Artigo originalmente publicado na Tribute Magazine a 19/12/2020 por Sam Knights.
As relações entre ambientalistas e socialistas têm sido ocasionalmente tensas – mas para a luta contra o caos climático ser ganha, teremos de trabalhar em conjunto.
Nos últimos 10 anos, movimentos de massas têm moldado o nosso panorama político e cultural. Tem havido mais movimentos de massas a exigir mudanças radicais do que em qualquer outra altura desde a Segunda Grande Guerra. Por vezes, parece que estamos a entrar numa nova era de protestos. Eis quando, no início deste ano, o surto de um vírus mortal obrigou a uma pausa sem precedentes na história da agitação social.
A pandemia veio atrasar a tendência para políticas mais radicais, mas não as travou por completo. No ano passado, houve uma proliferação de redes de ajuda mútua e os muitos movimentos sociais encontraram formas inovadoras para continuar a sua actividade política em modo online. Outros movimentos surgiram para fazer frente aos temas mais urgentes da actualidade. Em Espanha, centenas de famílias recusam-se a pagar a renda. Na Polónia, milhares de mulheres estão em greve na luta pelo direito ao aborto. Nos Estados Unidos da América, o homicídio de George Floyd despoletou uma onda de protestos à escala global pela justiça racial e económica.
Seria expectável que, considerando a escala da crise climática, os movimentos ambientalistas estivessem numa posição semelhante. Mas na Grã-Bretanha, pelo menos, a resposta tem sido muito lenta. Tem havido, ocasionalmente, alguns comícios online e esporadicamente um seminário ou painel de discussão. Na melhor das hipóteses, estes eventos tornaram a política mais acessível e facilitaram o início de conversas realmente importantes. Na pior, acentuaram o quão díspar e ineficaz se tornou a nossa capacidade organizativa. Houve algumas tentativas genuínas para criar mudanças, mas, de um modo geral, estas nunca chegaram a arrancar ou estavam destinadas ao fracasso desde o início; por exemplo, a campanha “build back better” (“reconstruir melhor”) é actualmente um slogan utilizado repetidamente por Boris Johnson e pelo Partido Conservador.
Não houve muitas tentativas de mobilizações em massa durante este ano, e por uma boa razão. A excepção óbvia é a Extinction Rebellion (Rebelião Contra a Extinção), que organizou uma semana de protestos em Setembro. Estes protestos, que já haviam atraído milhares de pessoas, desta vez apenas tiveram a participação de algumas centenas e receberam pouca ou nenhuma atenção da imprensa. A organização apercebeu-se, assim, que o foco tinha que mudar para acções mais pequenas e mais direccionadas. Numa acção particularmente arrojada, activistas bloquearam a estrada de acesso a uma grande tipografia, impedindo que o The Sun, The Daily Mail, The Times e o The Daily Telegraph chegassem às lojas. Foi uma acção corajosa, pela qual o movimento será sem dúvida punido.
Contudo, quando falamos com as pessoas da organização, há outra história que começa a surgir. A Extinction Rebellion já estava a perder o apoio do público muito antes da pandemia. Muitos activistas estavam à beira de um esgotamento, o movimento estava a ficar sem dinheiro e não havia uma estratégia coerente no horizonte. Estava na altura de dizermos em público o que muitas pessoas já diziam em privado: o movimento climático está a ficar sem ideias. A energia está a dissipar-se. O movimento está a fragmentar-se. Os dias idílicos do Verão passado parecem agora estar muito mais distantes.
Os movimentos sociais tendem a funcionar por ciclos. Existem anos de acção e anos de inacção. Momentos de sucesso e períodos de fracasso. Obviamente que para muitos activistas o objectivo final é criar movimentos que perdurem. Mas isso é não é uma tarefa fácil de concretizar. Mesmo nos poucos movimentos que duram mais do que um ou dois anos, conseguimos observar altos e baixos na sua actividade. Outros movimentos falham antes sequer de começarem. Alguns passam por períodos de burocratização enquanto outros simplesmente falham em manter-se relevantes. Frequentemente, há anos onde simplesmente nada acontece.
Não podemos dar-nos ao luxo de deixar que isso aconteça agora. Quer te identifiques ou não com o movimento climático, a ciência é clara. Estamos à beira do precipício da catástrofe. Os próximos anos serão, sem dúvida, os mais importantes na luta pela justiça climática e ecológica. Por isso mesmo, temos de acelerar o ciclo de vida do movimento climático e garantir que a pandemia não trava as acções radicais.
