1.5 contra a migração forçada – Humans Before Borders

Mais de 20 milhões de pessoas estão, neste momento, à procura de refúgio, após terem perdido a própria casa, como consequência de alterações climáticas1. As alterações climáticas provocam o deslocamento de duas a três vezes mais pessoas que os conflitos políticos e sociais, afastando uma pessoa da sua terra a cada segundo2.

As pessoas que são forçadas a abandonar o lugar onde vivem por força de circunstâncias com origem no clima ou em catástrofes naturais são chamados refugiados climáticos3. A maioria destas pessoas encontra acolhimento dentro das fronteiras de seu próprio país (deslocados internos), enquanto alguns procuram um lugar seguro migrando para outros estados ou continentes.

O fenómeno dos refugiados climáticos é pouco falado nas agendas institucionais e, aos olhos do direito internacional, não é reconhecido como razão que justifique o estatuto de refugiado ou um pedido de asilo. Contudo, com o agravar das ocorrências climáticas o número de refugiados climáticos irá aumentar e tornar-se-á sempre mais significativo. Por esta razão, é importante ir um pouco mais a fundo e compreender a ligação entre alterações climáticas e migração.

O aumento da temperatura global, apesar de 1.5 graus celsius pode parecer pouco, contribui de forma extrema para a desertificação a nível global. Um dos grandes problemas que estão a surgir com o aquecimento global e a subida das águas é que estas alterações geram também uma maior ocorrência de secas severas e por oposição tempestades mais fortes que antes, eventos que têm um impacto muito superior em países de clima tropical ou desértico. Outro fenômeno é o derretimento dos glaciares nas grandes cadeias montanhosas, que está a contribuir para uma acelerada deterioração das terras próximas dos cursos de água. Estes glaciares que sempre sofreram períodos cíclicos de derretimento e congelamento ao longo de cada ano, estão agora a entrar num desequilíbrio em que estão a derreter mais na estação quente e a recuperar menos na fria. Para além de gerar uma óbvia escassez de água potável num futuro próximo, também contribui para uma intensificação dos caudais dos rios na estação das chuvas. A intensificação destes caudais em zonas de clima tropical e com monções origina uma erosão muito superior das margens e zonas circundantes aos rios, destruindo muito mais áreas urbanas que antes e obrigando os habitantes a procurarem novos lugares para se estabelecerem.

Estima-se que por cada grau que a temperatura aumente, 10% de terra de cultivo deixa de ser cultivável e seca, tornando-se desértica4. Com este impacto, todas as zonas periféricas aos grandes desertos do mundo, vão sofrer regressões na sua terra cultivável e biodiversidade. As catástrofes naturais, assim como as alterações climáticas lentas e progressivas, deterioram facilmente as situações económicas, políticas e sociais. Um dos maiores exemplos deste fenómeno é representado pelo conflito na Síria, uma guerra que continua desde 2011. Muitos fatores contribuíram para a guerra, incluindo conflitos sectários, um governo instável, mudanças nas políticas agrícolas e uma seca sem precedentes.

Como vimos, as repercussões das alterações afetam de forma desigual a nível global, cruzando-se com fatores socioeconómicos e políticos, atingindo os mais vulneráveis nas comunidades mais desfavorecidas. O número de deslocados internos em regiões como a Ásia Oriental, a África Subsaariana, e a América Central – áreas mais suscetíveis a secas, ciclones e monções -, está em contínuo aumento, vindo previsivelmente a criar uma população de milhões de refugiados climáticos nos próximos anos (200 milhões até 2050 – IOM, 2008).

Além de desencadear o nascimento de novos fluxos de refugiados, as alterações climáticas amplificam os fenómenos de injustiça social global ao criar uma população com “imobilidade forçada” – situação daqueles que não têm recursos ou oportunidades para migrar, apesar de terem os seus lares destruídos. Por exemplo, no Bangladesh, um país com uma população de 150 milhões, um relevo pouco acentuado e uma extensa bacia hidrográfica que está em constante movimento e suscetível a fortes ciclones, estima-se que cerca de 200 mil pessoas que são deslocadas a cada ano devido à erosão da margem do rio, tem dificuldade em migrar para outro país5.

