Escrevemos este artigo, escrito nas vésperas das segunda vaga de ocupações promovidas pelo movimento Fim ao Fóssil – OCUPA!, lançado pela Greve Climática Estudantil, para comentar, no âmbito da campanha Empregos para o Clima, a reivindicação lançada pelo movimento estudantil. Esta é a de eletricidade 100% renovável até 2025. Esta é também a reivindicação adoptada pela plataforma Parar o Gás.
Esta é uma meta intermédia à total descarbonização do setor energético e da nossa economia, que pode ser alcançada no curto-prazo e que poderia ter um grande impacto no corte de emissões de GEE, assim como na vida das pessoas, face ao menor preço da eletricidade produzida através de fontes renováveis em comparação com outras fontes.
Qual a diferença entre eletricidade 100% renovável e energia 100% renovável?
A energia é de longe o setor responsável por maior quantidade de emissões (65,6%) em 2021. Este é também um setor que produz serviços essenciais.
O relatório da campanha Empregos para o Clima, e um dos seus artigos de base (https://www.empregos-clima.pt/descarbonizar-o-sistema-energetico-em-portugal-criando-milhares-de-empregos-manuel-araujo/), apresenta um plano para a descarbonização completa do sistema energético até 2030. Isto significa que todo o consumo de energia seria aprovisionado por eletricidade produzida através de fontes renováveis.
A eletricidade 100% renovável até 2025 é um importante passo intermédio, no caminho para a descarbonização completa em 2030. Este não implica a eletrificação de todo o consumo energético, mas apenas a cessação de produção de eletrcidade através de combustíveis fósseis, nomeadamente gás natural (responsável ainda por cerca de 30% a 40% da eletricidade consumida em Portugal), e sua produção totalmente através de energias renováveis. Isto significa que este objetivo poderá ser atingido de forma mais rápida, sem implicar ainda transformações em todos os setores da atividade onde a energia é consumida.
Descarbonizar a economia até 2030
Uma total descarbonização da economia implica, além da transformação do sistema elétrico, a transição para a eletricidade – eletrificação – de todas as formas de consumo de energia, assim como uma alteração mais profunda nos padrões de consumo de energia – suficiência energética. Por exemplo, o relatório propõe a substituição em grande escala da utilização do transporte individual pelos transportes públicos coletivos, o que implica uma enorme redução no consumo de energia pelo setor dos transportes (https://www.empregos-clima.pt/um-sector-de-transportes-em-portugal-com-zero-emissoes-sinan-eden/ ). É também ainda apressentada a proposta de que esses transportes públicos sejam elétricos, o que significa a eletrificação do consumo de energia no setor dos transportes, que neste momento consiste essencialmente na queima de gasolina/diesel nos motores dos carros.
O relatório da campanha estima que seja necessário produzir cerca de 100 TWh de eletricidade para satisfazer todas as necessidades energéticas em 2030 e propomos uma combinação de fontes renováveis que permitiriam produzir essa eletricidade (com base em https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2590332219302258 ) . Comparando com o total de 180 TWh de energia consumida em 2018, podemos perceber que o plano apresentado não envolve apenas uma transformação tecnológica das energias fósseis para as renováveis, mas também uma redução no consumo de energia.
A racionalização do consumo de energia é importante para impedir que a transição energética se transforme numa corrida aos minerais necessários para as energia renováveis, cuja mineração implica conhecidos impactos ecológicos e sociais. Apesar de alguns fatores tecnológicos, através de um aumento da eficiência energética, poderem contribuir significativamente para a redução no consumo de energia, esta só será possível numa escala apropriada (sem recorrer a medidas de “austeridade energética” injustas para a maioria da população) graças a uma profunda transformação social, da qual são exemplo a promoção dos transportes públicos, o isolamento térmico dos edifícios, ou o combate à obsolescência programada. Estas transformações enquadram-se de forma mais geral numa transformação das atividades económicas para que sejam focadas na satisfação de necessidades reais e não na expansão infinita centrada no lucro.
Eletricidade 100% renovável até 2025
Em 2022 produziu-se em Portugal cerca de 47 TWh de eletricidade. Acrescentando um saldo importador de 9 TWh (a diferença entre a eletricidade importada e a exportada) chegamos a um valor de 56 TWh. Vamos então assumir que é essa a eletricidade que precisamos de produzir em 2025. Adaptando o mix energético proposto no relatório, propomos o seguinte mix energético 100% renovável para 2025.
