Organizações portuguesas e moçambicanas denunciam a Navigator, no momento em que chega a Portugal o primeiro carregamento de eucalipto moçambicano

Lisboa, 14 Julho de 2021 — O primeiro carregamento de toros de eucalipto que chegou a Aveiro proveniente do porto da Beira, em Moçambique, foi recebido com fortes críticas por grupos moçambicanos e portugueses, apoiados por coligações internacionais. A madeira provém de plantações de eucalipto exploradas pela Portucel Moçambique, subsidiária da empresa Navigator, e será utilizada nas fábricas de pasta e papel em Portugal. Outros dois carregamentos são esperados este ano, com total de 100.000m3 de madeira.

À Portucel Moçambique foram atribuídos 356 mil hectares de terra nas províncias de Manica e Zambézia, no centro de Moçambique, para estabelecer plantações de eucalipto, o que é mais de três vezes a área que a Navigator Company controla em Portugal. Até agora, apenas 13.500 hectares foram plantados, mas já um grande número de comunidades acusou a empresa de violar seus direitos. [1]

Anabela Lemos, directora de Justiça Ambiental em Moçambique declarou: “A Portucel Moçambique afirma que as suas plantações estão a melhorar as condições de vida das comunidades rurais e a trazer desenvolvimento económico para Moçambique. Na realidade, este projeto neocolonialista está a usurpar terra e meios de subsistência a milhares de famílias camponesas, deixando as mesmas sem opções de vida. Enquanto as famílias camponesas perdem tudo que de mais valor tem a Portucel exporta madeira de baixo valor por mais de 11.000 km para abastecer as fábricas da Navigator em Portugal e ainda afirma que está a contribuir para o desenvolvimento das mesmas. As promessas feitas às comunidades de empregos, vidas melhores e infraestrutura aprimorada foram todas quebradas.”

ONGs a trabalhar em Moçambique, Portugal e internacionalmente apelaram ao governo moçambicano para revogar as concessões de terras da Portucel Moçambique devido aos impactos negativos que as plantações estão a ter na subsistência e segurança alimentar das comunidades agrícolas rurais nas áreas que foram plantados. Em todas as áreas de concessão, 24.000 famílias podem ser impactadas pela futura expansão da plantação.

Paula Silva, de Quercus em Portugal declarou: “O modelo de plantação de eucalipto em Portugal está a ser exportado com grande custo para as comunidades e a biodiversidade em Moçambique. Não queremos que a Navigator Company reproduza o impacto que teve em Portugal, em Moçambique ou em qualquer outro lugar, onde décadas de influência sobre os políticos conduziram à desregulamentação do sector florestal e enormes impactos no ambiente.”

João Camargo, do colectivo pela justiça climática Climáximo, recorda que “as práticas da The Navigator Company mimetizam o modelo extractivista baseado na manutenção das lógicas do colonialismo, em que os países africanos são tratados como uma mina, onde tudo se extrai a baixo custo com enorme prejuízo para o povo moçambicano e ricas recompensas para os accionistas das multinacionais. Além disso, apesar do enorme esforço de publicidade, as plantações florestais industriais não são uma solução para a crise climática, não são florestas e têm um só objectivo: produzir lucro, mesmo que isso implique a destruição de florestas nativas, solos, águas e comunidades. Esse é o modelo de negócio das celuloses, o modelo capitalista de saque.”

As ONGs apelaram também ao Banco Mundial para retirar o seu apoio financeiro às plantações da Portucel. A International Finance Corporation, propriedade do Banco Mundial, controla cerca de 20% das ações da Portucel Moçambique, e o Forest Investment Program, outra iniciativa do Banco Mundial, está a ajudar a financiar a plantação dos primeiros 40.000 hectares. Isso foi incluído na promessa de Moçambique de “restaurar as florestas” sob o “Bonn Challenge” e a Iniciativa de Restauração da Paisagem Florestal Africana (AFR100), que foram lançados juntamente com a assinatura do Acordo de Paris da ONU em 2011.

Kwami Kpondzo, coordenador regional da África para o Global Forest Coalition declarou: “O Banco Mundial está a dar à Portucel milhões para plantar eucalipto em Moçambique sob o falso pretexto de que a florestação com plantações pode ajudar a resolver as alterações climáticas. O oposto é verdade. A conversão de florestas e terras agrícolas em plantações liberta grandes quantidades de carbono. Além disso, a madeira é enviada a milhares de quilómetros apenas para ser transformada em produtos de papel de vida curta, como papel de escritório, higiênico e embalagens de supermercado, ou queimada para gerar eletricidade nas fábricas de celulose do Navigator.”

Sergio Baffoni, activista da Environmental Paper Network, disse: “As plantações de celulose planeadas pela Portucel Moçambique transformaram-se num bumerangue para as comunidades locais e para o ambiente. As plantações espalharam-se pelas terras das pessoas e por algumas das últimas florestas de miombo remanescentes, causando poluição, erosão do solo, perda de biodiversidade, aumento dos riscos de falta de água e incêndios florestais numa área já sujeita à seca.”

 

Notas:

[1] Veja: https://wrm.org.uy/wp-content/uploads/2017/04/Portucel_O_Processo_de_acesso_%C3%A0_Terra_e_os_direitos_das_comunidades_locais.pdfhttps://environmentalpaper.org/wp-content/uploads/2017/11/171117-Discussion-Document-Portucel-Report-2017-Portuguese.pdf e https://globalforestcoalition.org/fc63-pt/#mozambique

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