O mercado não vai salvar-nos. Precisamos de cooperação internacional para travar a crise climática – Sinan Eden

As políticas climáticas pelo mundo inteiro têm sido focadas na procura e nunca na oferta. A causa disto é o neoliberalismo, que diz que os governos não podem decidir sobre a produção (aliás, ninguém pode) e que os mercados são o decisor supremo de tudo. A consequência é uma desresponsabilização completa dos governos e das empresas multinacionais.

Nós sabemos que as infra-estruturas existentes de combustíveis fósseis já ultrapassam o orçamento de carbono para 1,5ºC de aquecimento. Isto significa que não pode haver qualquer novo investimento, qualquer novo projeto, em qualquer parte do mundo, e que devemos ter planos para fechar as infra-estruturas em funcionamento. Contudo, a indústria petrolífera planeia um aumento de produção.

O Mercado

Os mercados falham em duas formas: deliberadamente e estruturalmente.

O fracasso deliberado é provocado pelos subsídios aos combustíveis fósseis pois a indústria goza de 400 mil milhões de dólares de subsídios por ano em formas de incentivos directos, isenções de impostos, e subsídios ao consumo. Isto é dobro dos subsídios destinados às energias renováveis e implica uma distorção intencional aos mecanismos do mercado.

O fracasso estrutural é provocado pela própria essência do capitalismo onde o lucro, implícita e explicitamente, torna invisíveis todos os outros aspectos sociais ou ambientais: as chamadas externalidades.

Mas há mais! Por razões “económicas”, não temos informação sobre as reservas reais de combustíveis fósseis. Não estou a dizer que não existe informação clara e organizada. Estou a dizer que a informação é confidencial e que, de todo, não lhe temos acesso. E não estou a dizer que apenas nós, as pessoas, não temos acesso à informação. Estou a dizer que nem os governos têm acesso a esta informação.

Estes fracassos são quantificáveis, na verdade, no conceito dos activos encalhados (stranded assets), que são produtos financeiros que não podem ser realizados no mercado se limitarmos as emissões de acordo com a ciência climática, os quais valem, neste momento, uns gigantescos 2 biliões de dólares.

As Empresas

A indústria de combustíveis fósseis não só define e beneficia das políticas públicas mas também as condiciona intencionalmente.

Por um lado, porque segue uma estratégia coordenada de aumento da procura que inclui a aposta no comércio de gás natural liquefeito via novos portos e novas terminais, o que implica um aumento da produção petroquímica.

Por outro lado, produz relatórios em que diz explicitamente que, ao mesmo tempo que prevê aumentar a produção, também produz emissões zero líquidas. Da mesma forma, a Agência Internacional de Energia tem um plano de emissões zero líquidas, sem qualquer referência à redução de produção. Na verdade, o que a indústria quer dizer é que vai haver captura de carbono em 2040 e, sendo assim, podem continuar o seu negócio. Por vezes, estas industrias referem que vão compensar as suas emissões por florestação, o que é uma ficção. Por exemplo, a Rússia acha que vai criar uma floresta de tamanho da Índia para compensar as suas emissões de combustíveis fósseis. Não se percebe o que Exxon, BP, Chevron, etc. vão fazer, mas estas também falam de sonhos semelhantes.

Os Governos

Talvez o argumento mais ridículo dos governos para evitar redução da produção é que as emissões iriam para um outro sítio e o mercado substituía a produção, penalizando a redução. Isto é uma defesa dos traficantes de droga: quando se diz que alguém está algo destrutivo e que deve parar de fazê-lo, essa pessoa não pode legitimar-se por dizer que há outros que o fazem também. Mas o mais importante é que não existe nenhum dado ou facto que possa sustentar este argumento. A única razão para acreditar que esta substituição aconteceria é ter fé nos mitos de mercado livre e competitivo.

O maior problema dos governos imersos no neoliberalismo é a recusa da responsabilidade na extracção e produção. Quando dizemos que o carvão, o petróleo e o gás têm de ficar debaixo de solo, os governos respondem que isto não tem a ver com eles e que eles só podem influenciar a procura via incentivos (algo que fazem ao contrário, como disse acima).

Nós

Tudo isto é importante porque mostra que a crise climática não é um botão em que se clica. A crise climática não é um desvio dos maus a provocarem um golpe.

A crise climática é apenas o corolário do business-as-usual do capitalismo. O caos climático acontece no capitalismo, sem alguém ter de fazer um esforço específico para que ele exista.

Sendo assim, nós precisamos de tomar a iniciativa combinando duas visões estratégicas: uma visão do poder popular contra o capitalismo e contra “o mercado”, e uma visão internacional baseada em solidariedade e em coordenação.


Relato da sessão online “The market won’t save us: we need international cooperation for a just transition”, organizada pela Fossil Fuel Non-Proliferation Treaty Initiative no dia 9 de Abril no âmbito do Global Just Recovery Gathering. O vídeo da sessão estará disponível no site https://justrecoverygathering.org/ .

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