Uma investigação por parte da Investigate Europe – equipa multinacional de jornalistas europeus – veio evidenciar o papel massivo que os Estados têm a moldar as economias assentes em combustíveis fósseis. Pelo menos 137 mil milhões de euros são canalizados por 30 Estados europeus – UE27 mais Noruega, Suíça e Reino Unido – para o setor fóssil.
Uma das formas desta subsidiação é a quase nulidade de impostos pagos pelo transporte aéreo, e o relatório do ano passado da Comissão Europeia – “Taxes in the Field of Aviation and their impact” – traz luz sobre o assunto, tanto sobre o panorama da União Europeia, como do caso português.
Comecemos pelo imposto sobre a tarifa, isto é, uma taxa fixa aplicada a cada bilhete. No caso português este imposto é nulo e, embora não sendo o único país onde tal acontece, podemos encontrar vários exemplos onde este não representa valores insignificantes. Por exemplo, um bilhete a partir do Reino Unido tem uma taxa fixa de 43,83 euros, de França 9,53 euros, de Itália 19,56 euros e da Alemanha 13,69 euros.
Em seguida, no caso do IVA, para os voos domésticos, encontramos vários casos onde é aplicada a taxa máxima, a Alemanha com taxa de 19%, a Grécia 24%, a Hungria 27% e a Roménia 19%. Em vários países aplica-se uma taxa de IVA intermédia, como a Lituânia com 9% e Itália e Espanha com 10%. Já Portugal encontra-se nos países onde a taxa mínima de 6% é cobrada, juntando-se a países como a Suécia, também com 6%. Ou seja, uma viagem aérea entre Lisboa e Porto conta com a mesma taxa de IVA que, por exemplo, uma cenoura, uma cadeirinha para bebé ou vários medicamentos.
Parece mau? Fica pior, pois o IVA apenas se aplica a voos domésticos. No caso de voos para fora do país de origem, a linha seguida pela maioria dos países Europeus – Portugal inclusive – é a isenção de pagamento de taxa. Seguindo a lógica de que se trata de uma operação internacional, não ocorrendo em qualquer território, nenhum país está intitulado a receber imposto pelo voo e, portanto, uma viagem de avião é isenta de IVA. Regras que convenientemente conseguem beneficiar os do costume.
Já o combustível que os aviões consomem tende a ser sujeito a impostos por este mundo fora, em virtude das emissões dos gases com efeito de estufa que estes geram. Este imposto tem uma taxa estimada de 7% no Canadá, 175% em Hong Kong, 34% no Japão, 6% na Austrália e até nos Estados Unidos se aplica uma taxa de 9%. E qual a taxação deste imposto nos países que fazem parte da União Europeia? Zero por cento.
Como seria de esperar, a esmagadora maioria dos veículos privados como os automóveis são sujeitos a diversos impostos face ao seu papel poluidor. Já no caso da aviação, acumula-se mais um privilégio.
Por fim, a taxa sobre o ruído. Uma taxa que tende a ser aplicada como compensação do ruído gerado pela aviação, em que os aviões mais ruidosos ou a operar fora do período diurno tendem a pagar mais. Estas taxas existem em países como a Bélgica, a Dinamarca, a França, a Alemanha, a Espanha, o Reino Unido, a Suíça, a Austrália e o Japão. E em Portugal? Simplesmente, não existem compensações pelo ruído gerado.
Tudo somado, a Europa é uma fonte de borlas ao setor da aviação, com Portugal a posicionar-se na linha da frente daqueles que mais benesses dão ao setor aéreo.
Não foi com a nacionalização da TAP nem com o lançamento do projeto do aeroporto no Montijo que se inaugurou a prática de subsidiar o setor da aviação. Este setor tem um longo legado de subsídios, de formas mais e menos diretas. Esta é uma indústria cuja dimensão assenta sobre os recursos públicos. A nacionalização da TAP traz ao de cima a questão relevante do que deve ser a aviação e qual o género de intervenção pública que deve existir.
A necessidade de reduzir drasticamente as emissões de gases com efeito de estufa e de assegurar os direitos de quem até agora trabalhou no setor exige uma ordem de prioridades diferente, que coloque o verdadeiro interesse público na agenda de transportes. Até ao momento, o Governo está empenhado em continuar com o registo a que estamos habituados, o da subsidiação dos interesses negociais, pelas vias diretas e indiretas.
Artigo originalmente publicado na Jornal Económico a 31/08/2020.