Há milhões de pessoas que estão receptivas a esta mensagem. Ao contrário da opinião popular, a maior parte das pessoas tem uma compreensão bastante boa desta crise. As pessoas sabem, no seu âmago, que a crise climática é o produto de um sistema perigoso e mortal. Elas vivem com as consequências do capitalismo e estão dolorosamente conscientes das suas deficiências. Um dos erros que os activistas cometem muitas vezes é esquecerem-se da perspicácia e inteligência da maioria das pessoas. Elas querem uma resposta radical para a crise climática. Elas sabem que reciclar não é o suficiente. Elas também estão a exigir que sejam feitas alterações reais, mas têm que ser mudanças nas quais acreditam.
É aqui que a Esquerda tem um papel importante a desempenhar. Ao contrário dos movimentos climáticos convencionais, a Esquerda tem uma análise muito coerente do capitalismo e compreende o deve acontecer a seguir. Em boa verdade, muitas das soluções necessárias para lidar com as alterações climáticas foram, durante muito tempo, conceptualizadas e desenvolvidas pela Esquerda. Se a Esquerda e os movimentos climáticos começarem a trabalhar juntos, então a verdadeira mudança poderá mesmo ser possível.
Um Ano de Movimento Climático
Há dois anos o mundo mudou. Na Grã-Bretanha tínhamos acabado de passar pelo Verão mais quente que há registo. Nós vimos a relva a morrer, as colheitas a falharem e os cursos de água a secar, e, no momento em que as pessoas se interrogavam sobre o que estava a acontecer, o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas publicou o Relatório Especial sobre o Aquecimento Global de 1,5ºC.
Este relatório histórico veio avisar que, manter o aquecimento global num nível seguro requere “mudanças rápidas, abrangentes e sem precedentes em todos os aspectos da sociedade”. Por outras palavras, os melhores cientistas do mundo deram-nos uma escolha clara: nós podemos escolher o horror insuportável do colapso climático e ecológico, ou podemos escolher fazer alguma coisa em relação a isso. Democratizar a nossa sociedade, descarbonizar a nossa economia e desmantelar os sistemas falhados que alimentam estas crises.
No mundo ocidental, as pessoas começaram finalmente a acordar. Elas marcharam pelas ruas das cidades, bloquearam estradas, fecharam edifícios e exigiram uma mudança no sistema. Em Londres, a Extinction Rebellion organizou uma das maiores campanhas de desobediência civil não-violenta da história. Mais de mil pessoas foram presas durante os onze dias de rebelião. A Extinction Rebellion tinha feito o seu primeiro protesto no Outono do ano anterior; agora, apenas seis meses mais tarde, o Reino Unido tornou-se o primeiro país do mundo a declarar emergência climática.
É sempre difícil medir o sucesso de um protesto, mas houve uma sensação evidente que algo estava a mudar. Para nós que estivemos lá, foi como viver no olho de um tornado. No ano anterior, eu tinha-me demitido e comecei a trabalhar com voluntário a tempo inteiro. Seis meses mais tarde, eu estava a coordenar a estratégia política da primeira rebelião. Quando sai, escrevi uma carta para o movimento onde disse publicamente o que muitos de nós estávamos a discutir em privado à meses: A Extinction Rebellion tem de mudar ou vai morrer. Tinham que ser feitas muitas mudanças num espaço de tempo muito curto.
A carta foi lida e partilhada milhares de vezes e eu pensei, ingenuamente, que isso levaria a uma mudança estratégica. No mínimo, pensei que podia dar início a uma conversa muito importante. Infelizmente, a Extinction Rebellion não mudou. O núcleo duro resistiu ao apelo para uma quarta reivindicação de justiça climática, apesar de ser evidente que a maioria dos seus activistas a apoiavam; além disso, acções controversas estavam a distrair o movimento das discussões estratégicas mais importantes. A ausência de democracia interna fez com que o movimento se tornasse cada vez mais dividido e conflituoso.
Hoje em dia, a Extinction Rebellion está a falhar em dizer a verdade sobre as alterações climáticas. Recusa-se, teimosamente, em admitir que o capitalismo está a alimentar a crise climática ou a sugerir soluções reais para a sua resolução. O movimento não tem uma estratégia coerente nem uma estrutura democrática que permita o aparecimento de uma nova estratégia. Está a lutar com o peso da sua própria história, e nem sequer tem dois anos de actividade.
A Resposta da Esquerda
Uma pessoa poderia presumir que a Esquerda é a plataforma perfeita para responder. Independentemente de os movimentos que existem neste momento se adaptarem ou morrerem, devíamos estar a criar um novo movimento de esquerda climática. Mas, novamente, isso requer uma análise honesta da situação.
