Radar Climático (26 de Maio)

No Brasil, foi divulgado vídeo de um conselho de Ministros onde o presidente Bolsonaro admite que vai tirar quem quer que seja (agente, chefe, ministro) para parar investigações judiciais à sua família e amigos. Nessa reunião, vários ministros apelaram à prisão quer de governadores e presidentes da câmara como dos juízes do Supremo Tribunal Federal. O ministro do Ambiente disse que esta altura, em que só se fala de Covid19, é ideal para desmantelar as protecções ambientais dos ministérios da Agricultura, Saúde, entre outros, para “deixar passar a boiada“, usando a crise como um momento de aprofundamente do extractivismo capitalista (uma ministra no Canadá disse também que como estavam proibidas as manifestações, era a altura ideal para fazer mais oleodutos). O Supremo Tribunal no Brasil quer o telemóvel de Bolsonaro para confirmar a acusação e os generais disseram que o país está à beira de uma guerra civil (Bolsonaro está cada vez mais isolado e os militares estão a aliar-se inequivocamente com ele).

A extrema-direita espanhola, liderada pelo partido Vox, organizou uma manifestação no fim-de-semana passado, no centro de Madrid, contra a gestão da crise sanitária por parte do governo PSOE-Unidas Podemos e contra o confinamento. Juntou 6 mil carros e motas, incluindo descapotáveis com motoristas e com passageiros no banco de trás agitando bandeiras espanholas. Espanha é um dos países com mais casos e mortos à escala mundial. A extrema-direita espanhola (embora neste caso na oposição) copia as suas congéneres americana e brasileira, fazendo do combate às quarentenas uma bandeira política.

A Hungria votou uma lei para acabar com o reconhecimento legal das pessoas trans. A nova lei define o género como baseado em cromossomas à nascença e portanto deixará de ser possível pessoas trans alterarem o seu género e nome em documentos de identificação. Para tornar o cenário pior, na Hungria, a identificação é solicitada às pessoas com elevada frequência no dia a dia, pelo que as pessoas trans estarão constantemente expostas. Mais um passo do Governo autoritário de Orbán, que tem como uma das suas âncoras a defesa dos valores tradicionais da família, para levar o país para trás, na direcção da Idade da Pedra.

Em Portugal está a ser discutido um orçamento suplementar com dotações adicionais para sistema de protecção social (layoff pode não ter de entrar, sendo financiado pela União Europeia). Vai haver regularização de alguns precários e vão acelerar algumas contratações no SNS. Abriu um programa para apoio a 4 mil pessoas desempregadas que têm estado a trabalhar como voluntárias em serviços de apoio domiciliário (tipo contratos emprego-inserção), em vez de contratá-los. Direita propõe expansão do layoff no tempo e um reforço do apoio às IPSS. Haverá parcerias publico-privadas de habitação similares à de Lisboa expandidos a outros locais do país (Alojamentos Locais vão ser alugados aos proprietários e postos a alugar a longo-prazo a custos controlados). Governo garante que Aeroporto do Montijo vai continuar como grande aposta de emprego público, ao mesmo tempo a ferrovia não pode ser expandida por constrangimento industrial. A grande aposta no layoff por tempo indeterminado é o plano de que nada muda e tudo continuará igual, voltando daqui a uns meses a uma situação igual a Janeiro, permitindo esconder um grande aumento de desemprego. O plano do governo é exclusivamente o business as usual.

A CGTP fez as contas e chegou à conclusão de que os apoios estatais de emergência vão para metade das GRANDES empresas mas menos de um décimo das MICRO empresas. Quanto maior a empresa maior a % de empresas dessa categoria que se candidata ao layoff simplificado. As micro empresas, que compõem 95% do número de empresas em Portugal, estão assim a ser as menos apoiadas neste momento crítico e o dinheiro do Estado está a salvar apropriado pelas maiores empresas. Não admira pois que à direita se peça a extensão deste “apoio” e à esquerda haja motivos para reivindicar que os apoios se cinjam às micro, pequenas e médias empresas.

