O logro populista e o movimento climático – Andreia Ferreira (Radar Climático | Opinião)

Vivemos hoje um momento de instabilidade política, a meio de uma crise sanitária global e com a sombra de uma crise económica sem precedentes a aproximar-se. Estão mais expostas as fragilidades, mais agudas as carências, mais fundo o fosso que separa os que não têm nada dos que têm tudo. Perante a crescente polarização de posições, os espaços políticos e discursivos não ocupados pelas várias facções hegemónicas das instituições, estão cada vez mais a ser cooptados por ‘novos’ actores, com discursos extremos, populistas, nacionalistas e fascistas.

A receita aproveitada pelos oportunistas não é original e tem resultados historicamente comprovados. Dar voz à insatisfação popular, a causas largamente consensuais e incontestáveis (como o “combate à corrupção” ou a “defesa dos animais”), sem argumentário que não seja falacioso, e angariar por seguidores os afastados ou avessos à política, os revoltados, no fundo as pessoas que estão cansadas da classe política e que estão desacreditadas na democracia burguesa.

Os discursos vazios de conteúdo, os programas eleitorais que variam com o vento, ora exigindo uma coisa ou o seu oposto, servem para desviar o alvo. Os dedos não são apontados a quem explora, mas apontam para todos os (outros) lados: são os imigrantes, são os refugiados, são os funcionários públicos, são os velhos, são os jovens, são sempre “eles”, os outros, a raiz de todos os males.

Enquanto isto, as forças políticas que deveriam assumir o papel principal de defesa do povo, dos mais pobres e desfavorecidos, e da dignidade da classe trabalhadora parecem viver numa caverna de privilégio, de compromissos reformistas e de negação da realidade. A esquerda tem sido profundamente incompetente no seu papel, quer confundindo eventuais aliados com os verdadeiros inimigos, quer substituindo a luta de classes por sectarismos ou elitismos intelectuais. E também por isso as pessoas com medo e com raiva não se sentem ouvidas nem representadas e se voltam para quem vocaliza precisamente os seus medos e raivas.

Os movimentos ecologistas e climáticos são terreno propício à propagação do logro perigoso da despolitização, de organizações que recusam o posicionamento nos eixos tradicionais de esquerda e direita, ou do populismo pseudo-anti-sistema que normalmente não passa de extrema-direita encapotada.

Por não se sentirem representadas na discussão pública ou institucional, pela insatisfação justificada com a política partidária tradicional, também as pessoas preocupadas com a emergência climática, com os ecossistemas e com a sobrevivência da humanidade tornam-se particularmente vulneráveis a serem cooptadas pela narrativa do capitalismo verde, que promove o greenwashing e o empreendedorismo tecnopositivista, e que escolhe colocar o ónus de uma pretensa mudança necessária em quem não tem qualquer poder. Reduzida a consumidora, a pessoa paga preços de luxo por palhinhas de inox e escovas de dentes de bambu e pensa exonerar-se de maiores responsabilidades. Ou pior, na versão ecofascista de que os humanos são o vírus, a procriação é crime ambiental e os impostos “verdes” são solução.

Muitas vezes a extrema-direita abraça o negacionismo, recusando as evidências científicas para justificar a inacção perante a crise climática, de forma a perpetuar o status quo dos donos do mundo. Mas com o crescimento mundial de movimentos e mobilizações em prol do ambiente e do clima, a extrema direita está a adaptar-se e a infiltrar-se nestes, com um discurso proteccionista e nacionalista.

A responsabilidade de esclarecer, mobilizar e organizar a resposta é nossa, dos movimentos pela justiça climática.

É indissociável a problemática da emergência climática da crise económica e social, já que a origem é a mesma: um sistema com recursos finitos em que se almeja o lucro infinito. Assim, a verdadeira solução – mudar radicalmente esse sistema – tem forçosamente de ser uma resposta internacionalista, concertada e organizada entre movimentos sociais e trabalhadores, tem obrigatoriamente de ser profundamente politizada, e blindada contra as armadilhas populistas de recusa de compromisso ideológico. Para a humanidade ter uma possibilidade de superar os desafios que nos assombram globalmente, a única resposta possível não será menos do que uma absoluta revolução social e económica.


Andreia Ferreira é activista do Climáximo e delegada sindical

Imagem: OpenClipart-Vectors via Pixabay

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