Por uma política monetária sem fósseis – João Reis

Na sequência da crise económica desencadeada pela Covid-19, os principais bancos centrais a nível mundial enveredaram por uma política monetária com poucos precedentes. O Banco Central Europeu (BCE) não é exceção, e os números são expressão deste novo ativismo.

Em dezembro, o programa de compras de ativos financeiros PEPP – Pandemic Emergency Purchase Pogramme chegou a um total de 1,85 biliões de euros. Ao longo do ano, foi lançando um volumoso programa de financiamentos de emergência à banca comercial, com maturidades até três anos. Assim, a quantia de euros “criada” para colocar na economia foi colossal, e o reflexo disto é o balanço do BCE.

Tudo somado, o balanço do BCE subiu em quase 2,5 biliões de euros ao longo do ano de 2020, atingindo os 7 biliões, 69% do PIB anual da zona euro. Para efeitos de comparação, em 2010 valor do balanço encontrava-se em cerca de 2 biliões. Após vários anos com tendência de aumentos, o ano de 2020 trouxe uma subida quase sem precedentes.

 

Tendo em conta o prolongamento da crise económica resultante da Covid-19, a injeção de fundos não deverá ficar por aqui. Julgando pela experiência dos pacotes de estímulos dos anos anteriores, este dinheiro não deverá ser retirado da economia “real” tão cedo, e os atores políticos contam que esta dure mais tempo.

A quebra económica teve poucos precedentes, e o ativismo do BCE acompanhou-a. Assim, conseguiu-se para já defletir um colapso nos preços dos ativos financeiros e uma onda de insolvências por toda a economia, possibilitando políticas como as moratórias ao crédito.

A política massiva do BCE foi eficaz a impedir o aparato económico de se estilhaçar, no entanto, vivemos num tempo em que uma parte do aparato económico deve ser desmantelado e substituído. O setor da energia ligado às emissões de gases com efeito de estufa tem de passar à história, e a produção de energia por fontes renováveis tem de tomar o seu lugar.

Com as emissões de gases com efeito de estufa a apresentar sucessivos aumentos – só interrompidos pelas crises económicas – as concentrações destes na atmosfera deixam-nos poucos anos para reconverter as formas como produzimos (e consumimos) energia. Um sistema energético alimentado por energias renováveis, acompanhado de um paradigma diferente em setores como os transportes, agricultura e floresta é crucial para evitar o colapso das condições de habitabilidade do planeta.

Não seria difícil conceber um cenário em que a política do BCE tivesse canalizado os recentes fundos em quantias massivas não só para impedir o colapso generalizado da economia, como também para realizar a transição energética necessária.

No entanto, essa possibilidade esbarraria com o que é a atuação do BCE ao longo dos anos – os programas de estímulos através de compras de ativos a privilegiarem setores fósseis. Junta-se a isso a impossibilidade de a política monetária só por si ser capaz de subverter o apoio já dado pelos governos às indústrias fósseis. Ao longo dos anos às indústrias fósseis foram erguidas pelos governos, e os próprios programas de estímulos fiscais dos últimos meses certificaram-se que setores altamente poluentes se mantêm de pé.

Uma transição energética terá de passar por programas holísticos dos Estados, abordando as várias fases de produção e utilização de energia, algo além daquilo que um banco central pode fazer isoladamente através de ajustes cirúrgicos na sua política.

Fechar uma central de energia com fontes fósseis e construir no seu lugar uma baseada em fontes renováveis é uma tarefa que tem de ser empreendida pelos Estados. O apoio da política monetária surgirá depois disso.

Os programas de transição energética serão sempre dispendiosos. As possibilidades de atuação dos bancos centrais trazidas ao de cima recentemente, conjugadas com o contexto de depressão económica em que vivemos, abrem o espaço para estes apoiarem planos massivos e cruciais dos governos para efetuar a transição energética.

Durante estes meses, quantidades enormes de dinheiro passaram ao lado de (ou jogaram mesmo contra) uma transição energética. Isto constitui uma derrota para preservar um planeta habitável. O tempo para fazer uma transição energética é limitado e as oportunidades para a fazer vão escasseando. Não sobrarão muitas mais oportunidades para nos depararmos com uma derrota esmagadora e definitiva.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Facebook
Twitter
Instagram
RSS
Flickr
Vimeo
Climáximo