Artigo originalmente publicado na Tribute Mag, a dia 21 de Abril de 2020.
A 20 de abril o preço de um barril de petróleo americano desceu tanto que os vendedores chegaram a pagar a quem lhos tirasse das mãos. No ponto mais baixo, o preço foi de -US$ 37,63. Esta redução tão acentuada nos preços foi causada por problemas na capacidade de armazenamento. Como explica a BBC, “o petróleo é negociado com base no seu preço futuro e os futuros contratos para maio expiram na terça-feira (21 de abril). Os comerciantes estavam interessados em ver-se livres de tal propriedade de forma a evitar ter de receber entregas de petróleo e incorrer em custos de armazenamento”.
A “financeirização” da economia é baseada em ativos do mundo real que são usados para coisas do mundo real, tal como petróleo para fornecimento de energia, e são negociados nos mercados financeiros por investidores especulativos de forma a gerar lucro. Geralmente, esta troca acontece num computador, sem que os proprietários de barris de petróleo tenham que lidar com eles como entidades físicas. A queda drástica do preço do petróleo aconteceu porque os negociantes perceberam que o colapso na procura implica que eles tenham que realmente receber e armazenar este ativo. Eu suspeito que empresas comerciais como a Barclays e o Citigroup não têm muito espaço para armazenamento de barris de petróleo nas caves das suas sedes.
Assim como a Grande Recessão de 2008 foi instigada pelos mercados financeiros, que foram impactados por eventos desagradáveis no mundo real – nesse caso, pessoas que não cumpriram com as suas hipotecas – agora vemos que choques na economia real serão repassados ao setor financeiro. A pandemia do Covid-19 forçou grandes seções da economia a parar de tal forma que precisamos de menos petróleo do que o habitual, devido à redução no transporte e na produção.
Mas esta crise não é apenas um acontecimento momentâneo. A Goldman Sachs veio dizer que o mercado de petróleo continua “excessivamente abastecido” e continuará a empurrar os preços para baixo. Howie Lee, do Banco OCBC em Singapura, sugeriu que a falta de armazenamento para petróleo não vai melhorar com base nas condições atuais. Ambos concordam com a análise do ING Economics de que uma queda adicional nos preços só pode ser evitada com uma redução na oferta (se os EUA reduzirem a produção de petróleo) ou um aumento na procura (pondo a economia de volta a funcionar). Na prática, isto significa uma contração planeada da indústria petrolífera, em linha com a economia em geral.
A verdadeira questão é o que acontecerá após tal contração? Como consequência do uso de combustíveis fósseis, os impactos do colapso climático já se tornaram mais frequentes, severos e geograficamente espalhados a novos locais. Cada vez mais veremos eventos climáticos extremos, inundações e secas atrapalhar o “business-as-usual” por todo o mundo. O ciclone Idai destruiu 90% da cidade de Beira quando atravessou Moçambique em 2019. Embora os detalhes sejam diferentes em relação ao Covid-19, as economias não podem mais confiar em longos períodos de “normalidade” relativamente imperturbada. É por isso que as crises têm que nos dar oportunidades de repensar o funcionamento da sociedade – e nesse sentido, nenhum setor é mais urgente do que o setor energético.
Green New Deal
Pedidos para um Green New Deal, que ao longo do ano passado foram crescentes tanto no detalhe de políticas, como em apoio popular, foram feitos para momentos como este. O Green New Deal é um plano para um programa de investimento e regulamentação, liderado pelo governo, para transformar a economia de forma a eliminar a desigualdade, garantir empregos bons e seguros, e reduzir as emissões a zero.
Este plano é a articulação prática de uma política há muito vencida que une justiça climática e justiça para os trabalhadores, na necessidade de enfrentar o capitalismo e construir uma nova economia democrática. Aquando desta queda do preço do petróleo, Deirdre Michie, CEO da Oil & Gas Ik, deixou claro que, embora o mercado dos EUA funcione de forma diferente que o do Reino Unido, o impacto também será sentido: “O nosso não é apenas um mercado comercial; cada centavo perdido gera mais incerteza em relação aos empregos.”
A indústria petrolífera é cada vez menos uma fonte confiável de emprego seguro para os trabalhadores. Crises como esta persistirão, e os empregos ficarão em risco ainda maior à medida que a indústria for forçada a reduzir a produção. Os trabalhadores podem estar certos de que se a gestão desta contradição for deixada nas mãos dos CEOs e acionistas, que visam primeiramente proteger os sues lucros, garantir empregos não será uma prioridade. É por isso que não podemos permitir a criação de um conflito entre proteger bons empregos e salvar o clima.
Ainda estamos para entender toda a extensão da iminente crise de desemprego que enfrentaremos no processo de recuperação da pandemia do Covid-19. Nos EUA, em apenas uma semana no mês de março, um recorde de 3,3 milhões de pessoas inscreveu-se nos centros de desemprego. A capacidade das empresas de sobreviver à atual estagnação económica influenciará em que medida o desemprego estrutural em massa se estabelecerá, mas seguramente em breve haverá muita gente disponível para um pequeno número de empregos.
Este é o momento em que os princípios de um Green New Deal podem ser postos em ação. Os governos podem eles mesmos liderar a recuperação, investindo na criação de novas indústrias públicas que atendam simultaneamente à crise do desemprego e à crise climática. Necessitamos de um setor de energias renováveis massivamente expandido de forma a suplantar o petróleo, gás e carvão. A construção inicial desta indústria e infraestrutura proporcionará um estímulo a médio prazo no emprego, ao mesmo tempo criando as bases para a economia sustentável do futuro.
