Relatos do que aconteceu a cada dia, escritos por quem lá está.
Entre 2 a 16 de Abril fomos mais de 120 pessoas a participar na Caravana pela Justiça Climática!
Descobre o que aconteceu nos restantes dias no Wrap up Caravana pela Justiça Climática.
Entrámos no eucaliptugal profundo. A Ferraria de São João destacava-se como oásis com o perímetro de espécies autóctones num mar de eucaliptos, mas desde que saímos pelas 9h30, rumo ao Nodeirinho, o território pertencia aos eucaliptos. Durante mais de quatro horas caminhámos entre eucaliptais da Altri e eucaliptais de pequenos proprietários, maioritariamente abandonados.
Toda esta área, pela qual os incêndios 2017 passaram, tem hoje uma densidade de eucalipto muito superior à do ano da catástrofe, combinada com algumas manchas de acácia. A conclusão é inequívoca: as condições para novos incêndios de grande dimensão já existem novamente.
Em muitos dos percursos de terra por onde a caravana passou, os caminhos estão bloqueados para veículos e são mesmo de difícil circulação para pessoas a pé. Em alguns trechos, provou-se mesmo ser difícil ultrapassar a sucessão de troncos de eucalipto tombados. A ausência de animais ou até mesmo de insectos reforçou a noção de deserto verde associada ao eucaliptal em monocultura.
Para compensar, tivemos mais um cãotivista que decidiu acompanhar-nos em todo o percurso até à sede da Associação das Vítimas dos Incêndios de Pedrógão Grande (AVIPG).
Passámos pela aldeia de Agria Grande onde falámos com alguns habitantes, que falaram connosco sobre longas vidas de trabalho, que começaram em alguns casos antes dos 10 anos com as idas dos ranchos para a apanha da azeitona em outros locais do país.
Atravessámos a N-236, a infame Estrada da Morte e seguimos atravessámos o Nodeirinho, onde nos encontrámos com membros da AVIPG, que nos foram descrevendo o que aconteceu a esta aldeia que perdeu 10 elementos no dia 17 de Junho, há 5 anos atrás.
Chegámos ao monumento à vida e à água, frente ao tanque onde nesse dia mais de uma dezena de pessoa sobreviveu ao incêndio, enquanto toda a aldeia ardia e sentimos quão importante, numa situação como a vivida por esta populações, é necessário celebrar a vida e construir a imagem de um futuro.
Recordaram-nos também o abandono sentido aqui, no epicentro dos fogos, mesmo nos dias que se seguiram aos mesmos, já que os meios e todo o foco da atenção estava em Pedrógão como localidade, em vez de nas pequenas aldeias onde tinham morrido a maior parte das pessoas. Também frisaram como as promessas feitas logo após a tragédia ficaram quase todas por cumprir, a principal das quais a da criação de um projeto piloto de gestão florestal e diversificação agrícola (embora um projeto megalómano de monumento às vítimas ainda esteja a ser construído, projetado para consumir mais de 1 milhão de euros). Nas bermas de 10 metros que foram arrancadas pelas celuloses há 5 e 4 anos atrás, mas novos eucaliptos brotaram até aí.
Pelas 14h30 chegámos à sede da associação para almoçar e prepararmos a ciranda. Foi um excelente convívio com novos membros que se juntaram então à caravana, assim como dois jornalistas do Expresso. Na nossa ciranda, cujo tema era Floresta e Prosperidade, houve um importante foco na situação das condições para a existência de novos incêndios dramáticos, e na escassez de rendimento para as populações com as alternativas económicas esmagadas pelas celuloses.
Diferentes experiências e questões foram levantadas sobre a possibilidade de promover um maior povoamento do meio rural, mas também sobre as inúmeras barreiras reais que existem à instalação de pessoas e comunidades neste território. A questão da política rural ser decidida não no Conselho de Ministros ou no Ministério da Agricultura, mas sim nos gabinetes da Navigator foi levantada, com o reconhecimento de que o abandono e a omissão serem efetivamente a política pública para o mundo rural, olhado como um local de extração, uma mina de pessoas, territórios e recursos.
(Re)vê a ciranda “crise climática, incêndios florestais e o nosso futuro” na Figueira em Pedrógão Grande aqui
Transmissão da PTRevolutionTV
A ciranda terminou e seguiu-se um merecido descanso e jantar.
A dormida fez-se na própria associação, que perante o frio glaciar que tem atravessado esta região, nos ofereceu as suas excelentes instalações. Chegou assim ao fim este dia que teve um percurso ligeiramente menos comprido que os anteriores, mas igualmente acidentado, com votos para que na 6ª feira a chegada a Pedrógão não se faça sob a chuva.