso movimento não foi o ator principal (foi, no melhor dos casos, aliado de profissionais de saúde e das comunidades racializadas).

Por outro lado, este processo também reduziu drasticamente a nossa capacidade.

É por isto que eu não sei se estamos mais perto de ganhar do que há um ano atrás.

Podemos relançar o momento de 2019?

Sim.

A crise da saúde pública está agora a desenrolar-se numa crise económica acompanhada de uma crise social. Até agora, a classe governante não parece ter um plano de ação coerente. Os desenvolvimentos mais recentes podem ter reduzido as nossas capacidades, mas também paralisaram, e continuam a paralisar, o poder governante.

Se conseguirmos consolidar as nossas fileiras rapidamente, o futuro próximo irá abrir-nos oportunidades que não conseguimos hoje imaginar.

O que está a faltar?

Em primeiro lugar, a tendência do movimento por justiça climática para falar sobre combustíveis fósseis e emissões é politicamente irrelevante neste momento e deve ser enquadrada num contexto mais amplo de crise.

Estamos agora nas condições certas para defender o trabalho essencial e serviços públicos num slogan abrangente que possa incluir os diversos efeitos das crises. O movimento por justiça climática sabe bem como falar sobre o que é essencial para as nossas sociedades: um planeta habitável é exatamente aquilo que temos vindo a falar durante anos.

Em segundo lugar, a COVID-19 tem sido um soco no estômago para todas as nossas sociedades e, em particular, para os nossos movimentos. A primeira resposta psicológica para o novo contexto foi relativizar o critério de sucesso: em vez de nos perguntarmos se tivemos sucesso, ativistas começaram a falar sobre se tiveram ou não sucesso tendo em conta o contexto. Isto é uma abordagem negacionista da crise climática. A pandemia não suspendeu os prazos climáticos. Não podemos culpar o nosso fracasso em transformar radicalmente as estruturas sociais numa coisa simultaneamente viva e morta, cujo diâmetro é de 0.00000012 m (120 nanómetros). Temos de voltar a dizer a verdade (para começar, entre nós) e aceitar o estado de emergência climática no qual continuamos a viver.

Uma proposta para um plano de ação a curto prazo

Planear é particularmente crucial em tempos de incertezas, visto que é a única ferramenta política para evitar um movimento descarrilado, degenerado, ou sem foco. Os planos para os próximos meses devem ter flexibilidade suficiente para acomodar diversos cenários imprevisíveis, mantendo ao mesmo tempo uma direção estratégica clara.

1. Marcar o tom

Ao longo do verão, sair à rua contra todas as políticas que têm o objetivo de estabelecer a normalização do caos climático.

Ampliar a narrativa para uma mudança sistémica. Criar liderança para um programa de serviços públicos e direitos básicos. Isto não é um mero enquadramento de movimento dos movimentos, onde toda a gente fala sobre o seu tópico: se a crise económica desencadear uma crise social, toda a gente tem de saber falar sobre todos os tópicos.

2. Outono: Mobilizações em massa

Com a narrativa de serviços públicos e direitos básicos, apelar para mobilizações em massa no outono. Diversificar táticas e alvos para testar possíveis falhas no status quo.

3. Novembro: Estabelecer o compromisso do movimento

Em novembro, lançar o Acordo de Glasgow para recuperar a iniciativa dos governos e das instituições internacionais, bem como para criar uma ferramenta de ação e articulação alternativa para o movimento por justiça climática.

4. Recrutamento e planeamento: dezembro/janeiro

Consolidar as nossas capacidades organizando treinos de ativistas a diferentes níveis: escolas em ativismo climático para as pessoas recém-chegadas, treinos sobre estratégia para as menos experientes, e partilha de competências para todas.

Ter reuniões de estratégia baseadas na construção de confiança entre ativistas. Explorar e estabelecer planos para lançar no Encontro Nacional pela Justiça Climática.

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