Organização, ativismo, liderança – André Leal

O formulário de inscrição para o curso ULEX estava escrito… Mas a dúvida se realmente me queria comprometer com algo que implicaria um novo e maior grau de envolvimento com o Climáximo impedia-me de o enviar de imediato. Mas acabei por enviar e, sei agora, por me colocar no sítio certo para quem quer dedicar uma boa parte da sua vida ao ativismo e, mais que isso, para conseguir transformar o ativismo em militância, que acho ser a palavra que melhor descreve a função que temos que adotar para podermos alcançar a revolução.

E, curiosamente, essa minha tentativa de sair da zona de conforto foi logo abordada no início do curso ULEX Leaderful Organizing & Active Solidarity: Os sentimentos associados à zona de aprendizagem, a inércia de permanecer na zona de conforto e os riscos de deslizar para a zona de pânico. Obviamente que esta coincidência (que na realidade não deve ser coincidência nenhuma pois claramente as formações estão muito bem pensadas) me validou relativamente aos sentimentos que vinha tendo desde a inscrição e me motivou para o resto do curso: Estava na zona de aprendizagem, pelo menos durante aquela semana, e deveria tirar proveito disso.

Mas para ficarmos nesta zona de aprendizagem, sem derrapar para a zona de pânico, precisamos de estar num espaço em que tomemos conta uns dos outros, ou seja, um espaço corajoso: onde possa haver controvérsia mas com respeito, onde as pessoas se ouçam para perceberem as ideias dos outros em vez de fazer assumpções, onde não seja criado dano para outros com intenção, onde as situações que afetem negativamente alguém sejam discutidas e trabalhadas e, sobretudo, onde abunde a solidariedade, entre outras características que têm que ser constantemente verificadas para que esse espaço se possa ser chamado corajoso. Então pus-me a pensar se aquele grupo e, principalmente, se o Climáximo eram SEMPRE espaços corajosos.

Ainda nesse dia, sem me deter sobre todos os temas aprendidos neste texto, foi desconstruído o pensamento colonial e, com base nisso, demonstrado como os sistemas de opressão se podem verificar em vários níveis, nomeadamente em organizações que ativamente não encontram formas para lidar com ele e os combater. Será que lidámos sempre da melhor forma quando nos deparámos com situações de opressão? Será que o nosso pensamento está totalmente descolonizado?

Saí deste primeiro dia totalmente convencido, porém, as dúvidas eram mais que as certezas: Será que, entre os 4 climaxistas, iria haver um acordo mínimo? Será que, em caso afirmativo, iríamos conseguir ter o acordo do resto do Climáximo para propor mudanças? E que mudanças iríamos propor?

O incómodo na barriga, a vontade de voltar para casa e as soluções de saída simples continuavam a tentar-me. Queria voltar para a zona de conforto, mas já sentia que não podia desperdiçar o que me estava a ser oferecido.

Os dias foram correndo até que nos foi apresentado o modelo das margens e mainstream. Foi claramente o modelo que mais impacto teve em mim durante todo o curso, pois descrevia (e descreve) bem a minha posição no Climáximo até ao momento: a margem. Posteriormente a minha reflexão pessoal sobre este tema mudou ligeiramente, mas no momento da apresentação encarei claramente as características gerais atribuídas às margens e mainstream como algo que me descreve não só a mim, como, penso eu, à maior parte das pessoas no nosso coletivo.

Características ou sentimentos como isolamento, falta de confiança e não se sentirem incluídos no processo de decisão seriam associados às margens e sentirem-se em casa nas reuniões, falarem de forma confiante ou assumirem certos pensamentos/atitudes como normais, ainda que os mesmos não sejam discutidos ou explicados, seriam comportamentos, características ou sentimentos associados ao mainstream.

Nestes primeiros dias as minhas reflexões não eram partilhadas com as climaxistas que me acompanharam: a Alice, o Diogo e o António. Estavam a fervilhar na minha cabeça que tentava desesperadamente identificar, analisar e encontrar soluções práticas para o que há a melhorar no Climáximo.

É nesta altura que chega o dia de reflexão, exatamente a meio do curso. Perante o desejo compreensível da parte das outras climaxistas de discutir as aprendizagens até então e tentar adequar à situação específica do Climáximo, preferi refletir mais uma vez sozinho. Entendo que era compreensível pela parte das minhas camaradas porque todas estavam com limitações enormes de tempo disponível após a formação terminar, nomeadamente por causa da organização do Vamos Juntas, porém, achei que precisava de dizer não e alinhavar as ideias na minha cabeça antes da necessária discussão com elas. Após a minha reflexão, na aldeia
abandonada de Claramunt, a poucos km de Eroles, retornei para me reunir com as outras climaxistas. E foi aí, pela primeira vez, que percebi que muitas das minhas questões, críticas, observações eram partilhadas pelas 3 pessoas que eu achava estarem no mainstream e que, por isso, teriam uma visão completamente diferente da minha. Foi claramente o ponto de viragem da minha jornada. Apesar de nunca ter resvalado para a zona de pânico durante o curso, pela primeira vez senti que já não queria voltar a correr para Lisboa: estava ali com o mesmo objetivo que as minhas camaradas, estava integrado no grupo de formação e, além disso tudo, a comida e as paisagens eram ótimas! 🙂

Nos dias subsequentes ocorreu a última revelação que me impactou fortemente, e desta vez mais a nível pessoal: a descrição dos tipos de comportamento de liderança. Após um exercício que mexeu com as emoções de muitas das participantes, incluindo-me nesse grupo, percebi que, ainda que o coletivo deva ter sempre a função de olhar e cuidar das suas ativistas, quer estejam no mainstream, quer nas margens, convém sempre que a ativista tenha a noção que o seu comportamento também é percebido pelo coletivo e que convém sempre comunicar da forma mais eficaz possível. Foi com base nessa aprendizagem que passei a tentar perceber como se interligavam, no meu caso pessoal, o que eu dava ao coletivo e o que o coletivo me dava a mim. Continuo a achar que há fatores extra que limitam uma certa integração (a idade num coletivo muito jovem, por exemplo), porém, percebi que terei que ser mais claro, mais proativo e menos expectante, a fim de poder contribuir da forma que desejo e que o Climáximo mais precisa.

Por isso, após uma semana intensa a nível de emoções, aprendizagens e de conhecer ativistas de toda a Europa, sinto que tenho em mim um pouco mais das características que o Climáximo precisa para as suas ativistas, esperando ainda que, juntamente com as minhas camaradas de curso, possamos ajudar as outras climaxistas a sentirem o mesmo e, principalmente conseguir propor e implementar melhorias para o coletivo.


Texto escrito em seguimento do curso Leaderful Organizing & Active Solidarity no Ulex, em Novembro de 2021.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Facebook
Twitter
Instagram
RSS
Flickr
Vimeo
Climáximo