Foi um momento-chave para o movimento crescente contra os jatos privados e os voos excessivos: Na terça-feira, 23 de maio, 103 ativistas do clima interromperam a maior feira de jatos privados da Europa, a EBACE, em Genebra. Mais de 800 artigos noticiosos relataram a ação. No mesmo dia, uma manifestação em bicicleta em Genebra protestou contra a EBACE.
“Os jatos privados e o seu imenso impacto climático são um escândalo. Tivemos de interromper estes homens de negócios que bebiam champanhe e iam comprar o seu mais recente modelo de jato”, explicou Charlène Fleury, uma das ativistas.
Algumas entraram na área de exposição do aeroporto de Genebra de bicicleta, outras acorrentaram-se às entradas dos jatos, ou ergueram cartazes. Rótulos gigantes de advertência sanitária ao estilo da campanha anti tabaco marcavam os jatos como objetos tóxicos e avisavam que os jatos privados “queimam o nosso futuro”, “matam o nosso planeta” e “alimentam a desigualdade”. Anúncios de serviço público em altifalantes transportados pelas ativistas, expuseram as consequências dramáticas dos jatos privados, para o nosso planeta e revelaram a hipocrisia de promover os jatos privados no meio de uma desigualdade social crescente.
EBACE – A maior festa de compras de jatos privados da Europa
“Viemos dizer aos super ricos que a festa acabou. Para expor a toxicidade da indústria dos jatos privados, que está a alimentar ainda mais a catástrofe climática e a injustiça!“, explicou Charlène Fleury, que veio de França para participar na ação. “Não estavam à nossa espera“, disse. A EBACE foi apanhada de surpresa. O acesso ao espetáculo exclusivo era praticamente impossível para o público em geral. Cerca de metade dos mais de 10 000 participantes possui ou opera uma aeronave.
A EBACE é o maior encontro anual da Europa – e um dos principais do mundo – dos intervenientes no sector da aviação executiva, tais como vendedores, compradores, fornecedores de componentes e produtores de jatos privados, organizado pelos grupos de pressão europeus e americanos dos jatos privados, EBAA e NBAA. É provável que as vendas de jatos privados atinjam este ano o nível mais elevado de sempre!
Os proprietários de jatos privados têm um património líquido médio superior a 140 milhões e representam 0,0008 % da população mundial. “Fiquei muito zangado ao ver que este evento, com convidados ricos e engravatados, se realiza no meio de uma crise de custo de vida e climática e mostrou-me que estamos no sítio certo“, afirmou um ativista.
Consciente da crítica crescente, a EBACE tentou envolver-se num véu verde, adotando o tema da sustentabilidade. “Este greenwashing dos voos de luxo é simplesmente ridículo“, diz Magdalena Heuwieser, da Stay Grounded. “O único jato privado verde é aquele que se mantém em terra.”
Fora da feira de jatos privados, teve lugar uma demonstração de bicicletas, organizada pelo membro suíço da Stay Grounded “Actif-trafiC“. A professora Julia Steinberger, economista ecológica, disse: “A aviação está encurralada e tem um problema: A aviação está encurralada e encostada à parede: não tem alternativa viável de baixo carbono num horizonte de décadas. Se não conseguirmos banir completamente os jatos privados da face da Terra, não conseguiremos cumprir o Acordo de Paris“.
Um movimento que se ergue para responsabilizar os ricos
Foi incrível ver pessoas reunidas de 17 países para esta ação, apoiando diferentes grupos de justiça climática como Stay Grounded, Greenpeace, Extinction Rebellion, Scientist Rebellion, ANV-COP21 e Abolir Jatos.
“A crise climática é realmente terrível e, por vezes, sinto-me sozinha com as minhas preocupações. Mas encontrar todas as pessoas aqui e agir em conjunto deu-me realmente esperança“, disse uma ativista após a ação. Para algumas, esta foi a sua primeira ação de desobediência civil.
Esta coligação diversificada e alargada mostra que o movimento contra a indústria dos jatos privados, injusta e prejudicial para o clima, assumiu uma dimensão verdadeiramente europeia.
Um protesto de solidariedade teve mesmo lugar em simultâneo nos EUA, no aeroporto de Burlington, Vermont. A Europa e os EUA albergam mais de 90% de todos os jatos privados a nível mundial.
