Seca Extrema: Uma das Facetas do Colapso Climático – Leonor Canadas

Portugal atravessa atualmente um período de seca, que afeta todo o país1. O IPMA relatou que, a 15 de Fevereiro, 91% do território estava a nas classes de seca severa e extrema2.

Há 17 anos que Portugal não observava semelhante extensão do território em seca grave nesta altura do ano3. Contudo a redução dos recursos hídricos já é constatada ao longo de, pelo menos, as últimas duas décadas. As previsões apontam para que este cenário se agrave, sendo provável que se venham a registar, até ao final do século, reduções, no Alentejo e Algarve, de 49% e 29% no volume de água dos rios e na precipitação, respetivamente4. Isto significa o aparecimento de um deserto a sul do Tejo.

A crise hídrica é uma das facetas do colapso climático, de um sistema capitalista dirigido pelas mãos invisíveis de grandes corporações, da inação dos nossos sucessivos governos, e da ausência da integração das constatações da ciência climática nos seus programas políticos, assim como do uso indevido de água para produção agrícola em modelos intensivos não-ecológicos.

O mediterrâneo é uma das regiões do mundo que será mais afetada pelas alterações climáticas e Portugal é um dos países europeus já mais afetados por eventos climáticos extremos5. Os efeitos já se fazem sentir, e os culpados continuarão a encher os bolsos, enquanto as populações sofrerão as consequências.

Para além das repercussões mais facilmente dedutíveis, como a redução dos caudais dos rios, do nível das barragens e da disponibilidade de água para a agricultura, e até para consumo humano, a seca prolongada tem outras consequências. O preço da água aumenta, mas aumenta também o preço da eletricidade, devido às restrições na produção de energia em barragens6. Os pastos secam e torna-se mais caro alimentar os animais devido à necessidade de comprar rações. As culturas de sequeiro sofrem. A vegetação espontânea não floresce, impactando a vida dos insetos, e pondo em causa a polinização de árvores de fruto e outros produtos alimentares.

Fazer face a esta crise implica primeiro que tudo travar a emissões de gases com efeito de estufa, já. Os planos apresentados pelo governo PS (nomeadamente o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 e o Plano Nacional de Energia e Clima 2030) concretizam-se num esgotamento, nos próximos 5 a 14 anos do orçamento de carbono nacional, e, portanto, são claramente insuficientes e falharão em travar esta crise7.

É também necessário aumentar a eficiência de uso dos recursos hídricos em todos os setores da economia. Isto é, priorizar o uso de água para consumo e produção de bens essenciais, como alimentos, e fazer cortes no consumo hídrico em indústrias poluentes e com consumos elevados de água.

Simultaneamente precisamos de planear e preparar-nos para situações de seca prolongada e extrema. Isto passa em parte pelo investimento em sistemas agrícolas resilientes, diversificados, eco eficientes, e adaptados às condições edafo-climáticas atuais e futuras. Para garantir resiliência do sistema agroalimentar é extremamente importante fomentar o uso e investimento no pequeno regadio, aumentando a capacidade de captação, armazenamento e conservação local das águas da chuva.

Atualmente, no Alentejo, por exemplo, apenas 15% da superfície agrícola é de regadio. Contudo, a área sob regadio do Alqueva corresponde a 120 mil ha, altamente concentrados no espaço, e na mão de grandes empresas. Segundo os dados de 2020 da EDIA8, 57% da área de regadio do Alqueva está atualmente destinada à produção de olival em regimes intensivos e superintensivos, e 13% são áreas de amendoal intensivo. Há uma monopolização da terra e da água, com impactos ambientais e socio-económicos.

O plano que o sistema capitalista oferece para fazer face à falta de água é de construir um “novo Alqueva” no Ribatejo. O Projeto Tejo, como é denominado, pretende construir 4 novos açudes e 2 novas barragens nas zonas de Vila Franca de Xira até Abrantes, de forma a expandir a área de regadio intensivo em 200 mil hectares na região hidrográfica do Tejo e das ribeiras do Oeste. Para além dos enormes impactos ambientais deste tipo de projeto, este vai contribuir para a redução artificial do preço da água nas áreas abrangidas pelo perímetro de rega, o que pode fomentar o uso ineficiente e intensivo de recursos hídricos, assim como a concentração da propriedade da terra. A este juntam-se projetos de expansão de monoculturas agrícolas, que se apropriam de forma desigual dos recursos hídricos, deixando centenas de pequenos produtores sem capacidade de rega, o que expõe a natureza sistémica do problema.

Um sistema que continua a ignorar a crise climática, que não admite a sua dimensão, que toma medidas pouco ambiciosas, e que privilegia os interesses privados e do grande capital, ao invés das necessidades das populações e do planeta, é um sistema que não nos serve. É urgente mudar o sistema.


1 No final do mês de Dezembro quase 94% do território de Portugal continental estava sob alguma forma de seca – https://www.publico.pt/2022/01/07/sociedade/noticia/final-dezembro-seca-afectava-937-territorio-portugal-continental-1991115

8 Anuário Agrícola de Alqueva 2020, Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas do Aquela, S.A. (EDIA), Direção de Economia da água e Promoção do Regadio – Departmanento de Planeamento e Economia da Água, Beja, dezembro de 2020

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