📣 ALERTA: A Trustenergy, principal acionista da central do Pego em Portugal, anunciou a sua intenção de converter a unidade de queima de carvão da central para biomassa. Embora a Trustenergy afirme que apenas “resíduos” florestais seriam queimados no Pego, na prática, isso sem dúvida se traduziria em queimar árvores.
🔥 🌳 Os impactes da queima de biomassa para produção de eletricidade em Portugal já são devastadores em termos de perda de qualidade do solo, capacidade de armazenamento de água, biodiversidade e coberto de árvores autóctones. Também é muito provável que grandes quantidades de madeira necessitem de ser importadas dos EUA e de outros países produtores de pellets.
💸 Além disso, a conversão do Pego exigirá um forte subsídio público. A Trustenergy espera ter acesso a milhões de euros do Fundo para uma Transição Justa da UE, o que não pode acontecer.
✉️ Por estes motivos, foi enviada uma carta aberta assinada por nove ONGs ambientais em Portugal e apoiada por mais de 50 grupos a nível internacional para exigir ao Governo Português e à Comissão Europeia que NÃO utilizem fundos públicos para financiar a conversão do carvão para biomassa na central do Pego.
Carta aberta contra a conversão para biomassa na central do Pego
Ao Governo Português e à Comissão Europeia
Numa altura em que são cada vez mais evidentes os impactes da queima de biomassa sobre os ecossistemas, as populações e o clima, a Trustenergy (uma joint venture entre a ENGIE e a Marubeni), principal acionista da Central Termoelétrica do Pego, em Portugal, com uma potência total de 628 megawatts, anunciou a intenção de converter a unidade de queima de carvão para a queima de “resíduos” florestais, mas que, na prática, se traduzirá sem dúvida na queima de arvoredo.
Em condições médias de operação, a central irá gerar cerca de 508 GWh por ano, correspondente a uma necessidade de consumo anual de biomassa de 1,1 milhões de toneladas por ano [1]. Todavia, com a central a funcionar na sua plena capacidade, é muito provável que o Pego venha a necessitar de um valor que poderia aproximar-se das 5 milhões de toneladas de madeira [2]. Neste contexto e em qualquer dos casos, a procura acrescida de matéria-prima ultrapassaria em muito os recursos disponíveis [3].
Pese embora que se alegue apenas vir a queimar “resíduos” florestais na central do Pego, o facto é que, de acordo com as regras atuais da UE, este termo pode incluir qualquer tipo de madeira, sejam resíduos das indústrias da madeira ou arvoredo. Acresce que, para a produção de eletricidade, queimar biomassa florestal residual [4] tem uma enorme ineficiência energética e avultados custos de extração, transporte, armazenamento e no funcionamento dos equipamentos da central. Por isso, o que se encontra na maior parte dos parques das centrais a biomassa ou nas unidades de produção de pellets de madeira não são “resíduos”, mas sim seções de troncos de árvores (toros).
Um dos cenários mais prováveis para o fornecimento de biomassa ao Pego seria a rolaria de eucalipto, situação que aumentaria a procura por madeira desta espécie, em concorrência direta com unidades muito próximas de produção de pasta e papel [5]. O facto tenderia a criar condições para a instalação de novas áreas de monoculturas na bacia hidrográfica do rio Tejo, o que poderia agravar ainda mais os problemas associados aos grandes incêndios. Também exigiria maior pressão sobre as importações de madeira de eucalipto por Portugal, a partir de Espanha, do Uruguai ou de Moçambique, que começará a exportar este ano.
A outra opção provável seria a queima de pellets de resinosas (sem torrefação) no Pego, designadamente a partir de pinheiro bravo, aproveitando a capacidade de produção instalada em Portugal [6], contribuindo para um maior desequilíbrio na taxa de procura já insustentável de madeira de pinho em Portugal. Todavia, com toda a certeza, esta segunda opção levaria à importação de pellets em grandes quantidades, a partir de países como os Estados Unidos e do Canadá, onde a produção de pellets para produção de eletricidade, principalmente na Europa, já causa grandes impactos nas florestas locais.
