Delta do Okavango – uma grande reserva natural, não uma grande reserva de petróleo
O delta do Okavango é uma das regiões mais singulares do mundo.
Com nascente no planalto de Benguela, em Angola, a água do rio Cubango e seus afluentes, entre os mais conhecidos, o rio Cuíto corre até ao Botswana, onde o denominado, rio Okavango desagua nas planícies do deserto do Kalahari, formando o maior delta interior do planeta. É reconhecido como uma das sete maravilhas naturais de África (!), um lugar mágico, que é palco de um dos espetáculos naturais mais belos do planeta quando cerca de 300.000 grandes mamíferos se juntam, principalmente, a partir da primavera, época em que a chuva nos planaltos de Angola alimenta as cheias do delta, trazendo vida aquela região do deserto do Kalahari.
O delta já ameaçado pela pressão humana enfrenta agora uma nova ameaça. Entre a faixa de Caprivi, no nordeste da Namíbia (mapa 1) e o noroeste do Botswana, na zona do delta do rio Okavango, surge no horizonte a exploração de petróleo por fracking. A recente disseminação dos processos de exploração não convencionais de hidrocarbonetos, levou a que fossem entregues largas parcelas do território da Namíbia para a sua exploração (mapa 2). A referida concessão foi adquirida pela empresa canadiana ReconAfrica, cujas ações subiram em bolsa devido às estimativas, que apontam que essas reservas de petróleo possam ser as segundas maiores reservas onshore do mundo – 120 mil milhões de barris de petróleo, embora de exploração mais cara. Portanto esta não seria uma exploração pacífica. Segundo os cálculos da Fridays for Future Widhoek (Namíbia), este petróleo pode equivaler a 1/6 do orçamento restante de carbono para o mundo inteiro.
Mapa 1 – faixa de Caprivi e delta do Okavango
Mapa 2 – concessões de combustíveis fósseis na Namíbia
Por isso, este mês de Junho, um grupo de 185 organizações da sociedade civil, com uma forte participação de organizações do Canadá, da Namíbia e Botswana, assinaram uma carta endereçada ao governo canadiano acusando a ReconAfrica de colocar em perigo os “direitos humanos, os direitos dos indígenas, a água potável, o clima e um ecossistema sensível”. (Ligação nas referências)
Os factos dizem-nos que a Namíbia é “o país mais seco a sul do Sahara” e que 1 milhão de pessoas podem ter o seu acesso à água comprometido pelos fluídos químicos emitidos pela exploração por fracking, deixando as comunidades locais preocupadas com as gerações futuras. Adicionalmente, os governos da África Austral assumem um modelo de desenvolvimento em que apostam em exportar recursos energéticos não renováveis, dotando-se de infraestruturas caríssimas para o efeito, que entre outros problemas, inibem o investimento em energias renováveis. Esta questão é um tanto quanto chocante, pois tanto a Namíbia como o Botswana são países em que uma grande fatia da população não tem acesso a energia elétrica, respetivamente, 45% e 35%. Mas, ainda assim, foi assinado um memorandum entre estes dois países para a construção de uma linha de caminho-de-ferro de 1.500 km entre as minas de Karoo Kalahari, no Botswana e o porto de Walvis Bay na costa atlântica da Namíbia, que terá o custo de 15.000 milhões de dólares e terá capacidade para entregar 100 milhões de toneladas de carvão por ano (MTPA). Embora ainda espere por investidores, sabe-se que se for construída, esta infraestrutura pode ter graves consequências na saúde pública dos habitantes da região e poderá tornar o Botswana num dos principais exportadores de carvão a nível mundial – cerca de 10% da produção (ao nível da Colômbia ou África do Sul).
Posto isto, os próximos anos devem ser de luta contra estes projetos, numa época em que é cada vez mais evidente a tomada de consciência que as Alterações Climáticas ameaçam as condições de vida no planeta das gerações futuras. Seguir o mesmo modelo de desenvolvimento que as potências do Norte Global, parece não ser a solução para o problema da falta de eletrificação das vastas regiões de África onde habitam cerca de 16% dos humanos do planeta, mas que consomem apenas 6% da energia. Os recursos renováveis e a produção descentralizada apresentam vários benefícios dado o clima da região e as particularidades das zonas remotas. No entanto, sublinhamos a importância do Paris Equity Check que atribui as responsabilidades no corte de emissões proporcionais às emissões históricas de cada país. Ainda assim, sabemos que existem comunidades que não querem desenvolver-se à conta de mais emissões e que estão dispostos a lutar, connosco, contra qualquer infraestrutura de combustíveis fósseis.
Estas reservas de petróleo devem ficar no subsolo pois para além do risco climático apresentam um risco existencial para a vida selvagem singular do delta do Okavango. Muitas espécies que frequentam este habitat encontram-se na lista das mais ameaçadas do planeta e a extinção é irreversível. Entre as espécies mais conhecidas, contam-se: chitas, rinocerontes brancos, rinocerontes negros (agora, oficialmente extinto), cães selvagens africanos, leões, 400 aves (algumas em perigo de extinção) e a maior das manadas de elefantes africanos do mundo. Esta biodiversidade constitui uma fonte de riqueza para as comunidades que recolhem os benefícios do ecoturismo e dos safaris, alimentando ainda toda uma série de projetos de conservação e de desenvolvimento regional.
Para além disto, existem outros focos de interesse nesta região. Aqui, é a casa do grupo indígena mais antigo do mundo, os San. As pinturas em Tsodilo Hills, herança cultural dos San, foram retiradas recentemente da concessão, depois do protesto conjunto da Frack Free Namíbia e Botswana e da Fridays for Future Widhoek, a 10 de dezembro de 2020.
Posto isto, vemos que a sensibilidade ambiental não só não chega a todos, como ainda há pessoas dispostas a arruinar os maiores tesouros da Terra em nome do lucro. É um dever da Humanidade proteger, por todos os meios, os santuários da biodiversidade e, portanto, denunciamos este atentado e levantamo-nos, uma vez mais, contra a exploração de combustíveis fósseis por fracking. Nos tempos em que vivemos, é um dever urgente revolucionar a forma como nos relacionamos com a natureza e por isso, enquanto sociedade devemos rejeitar práticas comuns como: a mineração, a caça, a desflorestação, a poluição ou as emissões… e encarar o futuro como um lugar de partilha com os animais e restantes seres vivos.
Decididamente, o delta do Okavango é um dos locais mais emblemáticos do mundo pois revela-nos, acima de tudo, o movimento constante das forças da natureza, representado na migração de milhões de animais selvagens, que aí se estabelecem, todos os anos, há milénios, no preciso momento em que as águas do rio inundam as planícies do delta.
Juntos vamos conseguir que a ReconAfrica deixe de incomodar os habitantes do delta. Juntos vamos tornar a Terra verde de novo!
Fontes relevantes:
Referências:
Petição:
https://www.change.org/p/200000-stop-the-plans-to-drill-and-frack-in-okavango-delta
Movimentos de defesa do delta do Okavango:
https://savetheokavango.com/discover-the-region/
Documentário sobre fracking no Botswana (Alliance Earth):
The high cost of cheap gas: https://www.youtube.com/watch?v=qUVjs0b49o4
Notícias:
Filmes sobre o delta do Okavango:
https://films.nationalgeographic.com/into-the-okavango
https://www.rtp.pt/programa/tv/p38547/e3