Nós tivemos sorte no ano passado. Os movimentos climáticos e trabalhistas conseguiram trabalhar em conjunto nos momentos mais significativos. Uma das maiores conquistas da Extinction Rebellion foi criar as condições sociais necessárias para o Green New Deal ser promovido nos principais meios de comunicação social, de uma forma tão intensa e vociferante. Vezes e vezes sem conta, o movimento climático promoveu algo e o Partido Trabalhista ajudou a concretizá-lo.
Infelizmente, este momento de unidade não foi duradouro. O Partido Trabalhista perdeu nas últimas eleições e agora tem um novo líder e uma nova estratégia eleitoral. Os seus comentários recentes sobre os protestos do movimento “Black Lives Matter” (Vidas Negras Contam), mostram-nos que já não estamos a lidar com uma liderança que percebe os movimentos sociais, estando ainda menos preparada para lhes ceder terreno. Keir Stramer prometeu, em tempos, defender o Green New Deal – mas agora parece que está a fugir dele o mais depressa que pode.
No início, eu cheguei a acreditar que Ed Miliband iria tentar construir algo a partir das políticas climáticas do seu predecessor. Ele é um político com muita experiência, que tem muito menos a perder do que muitos dos seus colegas, mas o seu relatório mais recente sobre Economia Verde para a Recuperação deixa muito a desejar. Dilui muitos dos pilares do Green New Deal e posiciona o Partido Trabalhista como um partido do capitalismo verde. Talvez Miliband acredite que podem ganhar tempo até às próximas eleições, enquanto prepara o terreno para uma visão mais radical do futuro; se isso for verdade, é uma abordagem perigosa, que subestima a escala da crise.
Por isso mesmo, podemos vir a acabar com uma versão do Green New Deal que não está assente nos princípios de igualdade e justiça, mas que replica a mentalidade venenosa e extractivista do neoliberalismo. Mas ainda há esperança. Começa a emergir uma geração mais nova de socialistas com uma visão muito diferente da política. Ao contrário do poder instituído, estes activistas compreendem a gravidade da crise climática e estão preparados para fazer tomadas de posição audazes para a enfrentar.
O Partido Trabalhista ainda é uma facção importante na luta, mas já não nos podemos dar ao luxo de nos associar exclusivamente a um único projecto político. Agora, também nós temos de olhar para fora dos seus limites e perceber que mudanças sociais radicais têm que acontecer em todas as camadas da sociedade. Isto significa que temos de nos envolver mais seriamente nos movimentos políticos de massa e desenvolver uma forma de desobediência civil que seja melhor e flexível.
A primeira resposta da Esquerda à Extinction Rebellion foi contraprodutiva. Activistas climáticos organizaram uma das maiores campanhas de desobediência civil da história, e em vez de se envolverem com eles e ajudá-los na mudança, as pessoas simplesmente ficaram de lado a criticar. Caso a Esquerda se tivesse genuinamente envolvido com o movimento, agora poderíamos estar numa posição muito diferente. Afinal, a Extinction Rebellion é um movimento social, não um grupo de propaganda hierárquico. É composto por milhares de pessoas em mais de sessenta países, cada uma com a sua experiência individual e compreensão do mundo. Movimentos de massa estão sempre cheios de contradições e conseguir identificá-las não é tão impressionante como se poderia pensar. Todos nós conseguimos ver os problemas. A questão importante é como é que eles vão mudar.
Existem, como é óbvio, vários bons motivos pelos quais as pessoas não participam em desobediência civil. A estratégia de detenção da Extinction Rebellion foi mal articulada e alienou muitas pessoas que, de outra maneira, se poderiam ter envolvido. Contudo, tácticas de acção directa não são motivadoras para os ricos: foram criadas pelos pobres e oprimidos. Elas são uma parte essencial das lutas trabalhistas, pelos direitos civis e anti-imperialistas, e continuam a ser relevantes hoje em dia. Se vamos enfrentar o capital organizado, temos de usar todas as ferramentas à nossa disposição.
A Esquerda tem de conseguir casar políticas radicais com estratégias radicais. Durante muito tempo, a Esquerda ambientalista foi dominada por activistas profissionais de organizações do sector terciário. A sua organização é limitada pelas ambições tímidas dos grupos para os quais eles trabalham e, nas raras ocasiões em que tentam envolver o público geral, as suas campanhas focam-se em tácticas ineficazes, como escrever cartas ou fazer petições. Entretanto, a maioria dos grupos activistas luta para tentar atrair qualquer tipo de atenção. Enquanto os apelos à justiça climática e ecológica são seguidos e partilhados milhares de vezes online, a maior parte dos grupos de justiça climática esforçam-se para conseguir ter mais de cinquenta ou sessenta pessoas nos seus protestos.
