De 6 a 10 de Julho vai acontecer um acampamento de acção por 1.5ºC no litoral Alentejano e falham-me os motivos para não estar presente.
O aumento de 1.5º da temperatura acima de níveis pré-industriais é o limite necessário para evitar que o impacto da crise climática seja catastrófico para o planeta, sem esquecer as desigualdades no que diz respeito a quem é que vai sofrer os impactos da mesma. Estudos da Organização Mundial de Meteorologia (WMO) apontam para uma probabilidade de 50% que esse aumento ocorra até 2026, pelo que não levar a sério a ciência climática, é dar crédito a um sistema cujas prioridades não são as pessoas ou o planeta. A perda de gelo do Ártico, da Antártida e da Gronelândia, o colapso dos padrões de circulação do oceano, a decadência dos recifes, a destruição de florestas boreais e tropicais, ondas de temperaturas extremas ou extinções em massa têm de ser consideradas causas nossas. Caso contrário, corremos o risco de perder um planeta habitável para nós e muitas outras espécies em favor do capitalismo. O crescimento económico como medida de progresso merece tolerância zero. Por isto, encontramo-nos num momento decisivo da nossa história. As decisões tomadas nesta década determinarão o rumo do nosso futuro de forma irreversível. E por onde passam essas decisões? Como é que garantimos que elas têm real impacto face à crise que estamos a viver?
Tendo 1.5º como objectivo, será necessário reduzir 45% das emissões até 2030 e atingir emissões zero em 2050. Note-se que Estados Unidos, Europa e China emitem 16 vezes mais gases com efeito de estufa que todos os 100 países menos emissores. Deste modo, os principais responsáveis por esta crise são quem deve liderar as transformações necessárias para que estes objectivos sejam atingidos, bem como assumir as consequências que estas transformações implicam. Para que a economia descarbonize a um nível global, são necessários compromissos políticos arrojados que garantam uma revolução dos sectores mais poluentes, como o da energia, dos transportes, da indústria, da construção e da alimentação. Essa revolução já deveria estar em curso. Contudo, até agora, os governos têm falhado!
O ritmo actual de emissões de CO2 representa uma auto-estrada na direcção dos 3,5ºC de aumento até 2050, ao mesmo tempo que as indústrias de combustíveis fósseis, como a Exxon Mobil, BP e Galp continuam a apresentar lucros extraordinários. Em Portugal, a Galp lucrou 155 M no primeiro trimestre do ano, cerca de 500% superior ao mesmo trimestre do ano anterior. Vamos fazer uma pausa. Estamos em plena emergência climática e as empresas que mais contribuem para esta crise continuam a beneficiar com ela. Quão mais perverso pode isto ser? Em Portugal, a infraestrutura com maior emissão de gases com efeito de estufa é, nem mais nem menos, a refinaria da Galp em Sines. Para que a transição energética seja possível, é imperativo que a economia seja radicalmente dependente de energias limpas e que o acesso e gestão desta energia seja democrática. Voltando ao Litoral Alentejano, expoente máximo do capitalismo fóssil em Portugal, a refinaria da Galp em Sines torna-se o ponto de partida ideal para reivindicar as transformações necessárias pelo objectivo comum que todos, repito, todos devemos ambicionar: um planeta habitável.
A refinaria de Sines precisa de apresentar um plano de transição que tenha o seu encerramento em vista até 2025 tendo em conta os interesses da comunidade afectadas e dos seus trabalhadores. Neste sentido, é importante que os trabalhadores tenham formações que os preparem para empregos para o clima e que seja criado um serviço público descentralizado que garanta energia completamente proveniente de fontes renováveis gerido pela e para a comunidade. Além disso, a Galp deve assumir financeiramente os encargos desta transição, já que os seus lucros têm sido feitos à custa dos nossos futuros. Fazer estas exigências já não é uma opção quando os governos continuam subservientes a estas indústrias.
E o que tem tudo isto que ver com o acampamento 1.5?
No início tinha perguntado como é que garantimos que as decisões que tomamos têm real impacto nesta crise. É muito fácil ser manipulado a pensar que o indivíduo têm um super poder de mudar o mundo com as suas escolhas. É uma falácia causada pela nossa coexistência nas condições do sistema. O mais difícil é, sem dúvida, perceber que as mudanças que precisamos são sistémicas e estruturais. Individualmente seremos incapazes de conquistar as transformações necessárias para os objectivos que pretendemos atingir. Ainda que pequenos hábitos façam a diferença, seja reduzir o consumo de produtos de origem animal, optar por transportes públicos, não comprar roupa em lojas de fast-fashion, reutilizar e não descartar ou apoiar negócios locais, é através do movimento colectivo que as mudanças podem ser realmente estruturais. Por isso, ir ao acampamento de acção aumenta a nossa probabilidade de criarmos o impacto sistémico que precisamos através de acções directas confrontativas. É no colectivo que recuperamos o poder para reivindicar a transição justa que precisamos para a refinaria de Sines. É no colectivo que nos tornamos mais poderosas e capacitadas, seja pelos testemunhos, formações ou debates. É no colectivo que asseguramos que estamos juntas. E quanto mais juntas, melhor. Temos um planeta para ganhar.
Daí, continuarem-me a faltar motivos para não estar presente neste acampamento.