Qualquer aumento na utilização industrial de arvoredo em Portugal contribuirá, no imediato, para um agravamento da perda de coberto arbóreo, com destaque para as espécies autóctones, já em declínio acentuado no país [7].Os impactes decorrentes da queima de biomassa para a produção de eletricidade são já devastadores em termos de conservação dos solos, da capacidade de armazenamento de água e da manutenção da biodiversidade [8].A possibilidade de se vir a recorrer à sua queima na central do Pego agravaria ainda mais o nível de emissões de gases de efeito estufa, uma vez que a sua utilização não é neutra de forma alguma, porque as emissões associadas são muito piores do que as decorrentes da queima dos combustíveis fósseis [9].
A concretização da conversão da central do Pego exigirá uma forte subsidiação pública e um esforço financeiro acrescido por parte dos consumidores de eletricidade. O financiamento público à queima de árvores para a produção de eletricidade, designadamente através do Fundo para uma Transição Justa e do Plano de Recuperação e Resiliência, poderá vir a servir interesses especulativos e nunca será justo, nem garantirá recuperação económica, muito menos resiliência do território face às ameaças das alterações climáticas e do colapso da biodiversidade.
Importa assim alocar financiamento público no apoio à requalificação e criação de novos postos de trabalho na região, em particular os que possuem ligação à promoção de fontes de energia verdadeiramente renováveis, para compensar uma eventual perda de postos de trabalho com o encerramento da unidade de carvão na central do Pego. O fundamental é, ainda, direcionar a subsidiação pública para apoio aos proprietários rurais, na conservação de habitats e no estímulo à adoção de sistema de produção verdadeiramente sustentáveis.
Pelo exposto, as organizações signatárias apelam ao Governo português e à Comissão Europeia para não viabilizarem o financiamento público à queima de árvores para a produção de eletricidade na central do Pego.
Lisboa, 21 de junho de 2021
As organizações signatárias,
ACRÉSCIMO – Associação de Promoção ao Investimento Florestal | ANP – WWF Portugal | CLIMÁXIMO | FAPAS – Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade | GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente | Greve Climática Estudantil | IRIS – Associação Nacional de Ambiente | QUERCUS – Associação Nacional de Conservação da Natureza | ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável
Notas adicionais:
[1] De acordo com a “Avaliação do ciclo de vida da geração de eletricidade numa central termoelétrica a carvão convertida para biomassa florestal”, de Tobias de Jesus Prudêncio Pereira (Universidade de Coimbra, 2019).
[2] Equivalente a cerca de 2,6 milhões de toneladas de pellets assumindo 8.000 horas de operação por ano e uma eficiência de 38%.
[3] De acordo com o relatório de 2013 elaborado pelo Parlamento Português, para a produção de biomassa florestal residual em Portugal é apontado a disponibilidade potencial anual de 2.2 milhões de toneladas, um valor que merece especial atenção para contrariar os efeitos de uma sobre-exploração da biomassa, de forma a que seja assegurada a sua renovação. O consumo efetivo de biomassa florestal residual para energia, em 2013, já era estimado acima dos 3 milhões de toneladas anuais, entre a queima para energia e a produção de pellets de madeira. Apesar disso, só em 2016 e 2017 foram atribuídos licenciamentos a 8 centrais termoelétricas de biomassa com a potência superior a 150 megawatts, o equivalente a uma necessidade de biomassa florestal residual próxima dos 2 milhões de toneladas anuais. Por outras palavras, a sobre-exploração da biomassa tornou-se mais evidente, o que coloca ainda mais em causa a sua capacidade de renovação.
[4] Nos espaços florestais não se produzem “resíduos”. A atividade silvícola gera sim sobrantes, matéria orgânica que pode ter várias utilizações. Entre elas, os sobrantes da atividade silvícola e da exploração florestal constituem um excelente fertilizante orgânico, sobretudo, depois de triturado ou estilhaçado. Este é um uso primordial num país de solos maioritariamente pobres em matéria orgânica. Outro uso, no plano estritamente local, é a produção de calor, nomeadamente para aquecimento de infraestruturas sociais ou de unidades do sector agroalimentar.
[5] Há que ter em consideração que a região onde está instalada a central do Pego tem já instaladas unidades da indústria de celulose e papel (Constância e Vila Velha de Ródão), algumas unidades de transformação de madeira serrada (Sertã) e de produção de lenha, bem como unidades de queima de biomassa para eletricidade (Fundão) e de produção de pellets de madeira (Oleiros, Proença-a-Nova, Coruche). Assim, a eventual conversão de carvão para a queima de árvores na central do Pego irá agravar substancialmente a pressão sobre os espaços arborizados da região, fazendo aumentar drasticamente a procura por madeira.
