No dia 24 de Novembro de 2021, alguns membros do Climáximo marcaram presença no encontro com o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), na biblioteca do RDA.
Para quem assistiu a toda a sessão, foi presenteada com uma palestra detalhada sobre a revolução Zapatista e a sua Luta, que a todos nos torna humildes, mas ao mesmo tempo nos motiva grandemente, por ser um caso de sucesso.
Contaram-nos a história dos povos, agora zapatistas, desde há 200 anos até aos dias de hoje.
Viviam num estado de praticamente feudalismo, onde os latifundiários abusavam de e exploravam os servos (não eram trabalhadores porque não recebiam salário). Para tentarem melhorar as condições de vida tentaram a via institucional, até que perceberam que estavam a dialogar com um sistema onde o juíz, o polícia, o militar, etc. eram no fundo a representação dos seus chefes latifundiários, capatazes, e restantes opressores do sistema. Além disso, chefes das delegações eram ou corrompidos, ou, quando eram íntegros e mais aguerridos, encarcerados.
Compreendendo que não mudavam nada por essa via, criaram um movimento revolucionário e anti-sistema.
Um grupo de apenas 6 pessoas foram para a selva na montanha, onde declararam: Nós somos o Exército Zapatista de Libertação Nacional!, começando imediatamente a recrutar. Este processo durou cerca de um ano e quando contabilizaram o número de recrutas, tomando consciência que já eram bastantes, começaram a comprar armamento. Iniciaram treinos militares ao mesmo tempo que continuaram o recrutamento. As recrutas eram tanto homens como mulheres, visto os homens não conseguirem esconder que estavam a ter estes treinos, das suas companheiras. Passado algum tempo fizeram um inquérito popular, para confirmarem se o povo queria a guerra ou não. A decisão foi unânime.
Começaram então a investir mais seriamente na formação e na compra de equipamento, ao mesmo tempo que evniaram batedores para procurar locais com água potável e condições para habitação. Criaram uma base, que funcionava como centro de decisões políticas. Um traidor revelou a sua localização e o governo enviou cerca de 60.000 militares para a destruir, com sucesso. Contudo, sofreram baixas pesadas em fogo cruzado, tendo morrido apenas um guerrilheiro zapatista. Como resposta, construíram esta base num novo local, mas criaram mais quatro novas.
Após este incidente foi declarada a guerra, que se iniciou em 1994. Declararam 34 municípios em Chiapas, como autónomos e acreditaram que o resto do povo mexicano se levantaria contra o governo. No entanto esta foi a altura do tratado NAFTA1, entre EUA e México, e muita gente foi enganada com o mesmo, acreditando que as suas condições de vida iriam melhorar. Ao mesmo tempo o governo fez a habitual resposta reaccionária, baseada em propaganda, mentira, violência, traição e assassinatos. Tentaram descridibilizar os zapatistas, alegando que eram uns poucos índios manipulados de fora (Guatemala, etc.). Criaram grupos paramilitares, constituídos por membros dos povos irmãos dos zapatistas, funcionando como iscos para retaliação por parte dos zapatistas e consequente justificação moral, por parte do governo, para atacar as comunidades indígenas revolucionárias. Mas zapatistas não atacaram povos irmãos e esse plano falhou. Apesar de, durante a guerra, terem destruído alguns municípios, não conseguiram destruir uma ideia já implantada na mentalidade zapatista. A de que autonomia é possível. O governo criou acessos e infraestruturas (que não existiam antes), mas estes tinham apenas objetivos militares ou de propaganda, e nunca a preocupação com a vida da comunidade local.
A autonomia em si surgiu como necessidade, visto que os professores que existiam fugiram, bem como médicos, etc., e portanto tiveram de enveredar por este paradigma.
Quanto às decisões políticas, todas eram feitas por consenso, em democracia popular. Cada centro de decisões políticas tem um governo próprio, que é eleito por sufrágio direto e público ou por voto secreto, e tem uma rotatividade constante, podendo ser deposto a qualquer momento, tal como qualquer membro deste governo. Todas as decisões são feitas por unanimidade. Este é um trabalho onde se serve o povo e não a si mesmo, e como tal, não se recebe dinheiro pelo mesmo. Tal como não é gasto dinheiro em campanhas.
Além disto têm um grupo de vigilância/auditoria do governo. Os membros deste grupo são nomeados pelo povo. Todas as decisões e movimentos monetários são reportados a este grupo, que tem uma rotatividade de 3 meses, 6 meses ou 1 ano, consoante o centro de decisões políticas. Existe também uma comissão de informação, que ajuda e apoia quem está num papel de governação, se for necessário. Todas as ideias das equipas de governação são discutidas internamente, e depois de validadas, apresentadas na assembleia geral dos povos. As decisões do governo são sempre coletivas. Por isso se chamam governos coletivos.
Estes métodos são bastante anteriores aos zapatistas, tendo a sua origem na tradição indígena.
Relativamente a justiça, as penas são normalmente trabalho coletivo, existindo sempre aceitação por parte do culpado e da vítima. Naturalmente não existe dinheiro envolvido, portanto não existe a possibilidade de alguém com maior poder monetário ter um julgamento a seu favor. Os problemas judiciais são revolvidos localmente, normalmente. Um exemplo de uma decisão judicial é quando um membro de governação rouba dinheiro. Pode ser corrigido, destituído, obrigado a devolver o que roubou ou a sofrer outro castigo, se essa for a decisão do povo. Estas consequências não são necessariamente exclusivas.
Estes revolucionários criaram movimento autónomo e anticapitalista, onde existe igualdade de género e total paridade, com preocupação pela terra que trabalham e pela Terra, onde existe verdadeira democracia popular e participação coletiva de todas. E por isso guerrearam o sistema.
Fica aqui a minha vénia.
Resistência e rebeldia!
Nota: Lamento se algo posso ter ficado Lost in Translation pois a conferência foi dada em Castelhano, que não é a minha primeira língua. Mas também não é a deles, visto pertencerem todos a comunidades indígenas originais.
NAFTA: tratado de comércio “livre” entre EUA, Canadá e México. Efetivo desde 1 de Janeiro de 1994 (Substituído pelo USMCA em 2020, que é similar e com alterações mínimas). Este dia foi precisamente quando foi declarada a guerra contra o estado mexicano. Uma das cláusulas deste tratado era a remoção do Artigo 27, artigo histórico da constituição mexicana e filho da revolução de Emiliano Zapata. Este artigo diz precisamente que as terras indígenas não estão disponíveis para venda ou privatização.
Inspirador! Meia dúzia de pessoas podem fazer muita diferença!
A luta do povo zapatista, apesar de silenciada, pela subtil censura do capitalismo, demonstra ser possível mudar de vida – como escreveu e canta José Mário Branco, nascido no Porto e mais vivo que morto – desde que saibamos o que queremos, estejamos empenhados e determinados em unir, organizar, mobilizar e lutar, contra um sistema opressor e explorador. A negociação com o opressor só nos enfraquece, desmobiliza e torna-nos seus cúmplices.