O SITE Sul (Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energia e Actividades do Ambiente do Sul) organizou em Sines uma “Marcha pelo Emprego”, em defesa dos trabalhadores do complexo industrial de Sines (incluindo Petrogal), reivindicando a reintegração de todos os trabalhadores precários despedidos e o investimento na produção por parte das empresas do complexo industrial de Sines. O protesto contou com cerca de 300 pessoas (números da organização) que desfilaram cumprindo com o distanciamento de 2 metros entre participantes, alinhados por dois cordões e com lugares marcados no chão à chegada. Estiveram ainda presentes a secretária-geral da CGTP-IN, Isabel Camarinha, o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, e a coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins.

Foi aprovado em Conselho de Ministro o Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC), prevendo um corte de emissões nacionais de gases com efeito de estufa de 45% a 55% em relação às emissões de 2005. O truque conhecido, de colocar as emissões comparativas com anos de pico de emissões, significa claramente que esta política climática é insuficiente para Portugal fazer aquilo que tem de fazer no sentido de garantir a sua quota justa dos 50% de emissões que têm de ser cortados de 2018 até 2030. Foi recentemente publicado um artigo na revista Climatic Change que demonstra exactamente que o nível de corte emissões previsto no PNEC é insuficiente para cumprir o Acordo de Paris e para manter o aumento de temperatura abaixo dos 1,5º e até mesmo dos 2ºC até 2100.

Fontes da TAP indicam que se aguarda um resgate durante o mês de Junho, no valor de 1,2 mil milhões de euros, “para garantir sustentabilidade e operacionalidade”. O ministro das Infraestruturas Pedro Nuno Santos não exclui o cenário de insolvência ou nacionalização, o que provocou alguma crispação entre os accionistas privados David Neeleman e Humberto Pedrosa. Seja qual for a solução escolhida terá sempre de ser autorizada por Bruxelas.

Ao contrário de locais de lazer, como praias e salas de espectáulos, a lotação dos aviões deixa de ser restrita a partir de 1 de Junho, e as recomendações sanitárias passam pela obrigatoriedade de utilização de máscara comunitária. O comunicado governamental sobre o tema não esclarece como se cumprem as distâncias de segurança entre passageiros ou como poderão os passageiros fazer as suas refeições de máscara posta nos vôos de longa duração.​​​​​​​

A Lufthansa vai precisar dum resgate de 9 mil milhões de euros do governo alemão, que em contrapartida fica com 20% da empresa e obrigações com a possibilidade de serem transformadas em +5% de acções e dois lugares no conselho de supervisão. Este e outros acordos similares carecem de autorização por parte de Bruxelas.

Na semana seguinte a ter sido aprovada pelo governo a estratégia nacional para o hidrogénio, a EDP e mais sete empresas europeias do sector energético aliaram-se para escrever ao vice-presidente da Comissão Europeia Frans Timmermans e fazer lóbi activo ao investimento no “hidrogénio verde”, argumentando que esta será a “solução mais económica e sustentável para a descarbonização”. Perante a iminente desactivação da central termoeléctrica de Sines, que ocorrerá até 2023, a EDP já pisca o olho a investimentos no hidrogénio verde na mesma zona, que é apontada na estratégia do governo como um dos eixos para criação de capacidade industrial, com um investimento de 2,85 mil milhões de euros na próxima década para criar uma capacidade de 1 gigawatt (GW).

Várias Greves Climáticas Estudantis (FFF) europeias, incluindo a portuguesa, enviaram uma carta à União Europeia apelando a uma modificação na Política Agrícola Europeia (PAC), exigindo que haja um encaminhar dos sectores agrícola e alimentar europeus para a neutralidade de carbono, transformando os pagamentos directos em pagamentos por bens públicos, apoiando a transição para uma agricultura sustentável. As greves pedem que haja critérios financeiros obrigatórios para a redução de emissões, recuperação da biodiversidade e fixação de carbono dos solos no financimento da PAC. O FFF europeu diz na carta que apoia os trabalhadores agrícolas, quer façam agricultura orgânica ou não, reconhecendo que não há transição sem eles.

