Justiça climática: origens e problemáticas para hoje e para nós – Sinan Eden

§0. Estou agora nas montanhas da Catalunha, com 19 activistas pela justiça climática de 13 países europeus1, num retiro estratégico organizado pelo Centro de Formações ULEX.

Estaremos aqui durante dez dias, para sairmos da nossa zona de conforto e entrar na nossa zona de aprendizagem. Para além de conhecer as experiências e as histórias de cada uma de nós, vamos também discutir estratégias para o movimento pela justiça climática.

Mas antes das estratégias para tal, é importante percebermos do que estamos a falar.

§1. Um movimento social é: uma rede de interações informais entre

  • uma pluralidade de indivíduos, grupos e/ou organizações
  • engajados num conflito político ou cultural
  • na base duma identidade colectiva partilhada.

Esta é uma das definições. Não é consensual nem aborda tudo que pensamos sobre movimentos, mas acho-a essencial porque esclarece bastante do que estamos a falar. Neste sentido, um movimento é um ecossistema, apesar de em Portugal muitas vezes as organizações e os colectivos serem chamados de “movimentos”, mas estes seriam só elementos deste ecossistema (e às vezes dos vários ecossistemas).

§2. O movimento pela justiça climática foi lançado em 2007, na COP-13 em Bali, duma forma deliberada, pelas organizações do Sul Global, contra o discurso tecnocrata e a abordagem apolítica da crise climática2. Assim, acrescentámos a dimensão das injustiças estruturais do colonialismo, neo-colonialismo e capitalismo à discussão, e também começámos a enfatizar a necessidade de mudança sistémica em vez do foco no enquadramento individualista.

Agora, não só a urgência climática está na moda, mas também aparece regularmente a “justiça climática” nos discursos das grandes ONGs e dos políticos do Norte Global. O problema é que esta alteração discursiva não está a ser acompanhada por uma alteração política em nenhum sentido da palavra. Agora se calhar finalmente estamos a ver menos imagens de ursos polares e mais imagens da indústria, mas quem conta a história e como a história está a ser contada não mudou. Lê-se, por exemplo, “Estamos no mesmo barco” ou “A nossa casa está a arder” como slogans, o que invisibiliza as casas que estão a arder há décadas no Sul Global e os responsáveis que estão ainda a abastecer o fogo.

§3. Isto não é só uma discussão política mas também estratégica. Quando nós como organizações pela justiça climática falamos de “chegar a mais pessoas” ou de criar um “movimento dos movimentos”, o esforço que estamos a fazer vai em que sentido? Vamos às organizações mais centristas para ter mais pessoas na causa? Ou vamos às comunidades da linha de frente no Sul Global, cujas vozes têm sido e estão a ser silenciadas? Este assunto surgiu de novo, quando fizemos um mapeamento do movimento pela justiça climática nos nossos contextos. Reparei que muitas activistas tinham menos dúvidas em pôr no mapa uma organização que só planta árvores, mas um sindicato a lutar contra a privatização dos transportes públicos nunca aparecia no paisagem do movimento. Isto é, no mínimo, estranho: ter os transportes públicos no controle público é uma meta mais eficaz em termos de clima e reduz mais emissões. Mas só porque os próprios trabalhadores não estavam a enquadrar a sua luta como “ambientalista” e só porque a tal ONG assim a enquadrava, aceitávamos a situação.

§4. Existe um cordão umbilical entre o movimento climático e o movimento pela justiça climática. Este cordão não só é histórico (desde 2007) mas é também cultural. Para conseguirmos manter o nosso foco e para termos alguma hipótese de vencer, temos que cortar este cordão. Neste momento só existem caminhos de entrar na luta pelo lado do clima; ou seja, estamos a recrutar activistas climáticas para a luta pela justiça climática. Contudo, existe um caminho analítico que vem da justiça social e vê o clima como uma sub-categoria (que, para além dos assuntos técnicos sobre emissões, combustíveis fósseis, etc., tem um componente forte de introduzir um prazo para ganhar). Devemos construir este caminho nas nossas lutas.

§5. Uma das expectativas que os participantes deste retiro mencionaram várias vezes foi encontrar perguntas políticas e estratégicas que às vezes ficam perdidas nas nossas lutas do dia-a-dia.

A minha primeira pergunta, já no segundo dia, é encontrar ferramentas práticas para darmos mais voz às comunidades e às lutas do Sul Global.


1 Alemanha, Áustria, Bélgica, Croácia, Dinamarca, Grécia, Hungria, Itália, Países Baixos, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia

2 O que segue é um relato da apresentação do Asad Rehman, director da War on Want.

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