Garantir que essas novas indústrias sejam compostas por empresas públicas significa que os governos possam assegurar que os empregos sejam bem pagos, seguros e sindicalizados. Os governos devem procurar usar este momento para investir não só em energias renováveis, mas também na proteção da sociedade e da economia contra choques futuros provocados pelo colapso climático. São necessários investimentos reforçados nos serviços de emergência para que estes possam responder às crescentes ameaças dos impactos climáticos.
Esta pandemia expôs a fragilidade dos serviços públicos, tais como o de assistência médica para lidar com novas crises (como se estes não estivessem já sob pressão suficiente em tempos normais). Grande parte da nossa infraestrutura física como edifícios, casas e estradas, não sobreviverá a eventos climáticos extremos e deve ser atualizada. Tudo isto requer investimento por parte dos governos o que garantirá de forma imediata empregos onde a indústria petrolífera não pode garantir, e dará início à adaptação da nossa economia ao caos climático que está para vir.
Exige o Inevitável
A indústria petrolífera já concordou em reduzir a produção em cerca de 10% devido à queda da procura, mas tais decisões estão a ser tomadas pela própria indústria causando lutas internas entre os produtores. Se há uma coisa que as últimas quatro décadas nos mostraram, é que não podemos confiar na capacidade desta indústria para se auto gerir. Empresas como a Exxon e a Shell foram as primeiras a saber que as suas indústrias extrativas estavam a causar alterações climáticas. Para além de não terem informado o público, financiaram campanhas de negação contra as alterações climáticas e fizeram lobby contra as mais modestas políticas climáticas.
Reduzir significativamente a produção de petróleo é agora inevitável. Olhando tanto para a crise na procura, exemplificada por esta queda no preço do barril de petróleo, e para o agravamento da degradação climática, causado pela extração e queima de petróleo e outros combustíveis fósseis, esta é uma questão de quando e não de se. Os produtores de petróleo vão gerir esta redução com relutância, salvaguardando ao máximo os seus lucros durante este processo. Não serão rápidos o suficiente para assegurar a redução das emissões na escala de tempo necessária para evitar mudanças climáticas catastróficas que se desenvolvem para além do controle humano.
Neste momento os governos devem estar preparados para intervir e introduzir regulamentação estrita para gerir a contração da indústria de petróleo por parte do Estado. Necessitamos de conduzir o fim da produção de combustíveis fósseis e de garantir uma transição justa para todos os trabalhadores afetados a nível global. Governos que continuam a subsidiar a indústria de combustíveis fósseis (por meio de incentivos fiscais, restrições comerciais ou transferências diretas), devem parar de o fazer imediatamente. Não faz sentido um governo continuar a inflacionar uma indústria que deve ser rapidamente contraída.
A exploração de novos combustíveis fósseis também deve cessar imediatamente. Investir para descobrir novas reservas obriga o setor a extraí-los e depois queimá-los de forma a gerar retornos suficientes para cobrir os custos. Para terminar, os governos devem acabar com a construção de todas as novas infraestruturas de combustíveis fósseis, como oleodutos. Estes continuam a aparecer por todo o mundo com o apoio ativo de líderes como Donald Trump, Justin Trudeau e da Comissão Europeia. À medida que constroem estas infraestruturas, a capacidade para transportar petróleo expande-se. Desta forma bloqueia-se a economia, obrigando-a a aumentar a produção para que haja petróleo a ser transportado nos oleodutos.
Tal como no caso da exploração, a expansão de oleodutos implica também aumentos na produção, de forma a rentabilizar o investimento inicial. Se é inevitável que a produção seja reduzida, porque há então tanto investimento para a expandir? Mesmo com o fim à vista, a indústria de combustíveis fósseis está a espremer todas as últimas gotas de lucro do planeta. Se estamos preocupados em manter um clima habitável temos de exigir que o inevitável aconteça agora.
Nacionalizar a Indústria Petrolífera
Na resposta à pandemia de Covid-19, à crise climática e à queda do preço do petróleo, as nossas prioridades como sociedade devem ser as pessoas e o planeta, e não os lucros do capital em torno da energia fóssil. O presidente Trump já disse que o seu governo comprará petróleo para as reservas nacionais em resposta à queda de preço, mas precisamos de um tipo diferente de intervenções governamentais. Esta indústria teve muitas últimas oportunidades. Não merece ser ressuscitada novamente. Os governos devem planear nacionalizá-la para evitar novos choques de curto prazo, de forma a gerir o seu declínio no médio-prazo.
O colapso no preço do petróleo é um momento oportuno para os governos comprometidos com uma transição energética comprarem a indústria e estabelecerem um caminho sustentável para o futuro. As reservas de petróleo ainda não recuperaram da queda no final de março que levou os preços a novos mínimos – e é provável que a crise recente os empurre ainda mais para baixo. Com as ações das empresas de combustíveis fósseis tão voláteis quanto os preços do petróleo, os governos devem preparar-se para aproveitar quedas futuras para comprar ações de forma a obter o controlo das empresas.
Até ao momento, existem apenas investimentos em indústrias renováveis competitivas e a regulamentação continuará. Se quisermos desacelerar a indústria de combustíveis fósseis e garantir justiça para os trabalhadores e comunidades afetadas, esta indústria tem de ser convertida em propriedade pública para que a sua contração possa ser gerida como parte de uma transição planeada. Libertar esta indústria da sua atual busca por lucro é a única forma de assegurar que não gaste todos os seus restantes recursos a enfraquecer uma transição justa e um Green New Deal.
Sobre o Autor: Chris Saltmarsh é um dos co-fundadores do “Labour for a Green New Deal”