Nós podemos, e devemos, desenvolver novas formas de acção directa que empoderem a classe trabalhadora. Temos de desenvolver formas de protesto para atingir directamente as empresas que são responsáveis por alimentar esta crise – a indústria dos combustíveis fósseis e os bancos. Temos de apoiar as lutas de libertação por todo o mundo, modelar novas formas de democracia directa e levar as pessoas à rua. Isto significa mobilizações em massa. Significa desobediência civil. Significa acção directa. Significa criar confusões. Significa construir a alternativa e mostrar às pessoas o quão maravilhosa ela pode ser. Se a Esquerda continuar a ser relevante dentro do movimento climático, então temos de construir movimentos que enfrentem e assumam o poder.
Temos de ser Políticos
A crise climática é uma crise complexa, e seria errado da nossa parte assumir que um dos lados tem todas as respostas. Ainda há muitas coisas que nós não conhecemos nem compreendemos, e há demasiadas variáveis para termos certezas em relação a alguma coisa. Em boa verdade, há também uma grande parte do movimento climático que não tem qualquer envolvimento político sequer, preferindo evitar o tema por completo. Tratam com desdém todos os partidos, especialmente o Partido Trabalhista, que já os desapontou tantas vezes no passado. Muitos activistas climáticos também não conseguiram perceber que o Partido Trabalhista mudou drasticamente durante a liderança de Jeremy Corbyn.
Um dos meus passatempos mais mórbidos e deprimentes é perguntar a amigos meus no movimento climático, o que é que eles gostariam de ter visto no manifesto do Partido Trabalhista, mas que não está lá. Normalmente, não apresentam nenhuma política concreta e ficam genuinamente surpreendidos com tudo o que está no manifesto. Então porque é que, durante a campanha eleitoral, activistas se vestiram de zangões gigantes e se colaram ao autocarro de campanha do Partido Trabalhista? Foi mesmo no melhor interesse do movimento climático atingir o partido com as políticas climáticas mais radicais da Europa?
Nunca mais podemos voltar a cometer o mesmo erro e não nos devemos enganar em relação à imensidão desta tarefa. Quando a Extinction Rebellion apareceu, muitos activistas experientes sentiram-se, e com razão, frustrados. As políticas do movimento eram muito confusas. A estratégia de detenção era fracturante. A sua visão parecia não existir. Muitos do núcleo duro recusavam-se a falar sobre classe, raça, ou igualdade. Parecia, certamente, que já tínhamos ultrapassado isto.
Contudo, é importante relembrar que lutar as mesmas batalhas e ter as mesmas conversas, são aspectos fundamentais de qualquer democracia em funcionamento. Um activismo eficiente depende de políticas de educação eficientes e, para termos políticas educacionais eficientes, precisamos de criar espaços e estruturas para partilhar conhecimento. Nós vamos ter sempre de ter estas conversas. Quanto mais depressa nos habituarmos a isso, melhor.
O antigo movimento climático costumava dizer “não estamos à esquerda, não estamos à direita, estamos na linha da frente”. O movimento climático moderno, de igual maneira, tenta classificar-se como “apolítico” ou “para além da política”. Na melhor das hipóteses, estes slogans são estrategicamente ingénuos; na pior, ideologicamente prejudiciais. Ao travar o movimento e a evitar que sejam debatidas ideias genuinamente radicais, estamos a prestar um péssimo serviço tanto às nossas políticas como às pessoas a quem queremos chegar.
Se vamos enfrentar a emergência climática e ecológica, então temos de fazer a transição para um sistema económico diferente. O movimento climático tem de aceitar isto. Tem de parar de mentir sobre as suas políticas. Saral Sarkar descreveu-o da melhor maneira, há muitos anos, quando escreveu que qualquer versão de uma utopia ecológica “tem tantos elementos dos ideiais socialistas, que seria o mesmo que mentir se não lhe chamar eco-socialismo”.
Não existem atalhos para a revolução. Não podemos enganar nem disfarçar o nosso caminho até ao sucesso. Muito pelo contrário, qualquer tentativa séria de enfrentar a emergência climática e ecológica anda de mão dada com tentar alargar e reformar a nossa danificada democracia. Da mesma maneira, não podemos enfrentar a emergência climática e ecológica sem enfrentar as crises do capitalismo e do colonialismo. Estas crises não são apenas uma parte da emergência; elas são a emergência. É absurdo fingir que não.
