Porque fechar a Refinaria de Sines? – João Camargo

Vivemos uma crise existencial para a espécie humana. Nunca, desde que existimos, houve uma concentração tão elevada de gases com efeito de estufa na atmosfera. Aliás, a concentração de dióxido de carbono na atmosfera é a maior, na melhor das hipóteses, dos últimos 3 milhões de anos. Nós existimos há 300 mil.

A razão inequívoca pela qual esta concentração existe tem que ver com o modelo produtivo capitalista, aliado à queima dos combustíveis fósseis – petróleo, gás e carvão. O capitalismo está estritamente associado aos combustíveis fósseis, razão pela qual existem alterações climáticas e razão pela qual é impossível travá-las dentro do quadro do capitalismo. A mudança da composição da atmosfera está a transformar o nosso planeta num lugar mais quente, com uma atmosfera mais energética, que acelera e agrava as vulnerabilidades naturais dos territórios e das populações e torna inabitáveis muitas das regiões em que vivemos há milhares de anos. Mas pode piorar muito. É por esse motivo que se fala em evitar um aumento de temperatura acima dos 1,5ºC e 2ºC (estamos cerca de 1,2º a 1,3ºC de temperatura média global acima da era pré-industrial), porque a partir destes valores o sistema climático global tem vários mecanismos que deixam de contrariar o aumento de temperatura e começam a acelerá-lo. A isto chama-se “runaway climate change”, uma espécie de comboio destravado numa descida a pique – não será possível fazer nada para travá-lo então.

Para evitar o aumento de temperatura acima dos 1,5ºC, é necessário cortar 45 a 55% das emissões globais de gases com efeito de estufa até 2030 (em relação aos valores de 2010). É seguramente a maior revolução da História da Humanidade. E é impossível dentro do sistema capitalista. As emissões de 2021, depois do pico da crise do Covid-19, preparam-se para bater novamente recordes. A máquina industrial capitalista só sobrevive crescendo, mesmo que a consequência desse crescimento e dessa produção seja a destruição das condições materiais que permitem a existência de capitalismo e, já agora, de civilização. Esta é a segunda contradição do capitalismo: pela necessidade de crescimento e expansão, o capitalismo destrói o meio ambiente que o suporta, o que leva a crises de subprodução que põem em causa a sua base, os meios de reprodução tanto da produção capitalista como de quem trabalha (acrescendo à já há muito conhecida contradição entre a exploração crescente de trabalhadores que, pela mesma necessidade de crescimento e expansão, leva a crises de sobreprodução).

Nesse sentido, porque falar de encerrar a Refinaria de Sines? Pela urgência da resposta à crise climática no imediato. A Refinaria de Sines é a maior emissora de gases com efeito de estufa do país. Este facto é inequívoco. Também é a única refinaria do país e, portanto, uma dos pontos de passagem intermédia do sector mais emissor no país neste momento: os transportes. Se o argumento contra o encerramento é que o mesmo levará apenas a uma deslocalização da refinação para outro local, a resposta é que isso é verdade, como foi toda a desindustrialização de Portugal (e de grande parte da Europa). Mas o tempo em que vivemos precisa de responder a mais que uma contradição. E isso só responde à questão da Refinaria de Sines da Galp. E não é preciso fechar apenas esta refinaria. Portugal não precisa apenas de cortar os 2.359.050 Toneladas de emissões de CO2 que a refinaria emitiu em 2018 (que aumentarão com a deslocalização da produção da Refinaria de Matosinhos da Galp) até 2030 – precisamos cortar 56.200.000 Toneladas de CO2 até 2030. Isso significa inequivocamente mudar o sistema.

Este valor corresponde a 74% das emissões de 2018 – Portugal tem um dever de cortar mais do que a média de 50% de emissões até 2030, por uma questão de justiça histórica. Portugal tem de cortar 74% das suas emissões, a não ser que achássemos que Portugal, os Estados Unidos, Moçambique e Bangladesh têm as mesmas responsabilidades históricas e têm de cortar o mesmo. Não achamos. A crise ambiental capitalista tem uma história de depredação sobre trabalhadores e comunidades dos países mais pobres. Os países mais ricos, amplamente os mais emissores historicamente e agora também, têm de cortar muito mais.

Só há uma resposta ao argumento da deslocalização da refinação e da produção: a resposta é que não podemos usar mais combustíveis fósseis. Esta resposta não resolve as necessidades no quadro da normalidade, da globalização capitalista, da concorrência e competitividade entre economias e entre povos. Não pretende fazê-lo. Normalidade significa colapso climático.

Enquanto os combustíveis fósseis continuarem a ser produzidos, o seu consumo será estimulado, no sistema capitalista. Se perguntarem se existe neste momento alguma transição no sistema energético, a resposta é simples: não. Não existe transição energética e não existe, de certeza, uma transição justa. O que existe é mais produção energética, acrescentando renováveis ao sistema sem retirar fósseis. E isso serve absolutamente para nada na resolução da crise climática, a maior crise da história da Humanidade.

Vivemos em capitalismo, e para a burguesia, justiça é um conceito que só se aplica a eles. É por isso que a Galp encerrou a refinaria de Matosinhos, recusando-se a dar formação aos trabalhadores para outro emprego num sector energético fortemente subdesenvolvido (o das renováveis), mas agora vai receber mais de 700 milhões para renováveis do Banco Europeu de Investimento. A Galp é uma empresa capitalista e o BEI é uma instituição capitalista, tal como o é o Estado Português. Enquanto a transição justa – um conceito criado pelo mundo sindical para fazer pontes com os movimentos verdes e criar agendas comuns – for gerido por capitalistas, significará apenas justiça para o capital. Significa isso que se deve abdicar de lutar por uma transição justa?

O encerramento que já aconteceu da Central Termoeléctrica de Sines da EDP e da Refinaria de Matosinhos da Galp são aquilo que o capitalismo entende como transição justa: a estrutura é fechada, a produção descentralizada, a empresa financeiramente apoiada e quem trabalha despedido. Nada de novo há aqui: é a maneira como o sistema funciona e portanto nenhuma razão para surpresa. A crise climática está a acontecer no meio deste sistema e por causa dele, e portanto o seu oportunismo manifestar-se-á sempre, roubando como sempre os recursos para remunerar o capital e nunca o social. Exigir e agir para garantir que não há colapso climático ao mesmo tempo que quem trabalha não é destruído neste processo é a tarefa do tempo histórica em que vivemos.

Precisamos criar um plano social para o encerramento da Refinaria de Sines, para uma transição justa desta como de outras infraestruturas, como do sistema de transportes, da agricultura, de todos os sectores que foram viciados propositadamente em combustíveis fósseis para melhor garantir os monopólios capitalistas. O capitalismo será sempre contra qualquer plano justo para nós, mesmo que isso implique o seu colapso. O capitalismo será sempre contra qualquer plano que ceda um centímetro do seu poder para quem trabalha. Mas nós não podemos lutar por um centímetro. Temos de lutar por tudo. Aceitar o colapso é impossível.


18 de Novembro, Sines

Vamos Juntas

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