[6] De acordo com um estudo internacional, Portugal é o quarto maior fornecedor de pellets de madeira à reconvertida central termoelétrica de Drax, no Reino Unido, com uma potência instalada de 4000 megawatts.
[7] De acordo com dados do Banco Mundial, a taxa de cobertura florestal em Portugal diminuiu de 37,15% em 1990 para 36,16% em 2018, admitindo uma ligeira recuperação entre 2010 e 2015 de 0,65%.
[8] De acordo com um recente relatório da OCDE, Portugal é o quarto país membro e o segundo da União Europeia com a maior perda relativa de áreas naturais e seminaturais registada entre 1992 e 2018.
[9] Ver em ”Letter Regarding Use of Forests for Bioenergy”, de 11 de fevereiro de 2021.
Open letter against the Pego power station coal-to-biomass conversion
To: The Portuguese Government and the European Commission
At a time when the impacts of biomass burning on ecosystems, communities and the climate are increasingly clear, the main shareholder of the 628MW Pego power station in Portugal, Trustenergy, has announced its intention to convert the power station’s coal burning unit (due to close in November 2021) to burning forest “residues”. In practice, this would undoubtedly translate into burning trees.
Under recent operating conditions (around 10% of capacity) a conversion would require 1.1 million tonnes of green wood annually [1]. However, with the plant operating at full capacity, Pego would need closer to 5 million tonnes of biomass [2]. In either case, the increased demand for raw material would far exceed available resources [3].
Although Trustenergy (a joint venture between ENGIE and Marubeni) claims that only forest “residues” would be burned at Pego, the fact is that under current EU rules this term can include any type of wood, whether waste from industrial operations or whole trees. On top of this, burning residual forest biomass to generate electricity [4] is hugely inefficient and involves considerable cost in terms of its extraction, transport and storage, and the operation of the plant’s equipment. Because of this, what is found in the storage yards of most biomass power stations and wood pellet factories in Portugal is not “residues”, but sections of tree trunk (roundwood).
If converted, one of the most likely feedstocks for Pego would be eucalyptus logs, which would increase demand for it in direct competition with a number of near-by pulp and paper mills [5]. This would likely lead to the expansion of eucalyptus monocultures in the Tagus river watershed, which could in turn aggravate Portugal’s problems with large fires. It would also require Portugal to import more eucalyptus from countries such as Spain, Uruguay or Mozambique, which will begin exports this year.
The other likely option would be burning wood pellets produced from pine trees, using existing production capacity [6], and which would contribute to an even greater imbalance in the already unsustainable harvest rate of pine in Portugal. This second option would certainly also lead to large quantities of pellets being imported from countries such as the United States and Canada, which already produce pellets for electricity generation elsewhere in Europe, and which has major impacts on forests there.
Any increase in the industrial burning of trees in Portugal will immediately contribute to an increased loss of tree cover, particularly of native pines, which are already in sharp decline in the country [7]. The impacts of biomass burning for electricity generation in Portugal are already devastating in terms of loss of soil quality, water storage capacity and the maintenance of biodiversity [8]. Also, rather than being carbon neutral, switching to burning biomass at Pego would increase carbon in the atmosphere since the emissions associated with it would be much worse than the fossil fuels it replaces [9].
Converting Pego will require strong public subsidy and an increased financial burden on electricity consumers. Trustenergy has indicated that it will seek public support for burning trees to produce electricity through the Just Transition Fund and Recovery and Resilience Plan. Whilst this may serve the speculative interests of the company, it could never be just or guarantee economic recovery, and it would certainly not increase Portugal’s resilience to the threats of climate change and the collapse of biodiversity.
It is however important to allocate public funding to support retraining and the creation of new jobs in the region, prioritising truly renewable energy sources, and to compensate for any job losses associated with the closure of the coal plant at Pego. It is also key to direct public subsidy towards supporting rural landowners, to help them conserve habitats and encourage truly sustainable management practices.
For these reasons, the undersigned organisations appeal to the Portuguese Government and the European Commission not to use public funds to finance a coal-to-biomass conversion at Pego power station.
Lisbon, June 21th, 2021