No mesmo dia, um aeroporto de jatos privados em Ibiza foi alvo de ativistas climáticas. Poucos dias antes, o festival de cinema de Cannes foi interrompido por ativistas da Extinction Rebellion France, ANV-COP21, que impediram a descolagem de um jato privado através de carros telecomandados que transportavam fumo.
Os protestos estão a aumentar. Em 14 de fevereiro, mais de 20 ações simultâneas em todo o mundo da coligação “Make them pay” tiveram como alvo os aeroportos de jatos privados, exigindo a proibição de jatos privados, um imposto sobre os passageiros frequentes e ainda que os poluidores paguem pela enorme dívida climática.
Em janeiro, ativistas perturbaram o Fórum Económico Mundial em Davos, bloqueando um aeroporto de jatos privados. Em novembro do ano passado, realizaram-se ações simultâneas “Make them pay” em 13 países. E, em outubro, uma ação de massas no aeroporto Schiphol em Amesterdão, integrada numa campanha de maior envergadura, conduziu ao recente anúncio, por parte do aeroporto de Schiphol, de que iria em breve proibir a entrada de jatos privados no seu aeroporto.
Em Genebra, ativistas fizeram manchetes. No entanto, também enfrentaram a repressão.
Charlène Fleury relata a ação:
“Foi tudo muito rápido. Quando entrámos na área de exposição, a polícia de segurança e a polícia aeroportuária mandaram-nos parar, lançaram-nos gás pimenta e até bloquearam algumas pessoas no chão. Dissemos-lhes que se tratava de um protesto pacífico e que nada seria danificado, mas os expositores ficaram assustados e tornaram-se muito agressivos. Alguns esvaziaram as suas garrafas de água em cima de nós para tentar impedir-nos de filmar a violência. Um jovem muito bem vestido gritou-me: “Mas tu tens sapatos de plástico! No início, não percebi o que ele queria dizer, porque era tão surrealista. Será que ele queria mesmo dizer que os meus sapatos eram poluentes, comparando-os a um jato privado? Desatei a rir, era tão absurdo. Mas depois, durante as filmagens, um dos expositores empurrou-me violentamente para trás e eu caí no chão, ainda tenho uma nódoa negra. Um polícia levou-me com muita violência para fora da área da EBACE e, apesar de eu estar muito calma e a colaborar, algemou-me e empurrou-me a cabeça para baixo.”
Passadas algumas horas, a zona foi evacuada e as 103 ativistas foram detidas durante mais de 24 horas. Algumas relataram que, quando saíram das esquadras, as pessoas na rua lhes agradeceram a sua ação corajosa.
Agora têm de enfrentar acusações. “Mas vamos passar por isto juntos e esperamos receber mais apoio. Foi cansativo, mas a disposição é boa. Conseguimos prejudicar a reputação dos jatos privados, o que é um passo fundamental para conseguir proibições reais a nível político“, acrescenta Charlène.
“Ações como esta do movimento são extremamente úteis para colocar o tema na ordem do dia“, afirma Magdalena Heuwieser, da Stay Grounded. “Para ganhar esta batalha, precisamos de mais ações deste tipo, mas também de um leque diversificado de táticas. Precisamos de mostrar que o movimento está a crescer, conseguindo a adesão de influencers, ONG, cientistas e políticos. Precisamos de deixar claro que as proibições são a ferramenta mais eficaz – e que não podemos esperar ppor tecnologia ainda por desenvolver. Afinal, utilizar energias renováveis preciosas para os táxis aéreos privados dos ricos não se enquadra na nossa visão de justiça climática!”
O momento é oportuno: os Verdes franceses começaram a lançar a ideia de proibir os jatos privados no ano passado, que está agora a ganhar força com vários níveis de apoio da Bélgica, Luxemburgo, Países Baixos e Portugal, pelo menos.
“É claro que o problema não são apenas os jatos privados“, acrescenta. Os jatos privados são o pináculo da injustiça climática. Mas o mesmo acontece com a aviação no seu conjunto. 1% da população mundial produz 50% das emissões da aviação, enquanto 80% nunca pôs os pés num avião. A aviação contribuiu mais para o aquecimento global do que todo o continente africano!
O problema também se prende com os voos frequentes em geral: com os programas de milhas aéreas que incentivam voos desnecessários, com os lugares de negócios que ocupam demasiado espaço, com os “voos da treta” que são frívolos e desnecessários.
Se toda a gente voasse tanto como os 10% de europeus mais ricos, só a aviação emitiria 23 mil milhões de toneladas de CO2 por ano. Isto representa dois terços de todas as emissões globais em 2019.