Tabela 1: Produção bruta de eletricidade e saldo importador. Dados da DGEG de 2022 e um plano possível para 2025 (com mix adaptado de https://www.empregos-clima.pt/descarbonizar-o-sistema-energetico-em-portugal-criando-milhares-de-empregos-manuel-araujo/ ).
TWh | 2022 (DGEG) | 2025 (possível) |
Saldo importador | 9 | 0 |
Térmica (gás, biomassa, etc) | 21 | 0 |
Hídrica | 9 | 9 |
Eólica | 13 | 25 |
Fotovoltaica | 3 | 19 |
Geotérmica | 0,2 (2021) | 0,3 |
Concentração solar | 0 | 2 |
Ondas e marés | 0 | 1 |
Total | 56 | 56 |
Na figura 1 podemos ver a transformação proposta na produção de eletricidade, entre 2021 e 2025. Utilizando o mesmo que esquema de https://www.empregos-clima.pt/descarbonizar-o-sistema-energetico-em-portugal-criando-milhares-de-empregos-manuel-araujo/, podemos então utilizar estimativas dos fatores de capacidade para calcular as capacidades que será necessário instalar para cada uma das fontes.
Tabela 2: Capacidades instaladas. Dados da DGEG para 2025, propostas neste artigo para 2025 e a instalar até 2025 (a diferença entre as duas).
MW | 2021 (DGEG) | A instalar | 2025 (possível) |
Hídrica | 7100 | 0 | 7100 |
Eólica | 5600 | 3300 | 8900 |
Fotovoltaica | 1700 | 9000 | 10700 |
Geotérmica | 34 | 20 | 54 |
Concentração solar | 0 | 500 | 500 |
Ondas e marés | 0 | 400 | 400 |
Este plano é apenas uma estimativa do que seria necessário para produzir toda a eletricidade necessária a partir de fontes renováveis em 2025. No entanto, isso não é o fim da história. Há vários desafios tecnológicos relacionados com as redes elétricas 100% renováveis (ver por exemplo https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1364032118303307 ).
Um dos grandes desafios prende-se com a garantia do equilíbrio constante entre produção e consumo. Não basta garantir que produzimos ao longo de todo o ano o valor total de eletricidade de que precisamos. É preciso garantir que ela está disponível quando é necessária, ou seja é preciso garantir que o consumo é igual ao que entra na rede a cada momento. O consumo de eletricidade varia bastante ao longo do dia (por exemplo só acendemos luzes à noite) e ao longo do ano (por exemplo precisamos mais de aquecimento no Inverno). A produção de fontes renováveis, ao contrário das fósseis, também varia ao longo do dia, ao longo do ano e de região para região. O problema de garantir este equilíbrio entre a produção e o consumo é estudado há várias décadas e há várias soluções propostas (e muito debate sobre a melhor combinação de soluções). Alguns exemplos são o armazenamento de energia quando há produção em excesso para ser utilizada quando há quebras na produção; a expansão e maior interligação entre as redes elétricas para que seja mais fácil transportar eletricidade de uma região com produção a mais para outra com produção a menos; ou medidas de adaptação do consumo, por exemplo ter eletrodomésticos com grande consumo a funcionar nas alturas de maior produção. A própria diversidade do “mix” energético, composto por várias fontes de energia renováveis funciona como uma forma de fazer face a este desafio. Há ainda as medidas de caráter mais social, envolvendo a redução e racionalização do consumo de energia, como já referimos.
Este plano, como qualquer plano para uma transformação social em grande escala, não deve ser visto como um desenho acabado daquilo que temos de fazer. Não queremos dizer quem tem de ser assim, só queremos mostrar que é possível! Esta proposta deve ser visto como um ponto de partida, como uma proposta cuja alteração e implementação terá necessariamente de envolver a participação de toda a sociedade. Esperamos que este plano seja discutido e contestado e que nesse processo possa emergir um plano melhor!
Queremos que a crise climática seja encarada como a crise existencial que é, e que portanto os prazos ditados pela ciência climática sejam cumpridos e que se traduzam numa sociedade mais justa! Eletricidade 100% renovável até 2025 só não será uma realidade se faltar a vontade política, não por falta de opções tecnológicas. Para além disso este plano apenas será alinhado com as metas climáticas, dirigido para a justiça social e assegurando uma Transição Justa, resultando em em bons Empregos para o Clima, se liderado na ótica do bem comum pelo setor público.
Fonte do conteúdo: Revista Visão