A nível mundial, cerca de 55% da população vive em cidades. Em Portugal, o número chega a quase metade da população do país concentrada em território urbano. Está previsto que estes números continuem a aumentar nas próximas décadas, décadas essas que coincidem com o aquecer cada vez mais galopante do planeta. Desta forma, é importante que comecemos a pensar não só como é que vamos cortar emissões a partir das cidades de hoje, mas também como é que imaginamos as cidades do futuro: mais justas, verdes e acessíveis.
Um dos maiores problemas das grandes cidades é o tráfego automóvel e todas as suas consequências, nomeadamente, a emissão dos poluentes dióxido de carbono (CO2), óxidos de nitrogénio (NOx) e partículas finas (PM10). Em Portugal, os transportes são responsáveis por 17,2 MtCO2eq, um quarto das emissões de gases de efeito de estufa, 95% dos quais têm como origem o transporte rodoviário. Para além de causarem o efeito de estufa, que leva às alterações climáticas, os poluentes afetam a qualidade do ar, provocando doenças respiratórias e cardiovasculares, como a bronquite asmática ou o cancro do pulmão. Aliás, todos os anos, a poluição atmosférica é responsável por 310 mil mortes prematuras na Europa, mais do que devido a acidentes rodoviários. Outra consequência da circulação automóvel na qualidade de vida é a poluição sonora, que também causa doenças relacionadas com o stress, bem como o tempo perdido no trânsito, devido à enorme quantidade de automóveis em circulação. Segundo o estudo TomTom Traffic Index, de 2018, em Lisboa, os condutores passam, em média, 32% de tempo adicional presos em filas de trânsito, o que equivale a 42 minutos por dia. Isto porque circulam, todos os dias, cerca de meio milhão de carros na capital portuguesa: aos 370 mil automóveis que entram em Lisboa, somam-se os cerca de 200 mil que circulam dentro da cidade. Estes números continuam a aumentar de ano para ano.
Face a estas questões, foram criadas Zonas de Emissões Reduzidas (ZER), nas grandes cidades, que visam restringir progressivamente a circulação aos veículos mais poluentes segundo critérios da qualidade do ar. Os objetivos destas zonas são: acelerar o rejuvenescimento do parque automóvel, reduzir o número de pessoas expostas à poluição atmosférica e encorajar o desenvolvimento de outras mobilidades, como a bicicleta e os transportes públicos que, nestas zonas, devem ser reforçados. A primeira ZER foi criada em 1996, em Gotemburgo, na Suécia e, mais tarde, várias outras cidades europeias implementaram estas medidas, como Madrid, Barcelona, Oslo, Londres, Paris, Pontevedra e Lisboa.
Na capital portuguesa, a primeira zona de acesso condicionado foi criada em dezembro de 2002, no Bairro Alto. Sucedeu-se o bairro de Alfama, em agosto de 2003 e a Bica, em maio de 2004. Estas zonas começaram por restringir a circulação automóvel nos bairros históricos, exceto a moradores e comerciantes e em 2011 foi criada a primeira ZER, composta pela Zona 1 , no eixo Avenida da Liberdade-Baixa no qual só era permitida a circulação a veículos posteriores a 2000 e pela Zona 2, numa zona adjacente e mais ampla onde só podiam circular veículos posteriores a 1996.
