[publicado em 4 de maio de 2016 no jornal “Público”]
Jorge Moreira da Silva, ex-ministro do Ambiente, foi ouvido em audição conjunta das comissões de Ambiente e de Economia e mostrou aquilo de que se faz um ministro do Petróleo: desinformação, manipulação e engano. O assunto eram as duas concessões petrolíferas entregues por negociação direta ao empresário Sousa Cintra, a 10 dias das eleições legislativas. A dimensão das concessões, atravessando 14 dos 16 municípios algarvios e compreendendo 2300 km quadrados, é imponente: trata-se de mais de metade da área terrestre do Algarve.
Moreira da Silva fez-se acompanhar do ex-secretário de Estado da Energia, Artur Trindade, numa audição que ficou marcada pela repetição por parte do ex-ministro de que os contratos assinados seriam apenas para sondagem e mapeamento e não para produção petrolífera. Ora, segundo o contrato, disponível no site da Entidade Nacional para os Mercados de Combustíveis “é atribuída uma concessão de direitos de prospeção, pesquisa, desenvolvimento e produção de petróleo, na sequência de negociação direta, à empresa Portfuel”. Em qualquer altura da vigência do contrato a concessionária pode apresentar um plano geral de produção, que acrescerá aos dez anos iniciais, mais 25 anos (que poderão ser ainda estendidos por mais 15). Isto significa uma concessão de 50 anos. Mesmo no que diz respeito ao muito invocado “conhecimento dos recursos geológicos” que guiaria a altruística e segura operação de sondagem, não foi possível esclarecer-se quem ficaria com o conhecimento, já que está no contrato a confidencialidade das descobertas, que devem ficar pelo menos cinco anos em absoluto segredo.
As suspeitas em relação ao favorecimento do empresário Sousa Cintra foram contestadas por Moreira da Silva, que se defendeu alegando ser o autor de um embargo à casa do empresário há dez anos. Provavelmente a mesma casa onde hoje Sousa Cintra vive, nas dunas de uma das poucas praias do Algarve que não está concessionada para exploração de petróleo. A idoneidade da Portfuel foi garantida na audição, embora se desconheça como foi possível passar os requisitos dos balanços financeiros dos três anos anteriores (a Portfuel ainda não tem três anos e o seu capital social é de 50 mil euros) e da experiência do pessoal em atividade petrolíferas (a Portfuel não tinha pessoal). No caso das concessões de Pombal e da Batalha, repete-se este problema com a concessionária Australis.
As concessões em Aljezur e Tavira renderão ao Estado, de forma fixa, 12 milhões de euros ao longo de 50 anos, calculados por uma renda anual de 120€ por quilómetro quadrado, isto é, 23 mil euros por mês pela possibilidade de explorar mais de metade da área terrestre do Algarve. Na Noruega a renda é de 4340 € por quilómetro quadrado. Na remuneração variável o assunto piorou. Artur Trindade disse em audiência que os “royalties” presentes nos contratos estariam em linha com países como a Irlanda, o que não se verifica. Na Irlanda paga-se à cabeça um imposto de 5%. Depois há um novo imposto que pode chegar a 55% da produção. No final, há um imposto especial de 25% sobre os lucros petrolíferos. Na concessão da Portfuel cobrar-se-á 3% dos primeiro 5 milhões de barris, 6% dos 5 milhões seguintes e a partir daí 8%. E nada mais. Além disso, o Estado só começará a cobrar depois de estarem pagos todos os investimentos de prospeção e de produção da concessionária. Um contrato de exploração de petróleo digno de um país do Terceiro Mundo nos anos 50.
Moreira da Silva defendeu o seu legado de 20 anos no combate às alterações climáticas, não sendo no entanto capaz de explicar como compatibiliza aumentar a exploração de combustíveis fósseis com reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. Gaseificado o seu legado, o ex-ministro acabou por invocar uma cabala política contra si e uma opinião pública manipulada por forças ocultas, que identificou serem lideradas por estrangeiros reformados que vivem no Algarve e que querem que a região se mantenha uma “reserva de índios” contra o interesse das populações locais que querem petróleo e fracking. Ora, as populações do país não querem saber se Jorge Moreira da Silva quer ser presidente da Câmara de Lisboa, presidente do PSD, primeiro-ministro ou presidente da República. Querem saber porque é que as suas terras e os seus mares foram entregues por um tuta e meia para uma atividade suja e em regressão.
No avolumar de contrariedades aos contratos assinados por si, o ex-ministro invocou, e bem, os restantes contratos assinados nos últimos dez anos, nomeadamente pelo ex-ministro do PS Manuel Pinho, que assustam populações pelo país inteiro: em Peniche, no mar do Algarve, no mar da costa alentejana. Todos estes contratos violam grosseiramente a legislação europeia e a Constituição da República, e baseiam-se num decreto-lei arcaico, assinado durante o governo de Cavaco Silva pelo então Ministro da Indústria e Energia, Mira Amaral. O decreto-lei 109/94 já era retrógrado em 1994. Hoje é um fóssil. Talvez seja por isso que Moreira da Silva o explore, defendendo e escudando-se sempre no mesmo para defender o indefensável: promover, enquanto ministro do Ambiente e num contexto de crise ambiental global das alterações climáticas, a exploração de combustíveis fósseis fora do escrutínio público, sem avaliação ambiental prévia e em contornos opacos. Comportou-se sempre como o ministro do Petróleo e defendeu esse ministério sem hesitar.