Um Novo Conjunto de Exigências
As três exigências da Extinction Rebellion foram uma boa ferramenta no início da campanha; elas eram ambíguas o suficiente para serem apelativas a muitas pessoas e foram uma estratégia eficaz para mobilização de massas. Mas o mundo muda rapidamente. O que pareceu radical na altura, hoje em dia é fraco e pouco ambicioso. Isto não é por terem falhado, mas por terem tido tanto sucesso.
No ano passado, o Reino Unido tornou-se o primeiro país do mundo a declarar emergência climática. Isto cumpriu a primeira exigência da Extinction Rebellion. Uma semana depois, os deputados parlamentares anunciaram a criação de uma assembleia de cidadãos para as alterações climáticas. Isto cumpriu outra. Contudo, em vez de saudar estes desenvolvimentos, a Extinction Rebellion tentou minimizá-los activamente. Muitos activistas acreditavam que reconhecer o seu sucesso comprometia a aplicação de desobediência civil. Em boa verdade, faz o contrário. Trava a mudança. Em vez disso, devíamos reconhecer os nossos sucessos e passar à fase seguinte do plano estratégico.
Eu acredito que é vital aparecer um movimento novo para continuar esta discussão. Este movimento novo deve ter exigências novas sobre indemnizações, redistribuição de riqueza e direitos dos imigrantes. Deve apelar a uma semana de trabalho mais curta e ao reforço dos direitos das organizações sindicais. Deve adoptar políticas concretas para indiciar poluidores, descarbonizar a economia e revolucionar a democracia. Deve criar um plano para mudanças radicais no sistema e tomar medidas radicais para esse efeito.
Esperança Prática
No último dia da Rebelião de Abril, Banksy pintou um pequeno mural em Marble Arch. Este retrata uma jovem rapariga a usar um hijab. Ela está a plantar um viveiro, e atrás dela estão as palavras: “a partir deste momento, o desespero termina e começam as tácticas”. A citação vem do radical belga Raoul Vaneigem, no seu livro “A Revolução do Dia-a-Dia”. Ele sugere que a esperança é uma questão de estratégia. Ou, parafraseando Raymond Williams, para se ser verdadeiramente radical é preciso tornar “a esperança em algo prático” em vez de “desespero convincente”.
Todas as questões estratégicas são, em última análise, uma questão sobre esperança. São perguntas que muitos de nós nos movimentos climáticos estamos, dolorosamente, habituados a responder. A pergunta que nos é feita mais vezes não tem nada a ver com pontos críticos ou objectivos climáticos; a única coisa que as pessoas querem saber é se ainda temos esperança. E se a temos, elas querem saber como.
Muitas vezes acho estes debates aborrecidos. Perguntas sobre esperança e alterações climáticas estão quase sempre agarradas a tentativas de minimizar a gravidade da crise e oferecem optimismos falsos que legitimam a inacção. Eu não quero partilhar as minhas esperanças com toda a gente. A minha esperança não é para os banqueiros nem para os políticos. Eles não têm o direito de me tirar a minha esperança, a extrai-la e usarem-na para proveito próprio.
A esperança é uma coisa estranha, apesar de tudo. Muitos grandes poetas têm tentado definir esperança ao longo dos anos. Emily Dickinson chamou-lhe, celebremente, “a coisa com penas”. Para John Keats, era o “bálsamo etéreo”. Para Emily Brontë, era o “amigo tímido”. Para Carl Sandburg, era a “bandeira esfarrapada”, o “sonho do tempo”, as “colinas azuis para além do fumo das fundições”. A esperança é notoriamente uma emoção fugidia. Tem significados diferentes para pessoas diferentes. Consegue, de alguma maneira, desafiar a sua categorização.
Muitas mentes brilhantes não conseguiram definir esperança. Ainda assim, como activistas, somos constantemente forçados a lidar com esta questão e a chegar a uma resposta satisfatória. No ano passado, eu achei isso bastante fácil. O movimento climático estava em ascensão e os socialistas controlavam o Partido Trabalhista. Hoje em dia, considero-a uma questão muito mais delicada.
Espero que, nos próximos anos, sejamos capazes de construir um movimento climático de Esquerda. Espero que sejamos capazes de criar ligações à Esquerda que fortaleçam e solidifiquem o nosso movimento. Espero que sejamos capazes de criar espaços onde podemos ser ouvidos e aprender uns com os outros. Espero que coloquemos a democracia e a justiça no cerne de tudo o que fazemos. Também sei que nada disto vai simplesmente acontecer. Tem de ser construído em conjunto.
Sobre o Autor
Sam é um actor, escritor e activista que ajudou a criar a Extinction Rebellion. É membro do Partido Trabalhista e da Campanha para os Direitos Humanos do Partido Trabalhista.