Os sinais de que os passos rumo ao caos climático estão a ser dados foram sentidos de forma inequívoca em Portugal: os incêndios florestais de Junho e de Outubro, fruto de aberrações de temperatura e humidade, mostram-nos como o território nacional é vulnerável às alterações climáticas, em particular quando estas aberrações se sobrepuseram a uma longa seca que inviabilizou até o abastecimento de água às populações e à agricultura. Só a redução da massa de árvores é que limita a probabilidade de nos próximos dois a três anos termos incêndios desta mesma magnitude. Mas depois disso façam as vossas apostas, porque estruturalmente nada mudou no grande pinhal-eucaliptal que é a nossa área florestal. No balanço do ano de 2017, a dimensão dos incêndios florestais em Portugal é um gigante que só tem paralelo em outra monstruosidade: um novo aumento das emissões de gases com efeito de estufa à escala global.
Em 2017 bateu-se o recorde de furacões formados num ano sob o oceano Atlântico: Franklin, Gert, Harvey, Irma, Jose, Katia, Lee, Maria, Nate e Ophelia. Entre estes dez furacões, o Harvey no Texas, o Irma em Cuba, Florida e Barbuda e o Maria em Porto Rico foram autênticas armas de destruição maciça. Segundo a Organização Meteorológica Mundial, o Irma foi o furacão mais forte de sempre no Atlântico. Por outro lado, devido às temperaturas quentes aberrantes no Atlântico, o furacão Ophelia seguiu na direção da Europa, causando três mortos na Irlanda e na Grã-Bretanha, com os seus ventos quentes a contribuírem para o catastrófico dia de incêndios — 15 de Outubro — em Portugal e Espanha, que causou mais de 50 mortos. Entretanto, no Pacífico, o tufão Lan foi o segundo maior alguma vez registado e causou mortes e estragos no Japão. Cheias e aluimentos de terras na Colômbia, na Mauritânia, no Vietname e nas Filipinas provocaram centenas de mortes. Nos Estados Unidos, a época de incêndios, em particular na Califórnia, foi a pior de que há registos, devastando zonas urbanas e deixando centenas de milhares de pessoas sem casas.
Com o degelo-recorde na Gronelândia e na Antártida Ocidental, a subida do nível médio do mar em 2017 foi de 3,4 milímetros.
Politicamente, a saída anunciada do Acordo de Paris por parte dos Estados Unidos de Trump confirmou a entrada num novo capítulo da retórica americana acerca das alterações climáticas (embora não na prática, já que vem das administrações anteriores a colocação dos EUA no topo das emissões e da produção de combustíveis fósseis). Entretanto, o Presidente francês, Emmanuel Macron, descobriu nas alterações climáticas um filão de oportunidade política e organizou uma cimeira em Paris para discutir em abstrato o que fazer. O Banco Mundial anunciou mais dois anos de financiamento à indústria fóssil e o Governo francês aprovou no Parlamento a proibição da exploração de combustíveis fósseis… em 2040. A União Europeia, por outro lado, propôs ao Banco Europeu de Investimento que subsidie a construção de um sistema de infraestruturas de transporte e armazenamento de gás natural, mais de 90 projetos para resgatar a indústria petrolífera durante mais quatro ou cinco décadas e evitar a transição para as energias renováveis.
A ministra portuguesa do Mar assinou um acordo com um subsecretário de Estado dos EUA com a intenção de tornar o Porto de Sines uma porta de entrada para o gás de fracking americano. Na cimeira de Macron, António Costa aproveitou para repetir um anúncio que já tinha feito na Cimeira (oficial) do Clima em Bona: as duas maiores centrais a carvão do país fecharão até 2030. O cenário de referência para o Programa Nacional para as Alterações Climáticas, aprovado pelo Governo Passos Coelho, colocava a central térmica de Sines da EDP fora de funcionamento já em 2020. A ambição do Governo do PS é dar-lhe mais dez anos. Ao mesmo tempo, o Governo recusou-se pôr um ponto final nas concessões petrolíferas ao largo do Alentejo e em terra (Batalha e Pombal), apesar de várias propostas parlamentares nesse sentido. Se decidir prolongar pela terceira vez a autorização da ENI/Galp para furar em Aljezur, o Governo comprará uma grande batalha para 2018.
Tal como se fazem diariamente as contas dos orçamentos de municípios, regiões, países, espaços comunitários, também se fazem contas para o “orçamento de carbono”, com a atualização constante das emissões de gases com efeito de estufa que podem ser feitas até se atingirem aumentos de 1,5ºC, 2ºC, 3ºC e por aí fora. Segundo o Carbon Brief, site de académicos e jornalistas dedicado às alterações climáticas, estamos a menos de cinco anos de atingir um aumento de temperatura de 1,5ºC, e a menos de 20 anos de atingirmos um aumento de temperatura de 2ºC. Este aumento de temperatura é aquilo que o Acordo de Paris teoricamente queria evitar até 2100, mas que, mantendo este rumo, ocorrerá em 2036. Em 2017, depois de três anos de estagnação das emissões de gases com efeito de estufa, as emissões voltaram à trajetória ascendente, devendo aumentar 2% em relação ao ano anterior, naquele que é o sinal mais inequívoco de que entre o oportunismo político e a força da indústria petrolífera, estão longe de ser atingidas as ações necessárias devido à fraqueza e à cobardia das instituições nacionais e internacionais, que marcham alegremente na direção do caos.