No Reino Unido, foi considerado legal o projecto para a maior central a gás da Europa, que pode vir a ser responsável por 75% das emissões do sector energético no país, quando estiver a operar a 100%. Os apoiantes do projecto defendem-no com a ladainha do gás como energia de transição. Contudo é absolutamente claro que este é mais um passo no sentido oposto às metas de carbono com as quais o Reino Unido está comprometido e, por conseguinte, à travagem da crise climática. Para além disto, os custos envolvidos são superiores aos necessários para o investimento em renováveis, e as energias renováveis poderiam representar um corte nos custos para os consumidores, ao passo que o mesmo não iria acontecer com este projecto. Esta é também mais uma machadada nas hipótese já inexistentes de um acordo dramático entre nações, na COP 26, para reduzir as emissões.

Estudo afirma que a poluição dos oceanos por micro plásticos é altamente subestimada, sendo possível que a concentração destes nalgumas águas ultrapasse a do zooplâncton (que sustenta as cadeias alimentares marinhas e tem um papel fundamental na regulação do clima). Estes resultados foram conseguidos através do uso de redes com uma malha de tamanho mais pequeno do que anteriormente, permitindo detectar partículas mais pequenas. Mas pensa-se que estas podem deixar passar partículas ainda mais minúsculas. Com base nestes resultados, as estimativas globais sobre a concentração de micro plásticos mais do que duplicaram. O impacto na saúde humana destas partículas, cuja contaminação está espalhada por todo o tipo de ecossistemas, ainda é desconhecido.

No Paquistão, agricultores estão a enfrentar a pior praga de gafanhotos da história recente, colocando em risco as suas colheitas e deixando muitos em perigo de fome. Esta é uma situação que já se arrasta há meses, e que foi desencadeada pelo crescimento explosivo da população de gafanhotos, que resultou de chuvas fortes na Península Arábica em 2019. Mais uma vez, os resultados da crise climática a causarem especial impacto nas populações mais vulneráveis, que se encontram igualmente à mercê de Governos que não tomam acções determinantes para garantir o bem-estar das suas populações. Com o progredir do caos climático, estes cenários vão tornar-se cada vez mais frequentes e destrutivos.


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A farsa do regresso à normalidade – Inês Teles (Radar Climático | Opinião)

Abrem-se as cortinas e deparamo-nos com um cenário familiar: o Estado a apertar a mão aos privados, enquanto trata com indiferença as pessoas, sendo o bem-estar destas relegado para segundo plano. É o que se tem passado nos últimos dias no palco da política nacional, quando vemos mais 850 milhões de euros a serem injectados pelo Estado no Novo Banco, assim como indícios de que serão injectados na TAP cerca de mil milhões de euros. Ao mesmo tempo, vários sectores essenciais estão a ser geridos de forma altamente irresponsável, sem priorizar as pessoas, e mantém-se a narrativa de que não há fundos para determinadas áreas primordiais: observamos a ameaça do colapso dos pequenos produtores agrícolas, que correm o perigo de serem engolidos por plataformas maiores, e a aparente falta de meios para sustentar estes produtores em tempos de crise; apoios às rendas pouco convincentes, que deixarão milhares de pessoas com dívidas após o período da pandemia, de entre outras medidas tomadas no sector da Habitação, que privilegiam os proprietários em vez dos inquilinos mais vulneráveis; a revogação do decreto-lei de 2002 sobre as PPPs na saúde, para afinal se manter a possibilidade de novos contratos de PPPs em caso de “necessidade fundamentada”, deixando mais uma vez a porta aberta para o aproveitamento de privados num sector essencial como é o da saúde. Ler mais.

A Crise da Dívida do Coronavírus no Sul Global – Nick Dearden

O êxodo impressionante de capital do Sul Global está a arrastar as economias em desenvolvimento ao limite – tornando cada vez mais provável que o maior custo da crise do coronavírus seja pago pelos mais pobres do mundo. Ler mais.


Lançámos também um novo programa, Quebrar em Caso de Emergência, que vai ter conversas online ao vivo sobre diversos temas de actualidade. Aqui podes ver a primeira sessão:

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