Mais um projeto de descarbonização, mais um falhanço. Em 2019, o Governo do PS contrariou o seu próprio programa e antecipou, de 2025 para este ano, o fecho da central a carvão do Pego. O encerramento da instalação na zona de Abrantes deverá acontecer até novembro. No entanto, o que é vendido como um passo para a transição energética, afigura-se apenas como uma alteração de como emitir gases com efeito de estufa enquanto se destrói a floresta.
Existem poucas dúvidas sobre a necessidade de abandonar o carvão. Dada a carga poluente, até a União Europeia considera deixar este combustível fóssil para trás. Mas sem reduzir a quantidade de energia consumida, resta saber qual a alternativa de produção, e em casos como o da central do Pego, a operação reduz-se à estética.
O truque passa pela substituição da combustão do carvão por outra forma poluente de produzir energia. No caso da central do Pego, é anunciado pela TrustEnergy – acionista maioritário da infraestrutura – que o carvão deixará de ser utilizado, transitando para a “produção de Energia Verde nas suas várias formas”. Quais são as formas? Para a “solução a curto prazo (…)” aponta-se para “resíduos florestais locais”, ou seja, o recurso à biomassa.
O termo biomassa soa sofisticado, no entanto não vai além de queimar árvores. Depois das florestas serem devastadas, a madeira é transformada em pellets, que depois são queimados para produzir energia elétrica. Apesar dos pellets serem publicitados como provenientes dos resíduos do abatimento de árvores, estes acabam por consistir nas próprias árvores.
É este o modo de produção que é englobado, pela União Europeia, nas energias renováveis neutras em carbono. Para ser compatível com a estabilidade do clima, vários pressupostos teriam de ser cumpridos, como a absorção de carbono por parte das árvores e o destino da madeira, se não transformada em pellets.
Os pressupostos não são cumpridos e a conclusão de quem estuda a utilização de biomassa em grande escala é que a neutralidade carbónica necessitaria de pelo menos 44 anos para ser real, permanecendo o carbono na atmosfera durante esse período. No imediato, há quem aponte o uso da biomassa como pior do que o do carvão em emissões. A isto acresce a destruição da floresta e a capacidade de absorver gases com efeito de estufa.
Ao custo ambiental da biomassa somam-se os altos custos de produção de energia. Sem subsídios dos estados, o preço da biomassa é mais alto do que o de fontes como a eólica e solar. No caso concreto da central do Pego, até o acionista minoritário está contra o recurso à biomassa dado o elevado custo de produção. Tendo em conta que as fontes renováveis têm potencial de redução de custos, e considerando que a queima de árvores é um processo sem potencial de amadurecimento, o absurdo acumula-se.
O estatuto de “energia renovável” confere à biomassa subsídios públicos, e é com dinheiros estatais que a TrustEnergy conta para avançar quando menciona o desejo de “implementar com apoios do Fundo para uma Transição Justa (FJJ) e do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)”. Ou seja, o plano de recuperação para a crise económica espoletada pela pandemia poderá acabar a financiar projetos privados que contribuem para o caos climático e para a destruição florestal.
A incógnita reside na origem da madeira a ser queimada em Portugal. Se importada de países como os Estados Unidos, Rússia e Brasil ou se cortada em território nacional. No segundo caso, o setor energético passa a estar ao lado da indústria do papel na destruição da floresta portuguesa, já de si raquítica.
A biomassa em grande escala é só mais um projeto num vasto leque de falsas soluções. Neste inclui-se o gás, que é um combustível fóssil como os outros; o hidrogénio “verde”, que não vai além de um subterfúgio para continuar a queima de combustíveis fósseis; a plantação de árvores para abate rápido, absorvendo carbono em quantidades fictícias, e a captura e armazenamento de carbono por métodos industriais, que permanece no campo da ficção científica.
Falsas soluções como a biomassa são desejadas pelas empresas que agora ganham dinheiro com combustíveis fósseis e que pretendem continuar a ganhá-lo de outras formas. A destruição de um planeta digno e a absorção de dinheiros públicos há muito que fazem parte da alma do negócio. Esta é a transição compatível com o capitalismo: canalizar dinheiro para privados e não cortar emissões.
É necessária uma transição energética que corte as emissões, não as florestas. Para já, o Governo português e Bruxelas congratulam-se com um novo golpe de marketing político, e os acionistas da central discutem qual a melhor forma de fazer dinheiro.
Artigo originalmente publicado no Jornal Económico a dia 08 de Junho de 2021.