Caminhamos juntas, temos uma luta que nos une e sabemos a urgência de a fazer
Muitas vezes desafiamos os nossos próprios limites físicos e psicológicos, porque sentimos o dever de fazer o melhor e o máximo que conseguimos na luta para travar o aquecimento global, pela justiça climática e para vencer o sistema capitalista que está na origem da crise climática.
Temos a urgência de quem sabe que a sua casa está a arder e a responsabilidade de não deixar esta luta por fazer. Estamos determinados em fazer o máximo, conscientes que vamos errar muitas vezes e que temos de errar depressa para fazer as coisas acontecerem, estamos a fazer uma luta contra o tempo. Um tempo que parece encolher enquanto as coisas a fazer aumentam.
Nessa luta muitas vezes desrespeitamos os nossos próprios limites, tornamo-nos pessoas que apesar de estarmos umas com as outras a fazer coisas, acabamos por travar sós uma luta interior contra medos, traumas, memórias, ausências e coisas que ao longo da caminhada se entranharam na pele como tinta de tatuagem.
Sabemos que somos parte de um corpo coletivo que tem o propósito de fazer uma luta que vai ser longa, um corpo que se quer saudável física e psicologicamente e em sintonia com o ecossistema de que fazemos parte.
Eu, peça desse corpo, paro e olho e volto a olhar procurando colocar-me em vários pontos de vista para tentar entender como estamos, como nos relacionamos connosco próprios e entre nós, como fazemos parte de um todo e como nos estamos a organizar dentro dele e finalmente de que forma tudo isto se faz em harmonia com o que defendemos, ou seja, em harmonia com os ciclos naturais da vida.
Observo o cuidado com que nos tratamos, o cansaço por trás dos lábios que esboçam um sorriso animador, somos pessoas corajosas fazemos bloqueios, ocupamos infraestruturas emissoras de GCEE, enfrentamos a polícia, andamos quilómetros para falar das nossas causas ou para partilhar lutas com outras pessoas que querem travar o sistema, mas por vezes não temos coragem para ouvir o nosso corpo que grita com o esgotamento.
Ainda há muita luta pela frente, temos de resistir, temos de ser resilientes. Sabemos que isto é uma maratona e, da mesma forma que os maratonistas, os nossos corpos, individual e coletivo, têm de estar preparados física e psicologicamente para vencer esta prova das nossas vidas.
Burnout é palavra que começou a ser sussurrada e foi ficando cada vez mais forte e a ser repetida mais e mais vezes até ganhar existência física entre nós. Não se trata de uma questão pessoal, mas de uma questão politica nascida do sistema capitalista, colonialista dominado pela supremacia branca, que afeta o coletivo e que condiciona a nossa forma pessoal de estar. A forma como o coletivo consegue gerir a sua resiliência é uma das armas que tem para suportar tempos incertos.
Um movimento feito de ativistas motivadas, criativas, energizadas é o que pretendemos, mas para fazer esta construção temos que cuidar umas das outras, cuidar do coletivo e da forma como o coletivo se relaciona com a envolvente sociopolítica, encontrar espaços para abrandar, para meditar nem que seja por 20 minutos, como forma de controlar a ansiedade, dormir sonos reparadores, cuidar da alimentação, aprender a ser gentil connosco próprias com as nossas camaradas, dar espaço para ouvir os nossos corpos, estes são algumas das formas a que podemos recorrer para concretizar este ato de rebeldia que é cuidar de nós próprias.
Eu guardo o canto dos pássaros no meu telemóvel para ouvir em momentos de grande tenção, tenho de colocar os pés em água salgada para desescalar as minhas emoções. Cada uma de nós tem forma de se cuidar e deve poder ter espaço para o fazer porque só estando bem é que podemos cuidar do corpo coletivo. Não podemos ignorar os sinais do corpo e terminar no burnout, temos que juntas saber responder ao desafio de adaptar o que estamos a fazer às necessidades individuais.
Somos um corpo que faz parte do sistema Terra e só nos reequilibramos em sintonia com ela. Durante dias aprendemos ferramentas para a ouvir, ver e sentir o que nos rodeia, ouvir, ver e sentir umas às outras e a nos próprias, de novo aprendemos a dizer sem censura que o coração tem razões que a razão desconhece e verificamos que existe uma comunicação que vai além das formas que habitualmente praticamos.
Aprendemos a explorar métodos de trabalho para conseguir cuidar melhor de nós mesmas e construir melhores relações interpessoais, colocando o foco no autocuidado, aprendemos formas de desenvolver o equilíbrio pessoal como reposta para a construção de resiliência.
Conseguir gerir a energia pessoal para evitar o esgotamento bem como medos, frustrações e desespero. Melhorar a nossa experiência em métodos de construção de comunidade, empoderamento, liderança e compreensão de dinâmicas de poder para melhor gerir processos coletivos. Conseguir adaptar os modos de decisão às necessidades do momento ajustando ao grau de comprometimento que a decisão implica para o coletivo e ao tempo disponível para a tomar. Desta forma podemos ir do nível mais baixo de comprometimento com uma tomada de decisão assumida por uma pessoa sem que tenha sido aberta discussão sobre o tema, ao nível mais alto de comprometimento para implantar uma decisão que será feita por consenso e que pode demorar mais tempo a ser feita porque implica mais participação para que o compromisso seja efetivo.
Aprendemos que conseguindo a transformação pessoal conseguimos a transformação dos nossos coletivos. Isto passa por desenvolvimento da nossa consciência pessoal, desenvolvimento de emoções mais hábeis e pela
resiliência emocional de cada uma.
Temos que manter emoções fortes em nós e nos outros para alimentar esta luta que vai ser longa e não deixar que o desânimo, a apatia e o cinismo criem desmotivação e desmobilizem as pessoas.
Sabemos que esta luta contra o sistema capitalista não é um sprinte e para a fazer temos de ter organizações que sejam resilientes e entendam além da lógica imposta pela cultura da supremacia branca, que com coragem assumam que as coisas do coração impulsionam a nossa ação e dão sentido às nossas vidas, que entendam a importância da inteligência emocional para uma liderança e colaboração eficazes e a maneira como o poder opera dentro dos nossos grupos.
Só venceremos esta luta se soubermos nutrir as nossas organizações.
Texto escrito no seguimento do curso “Regenerative Organising” feito entre 7-16 Maio 2022