O problema do aumento da temperatura global e da subida gradual do nível da água do mar é muitas vezes desvalorizado pelas sociedades e pelos governos dos países do Norte Global. Embora sejam entre os maiores responsáveis das alterações climáticas, estes países foram ainda “pouco” afetados pelas suas consequências. No entanto, isto não é verdade para uma grande percentagem da população mundial cuja voz, impacto mediático e força política são muito inferiores à nossa e por isso se mantém com o volume baixo, passando frequentemente despercebida.

Na costa Alentejana os recursos hídricos e geológicos têm sido geridos de forma insustentável maioritariamente pelas grandes produções de agricultura intensiva, pelas indústrias e pelos empreendimentos turísticos. Esta gestão tem sido feita de forma a potenciar o lucro a curto prazo, descurando a manutenção do ambiente a longo prazo. Uma má gestão dos solos e da água vai potenciar ainda mais uma desertificação que já existe no Alentejo e reduzir drasticamente a água potável disponível para as pessoas e animais. Este tipo de alterações climáticas, intensificadas pelo comportamento humano e pela política de gestão do território, levarão gradualmente a que a região se torne menos habitável e mais vulnerável a catástrofes naturais. Prevê-se que toda esta envolvência vá criar um êxodo, que é sinónimo de migração interna, em que as pessoas se deslocam para outras zonas do país para terem melhores condições de vida. Para além da óbvia má gestão dos recursos naturais na costa alentejana, é importante notar que estas mesmas produções agrícolas, que privilegiam o lucro a curto prazo, baixam tanto as condições de trabalho e remuneração de forma ilegal, que apenas migrantes em necessidade extrema e situação irregular aceitam este tipo de trabalho. Estas políticas afastam as pessoas locais da região e perpetuam condições de trabalho extremamente precárias para explorar pessoas que já se encontram em situações muito vulneráveis.

É contra isto que lutamos ao querermos manter o aumento da temperatura abaixo de 1.5 graus. Mesmo que não consigamos atingir esse objetivo, há ainda muito a fazer para garantir que as populações do mundo tenham acesso semelhante aos recursos necessários para a sua subsistência e que consigam estabelecer-se em zonas mais estáveis e seguras, para que não seja necessário entrar em conflitos ou deixar países ou regiões na ruína para que alguns possam lavar as mãos do problema, que está a ser causado por todos nós.


Fontes:

Climate Refugees. 2002. The problem. https://www.climate-refugees.org/

IDMC, 2022. Global Report on Internal Displacement.

https://www.internal-displacement.org/sites/default/files/publications/documents/IDMC_GRID _2022_LR.pdf#page=9

IDMC, 2015.

https://www.internal-displacement.org/sites/default/files/publications/documents/20150312-gl obal-disaster-related-displacement-risk-en.pdf

IOM, 2008. https://www.ipcc.ch/apps/njlite/srex/njlite_download.php?id=5866 Climate Refugees 2010, Michael P. Nash – Documentário.

https://www.imdb.com/title/tt1273201/

Islam, Rafiqul. 2015. To help climate migrants, Bangladesh takes back land from the sea, Thomson Reuters Foundation https://www.reuters.com/article/us-bangladesh-clmate-land-idUSKCN0R90U220150909#QT gEvHmWvEXxy2q8.97

UNHCR. 2022. Climate change and disaster displacement.

https://www.unhcr.org/climate-change-and-disasters.html


1Climate Refugees, 2022

2Global Report on Internal Displacement, IMDC, 2022

3UNHCR, 2022

4Nash, 2010

5Islam, 2015

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