Lucros recorde, padres pedófilos e assassinos de civilizações – João Camargo

Começando pelo imediato, os resultados operacionais da Galp ascenderam em 2022 a 3,85 mil milhões de euros, e a empresa lucrou 881 milhões de euros líquidos no negócio do petróleo e do gás. Quando pensamos na crise do custo de vida em Portugal e na Europa, ela tem um fator desencadeador, que promoveu o aumento dos preços, um fator que manteve a inflação e que se repercutiu em todos os momentos desde 2021: os preços do gás e do petróleo. São esses mesmos preços absurdos que produziram os maiores lucros de sempre da história das petrolíferas. Em 2022.

Quando sairmos à rua em protestos contra o aumento do custo de vida, em todos mas também em cada um dos sectores – seja pela falta de salários que acompanhem a inflação, seja pela tragédia dos aumentos dos preços das casas que já eram incomportáveis, pelos preços do transportes, de cada ida às compras -, devemos saber onde colocar a responsabilidade pelo que nos está a acontecer, e é a indústria fóssil, de todas e de nenhuma nacionalidade, sem pátria que não seja a da exploração absoluta. A invasão da Ucrânia pelo exército russo piorou a situação, mas não a desencadeou.

Quando protestarmos contra os lucros obscenos da Jerónimo Martins, do Montepio, da SONAE ou da Navigator Company, quando olharmos para os aumentos generalizados de rendas de casas, precisamos de reconhecer o oportunismo intrínseco destas empresas e senhorios, que a cavalo da inflação que já existia escolheram recompensar-se sem limites, face à fraqueza dos Estados que se renderam aos mercados como entidades divinas. Mas só o puderam fazer por causa das petrolíferas. Só puderam açambarcar e especular com o panorama de guerra porque vivemos em economias que foram deliberadamente viciadas em combustíveis fósseis.

Precisamos também de reconhecer como esta crise de custo de vida foi depois multiplicada pela ortodoxia do liberalismo económico, que rejeita qualquer realidade social ou ambiental pelas regras fantásticas da “academia” da economia neoliberal. A decisão política foi rendida à tecnocracia dos bancos centrais, “independentes” da democracia e da sociedade, independentes do escrutínio e seguramente independentes e blindados das consequências das suas decisões. A decisão destes bancos foi aumentar as taxas de juro e tornar todos os empréstimos mais caros. Numa sociedade com péssimos salários e por isso mesmo endividada até ao cabelo, isso significa uma só coisa: mais pobreza. Significa empréstimos mais caros, rendas mais caras, significa menos dinheiro sobre menos dinheiro.

Assim, pagámos os lucros de empresas como a Galp de pelo menos cinco maneiras:
No aumento direto dos custos da eletricidade e gás;
Na maioria dos produtos de primeira necessidade (especialmente comida);
Na compressão salarial (onde houve aumentos salariais, foi sempre abaixo da inflação);
Nos cortes de impostos aos combustíveis e empresas fósseis e de energia;
No aumento das taxas de juro.

Mas estamos longe de este ser o fim do problema. É aliás a questão menor do problema.

A divulgação, a 13 de fevereiro, dos maiores lucros da sua história da Galp coincide com a divulgação do relatório de abusos sexuais de crianças por parte da Igreja Católica em Portugal, que promete fazer correr toda a raiva e nojo que merece. A divulgação nesta data consegue ofuscar toda raiva e nojo que deveria ser levantada contra o crime histórico da Galp.

As palavras serão sempre curtas perante a enormidade dos factos e eventos históricos que estamos a viver. Em 2022 foi novamente quebrado o recorde de emissões de gases com efeito de estufa a nível global, e foi também o ano mais quente alguma vez registado na Europa, tendo-se verificado a maior seca dos últimos 500 anos no continente, enquanto na China ocorreu a maior seca de sempre. Estamos a caminhar perigosamente para o abismo, e continuamos a acelerar. É o negócio da Galp e das petrolíferas que está a provocar a crise climática. Quem nos empurra e mantém à beira do abismo são empresas como a Galp e os governos que a elas se submetem.

A existência de empresas como a Galp, em 2022, é um crime por si só. A continuação da sua existência, expansão e funcionamento são crimes muito além dos inomináveis crimes sexuais da Igreja Católica. Empresas como a Galp estão a matar o futuro de todas as gerações, a assassinar a civilização.

Estes crimes têm de ser travados.


Artigo originalmente publicado no Expresso a 14 de Fevereiro de 2023.

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