Governos e instituições continuam a tratar a crise climática como se ela não existisse, apesar de ser inequívoco o precipitar dos piores cenários das alterações climáticas antes mesmo dos tempos previstos.
O adiamento da COP-26 em Glasgow, anunciado ontem, representa mais uma coerente derrota do há muito impotente institucionalismo que lida com a crise climática. Perante uma crise sanitária avassaladora como é a pandemia de Covid19, perante uma recessão económica com condições para fazer a Grande Depressão parecer pequena, o governo britânico decidiu adiar a cimeira do clima. A coerência é a seguinte: governos e instituições continuam a tratar a crise climática como se ela não existisse, apesar de ser inequívoco o precipitar dos piores cenários das alterações climáticas antes mesmo dos tempos previstos.
Com a crise de saúde pública a crise climática foi varrida para fora do espaço mediático e do debate público, e com a crise económica e social que lhe sucederá, tenderá a acontecer o mesmo. Este é o nível máximo de alienação estrutural e constituinte do modo de produção e de organização social que hoje domina o globo. Essa alienação não significa no entanto que a crise climática seja menos real ou menos dramática do que é. A crise climática é civilizacional e existencial. A resolução da crise de saúde pública não resolve a crise climática. A resolução da crise económica e social não resolve a crise climática. Se não for resolvida a crise climática nenhuma crise poderá ser resolvida. Não haverá condições sequer para manter a civilização como ela conhece. A palavra crise deixará de fazer sentido.
Assim sendo, adiar uma cimeira que há um quarto de século se apresenta como centro político da luta contra as alterações climáticas por motivos logísticos e de saúde pública ao invés de encontrar uma alternativa para prosseguir estas negociações é a confirmação final da cultura de derrotas inculcada nestas instituições. Os 25 anos anteriores foram todos anos de fracassos negociais, porque as emissões só caíram uma vez (crise de 2008). O adiamento em 2020 representa também a necessidade de uma ruptura final com o institucionalismo para ter qualquer hipótese de travar o colapso climático.
Simultaneamente a este adiamento, aceleram as iniciativas para travar os frágeis avanços conseguidos nos últimos anos: nos EUA, Trump usa a desculpa da crise do coronavírus para recuar os regulamentos das emissões nos automóveis, na Europa os produtores de automóveis, a ACEA, com a Volkswagen à cabeça, pede um relaxamento da implementação das novas regulamentações para cortes de emissões de CO2. A maior parte dos governos só consegue pensar em como recuperar a dinâmica económica a partir de mais queima de combustíveis fósseis e do resgate de indústrias que garantem o colapso.
É a hora dos movimentos sociais pela justiça climática criarem a alternativa necessária ao institucionalismo. É hora de criar um acordo entre movimentos, para garantir o corte de emissões a partir da potência social, depois de décadas de impotência institucional. A acção directa e a desobediência civil estarão no centro desta iniciativa. A justiça climática, articulando justiça social, responsabilidade histórica e nível de desenvolvimento para criar uma transição justa evitando o colapso climático para os povos é central. É necessário cortar 50% das emissões globais de 2018 até 2030. É necessário substituir o impotente Acordo de Paris pelo mais potente movimento social revolucionário já visto.
Não existem vazios políticos. As instituições suspenderam a luta contra as alterações climáticas, como se a Física, a Química e a Biologia pudessem ser suspensas. Os movimentos têm de ocupar esse espaço e tomar a dianteira. As instituições que se sentaram durante décadas no caminho e travaram qualquer perspectiva de vitória saíram da frente. É tempo de lutar para ganhar.
Artigo originalmente publicado no Expresso a dia 2 de Abril de 2020.