A fase mais recente da ZER foi implementada em 2020, no âmbito da Lisboa Capital Verde Europeia 2020. A partir de abril, apenas poderiam circular em toda a ZER, automóveis posteriores a 2000, que representam cerca de 20% do parque automóvel nacional. No entanto, esta medida foi adiada indefinidamente devido aos constrangimentos causados pela pandemia. Desta forma, a CML planeia reduzir a circulação de 40 mil carros por dia e evitar 60 mil toneladas de dióxido de carbono por ano e assim reparar um dos maiores focos de poluição da cidade. O conjunto de medidas na ZER incluem um dístico que os automóveis dos moradores vão passar a exibir para facilitar a fiscalização, com cada morador a dispor de 10 convites mensais para receber visitas, que devem ser comunicadas. Brevemente, fica impedida a circulação de veículos com mais de 7,5ton, com exceção de todos os serviços de transporte público de passageiros, de higiene urbana, de segurança pública de emergência. Existem ainda outras exceções, das quais podemos destacar os veículos funerários em serviço, os carros partilhados e os autocarros de serviços turísticos regulares. Dentro da ZER, os TVDE devem ser 100% elétricos enquanto que os Tuk Tuk serão limitados a 104 viaturas. Quem não cumprir os requisitos, incorre numa infração que será punida de forma equivalente a passar um sinal vermelho, com as mesmas penalizações nos pontos da carta de condução.
Contudo, apesar dos conhecidos problemas de congestionamento do centro histórico, as restrições não reúnem consenso e existe uma oposição à ZER, que recusa rever as suas opções de mobilidade, desprezando as alternativas, como a rede de transportes públicos classificada como “miserável”.
Foi assinada uma petição por cerca de 5.000 pessoas e entregue para discussão no Parlamento, em fevereiro de 2020, defendendo que as ZER irão “estrangular a circulação automóvel em redor do centro histórico e congestionar ainda mais as vias circundantes”. Desta forma, apontam algumas situações onde a aplicação da ZER se pode revelar prejudicial, nomeadamente para fornecedores e empresas que transportem equipamento pesado, valioso ou frágil; idosos e familiares que passam a depender dos 10 convites mensais para receber visitas; famílias com filhos pequenos que têm de se deslocar a pé; e também preocupações relativas à monitorização, por parte do Estado, de todas as movimentações na Baixa de Lisboa.
No entanto, há também quem esteja disposto a manifestar-se a favor das ZER, como aconteceu em Madrid. Em junho de 2019, logo após a tomada de posse, o Presidente da Câmara, Jose Luiz Martinez-Almeida do Partido Popular, apoiado na medida pelo VOX e Ciudadanos, pretendia suspender a ZER conhecida como Madrid Central, introduzida em novembro de 2018, pela sua antecessora Manuela Carmena (Mas Madrid). Milhares de madrilenos saíram às ruas para protestar contra a suspensão, reivindicando que a população deve ser defendida contra os malefícios da poluição atmosférica e que devem ser aplicadas medidas que se comprometam a combater as alterações climáticas. O tribunal deu razão aos manifestantes e a suspensão não teve validade.
A importância das ZER na redução das emissões de poluentes no centro das cidades tem vindo a ser reconhecida por organizações ambientais. No entanto, tendo em conta que devem ser feitas alterações e oferecidas alternativas de qualidade, continua a não ser suficiente. De acordo com a lista SootFree Cities, de 2015, que analisou 23 cidades europeias, Lisboa encontrava-se em penúltimo lugar, entre as que apresentavam pior desempenho no que toca à qualidade do ar, mesmo depois da criação das ZER.
O Climáximo e a Campanha Empregos para o Clima apontam como prioritária uma oferta de alternativas que se complementem num sistema integrado de transportes públicos, apostando fortemente na expansão das redes ferroviárias metropolitanas (metro e comboios suburbanos) suplementadas por uma rede pública de transportes rodoviários elétricos, assim como por opções públicas de mobilidade partilhada, tais como bicicletas. Não existe, portanto, uma solução única, mas sim um conjunto de soluções que podem mudar a forma como nos transportamos e pensamos a cidade, contribuindo para o corte de emissões de 50% que precisamos de realizar até 2030. Todas estas medidas e inovações são, assim, fulcrais para a melhoria da qualidade do ar e, consequentemente, da saúde e qualidade de vida das pessoas que são totalmente dependentes do estado do nosso planeta: escolhemos viver numa Terra habitável ou num caos climático?