Lutar por mais justiça económica para 1.5 – CIDAC

O modelo agrícola que vemos atualmente no Alentejo, de monoculturas (olival, vinha, frutos vermelhos, hortícolas em estufa) baseadas no uso intensivo da terra, água, do trabalho e de agroquímicos de origem fóssil insere-se na chamada “revolução verde”, a versão pós-II Guerra Mundial da industrialização da agricultura. E que, tal como a industrialização, assenta na exploração de recursos naturais e do trabalho, a que acresceram nas décadas mais recentes fenómenos de financeirização no campo económico e fundiário (concentração e especulação sobre a terra, por exemplo), e de biotecnologia no campo biofísico e agronómico (OGMs, novas técnicas de edição genética, entre outros).

Este modelo de acumulação capitalista na agricultura, pouco conhecido ou discutido em chave crítica em Portugal, é sobejamente conhecido e vivido por milhares de camponeses/as em todo o mundo, que tentam sobreviver face aos denominados “impérios agroalimentares”. Para além das dimensões ecológicas que a industrialização da agricultura provocou, os e as agricultoras sentem na pele a incapacidade de vender os seus produtos a um preço que lhes permita ter um rendimento digno e regular. Os preços, seja de commodities vendidas no mercado internacional seja dos hortícolas que comemos diariamente não são, regra geral, decididos por quem os produz.

A injustiça estrutural do sistema económico mundial, em grande parte enraizada nos sistemas coloniais, foi há muito diagnosticada. Nos anos 60, surgiram nos Estados Unidos, Reino Unido e Holanda movimentos internacionalistas anti-capitalistas, tanto de matriz cristã progressista como ligados à solidariedade com as lutas anti-coloniais e com processos revolucionários, que perceberam a interligação profunda entre o denominado “sub-desenvolvimento” ou pobreza estrutural, as questões ambientais que já nesse momento se faziam sentir e os mecanismos de comércio internacional.

Esses movimentos e organizações da sociedade civil começaram a tecer um conjunto de princípios e de práticas comerciais que fizessem com que a riqueza ficasse a montante das cadeias produtivas e não a jusante.

O movimento do comércio justo começa, assim, a tomar forma tanto do lado das organizações que compram (cooperativas, importadoras, associações de vários países do norte geopolítico) como do lado dos/das produtores/as e, apesar das suas várias desvirtuações e cooptações, continua a seguir como princípios éticos:

– a definição de preços justos, discutidos e negociados com os/as produtores/as e não decididos pelas bolsas internacionais;

– o pré-financiamento das compras, para que os/as produtores/as possam adquirir os insumos necessários à produção, evitando que se afundem em créditos bancários;

– o estabelecimento de relações de longo prazo, em vez de compras oportunistas;

– a proibição do trabalho infantil e a defesa das normas da Organização Internacional do Trabalho;

– a defesa e promoção da liberdade de associação e da liberdade sindical;

– o apoio a formas coletivas de organização do trabalho;

– a promoção da igualdade de género;

– o respeito pelo ambiente.

Estes princípios norteadores visam acima de tudo que produtores e produtoras (agricultores/as, trabalhadores/as agrícolas, artesã/os) possam ter estabilidade nos seus rendimentos e uma vida digna, autónoma e não dependente de lógicas assistencialistas. E, deste modo, procuram inverter a lógica do mercado capitalista colocando a dignidade humana, a justiça social, económica, ambiental à frente dos processos de acumulação e do lucro.

A forte relação que se foi tecendo entre as organizações ligadas à comercialização e as organizações de produtores/as, bem como uma constante reflexão crítica sobre as suas práticas, no seio do movimento, levou a uma aproximação entre este e o movimento camponês internacional. A constatação que as condições de vida dos/das agricultoras/as nossos/as vizinhos/as são, na raiz, semelhantes, ainda que de escala diferente, às dos/as camponeses/as do “sul do mundo” fez com o movimento assumisse igualmente como princípio a soberania alimentar, tal como concebida pela Via Campesina (i.e., a capacidade de cada povo decidir o que comer e como produzir o seu alimento). Aliando-se, assim, às práticas de circuitos curtos, ao fortalecimento dos mercados locais e à valorização dos conhecimentos e das práticas agrícolas, de base camponesa.

Paralelamente, várias organizações de comércio justo têm marcado presença, nas últimas décadas, nos movimentos anti-(ou alter-)globalização, nos processos de contestação dos múltiplos (e infinitos) tratados comerciais internacionais e dos mecanismos de endividamento público dos países do sul geopolítico. Porque o que se defende, desde os anos 60, não é um localismo etnocêntrico ou feudal, nem uma ecologia sem pessoas nem eko-nomia, mas sim uma outra globalização, que teça relações solidárias (económicas, políticas, culturais) entre as populações de todos os lugares do mundo.

CIDAC – Centro de Informação e Documentação Amílcar Cabral


Para saber mais:

Organização Mundial de Comércio Justo

Coordenadora Latinoamericana e do Caribe de Pequenos/as Produtores/as e Trabalhadores/as de Comércio Justo

Via Campesina

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