As ondas de calor expõem o que já há muito sabemos – que a crise climática está aqui e que há um falhanço institucional em lhe dar a devida resposta. O setor dos transportes é o maior emissor em Portugal. E apesar disso, toda a gente que anda de transportes públicos em Lisboa sabe que a experiência é muitas vezes penosa.
Quando os autocarros chegam, se chegam, estão muitas vezes cheios e atrasados. Nas horas mais necessárias, no início e no fim do dia, a sua frequência continua insuficiente. Há demasiados locais onde moram muitas pessoas e onde simplesmente não há carreiras. Isto empurra, por necessidade ou privilégio, milhares de pessoas para o uso do transporte individual, tornando o uso dos transportes públicos não como um sinal de uma sociedade funcional, mas como um sinal de status social.
Esta realidade, aliada à gentrificação urbana que expulsa as pessoas da cidade, e ao facto de haver ainda muitas zonas residenciais mal conectadas, marginaliza uma parte da sociedade que é forçada a passar horas diárias em transportes públicos. E o calor que se faz e fará sentir, tornará a deslocação nos atuais transportes urbanos ainda mais atormentadora.
A boa notícia é que há uma solução que, não só nos permite reduzir as emissões de gases com efeito de estufa do setor dos transportes, como também contribuir para aliviar os efeitos nefastos da vivência do calor nas cidades. Esta solução passa por um reforço massivo no transportes públicos, investindo em transportes movidos a energias renováveis e criando milhares de Empregos para o Clima.
Precisamos de investimento nos metro, comboios e autocarros elétricos urbanos e suburbanos; de investir em mobilidade partilhada inteligente e ciclovia; e de pensar as necessidades de transporte de uma maneira coletiva, que garanta que nos podemos deslocar na cidade sem necessidade de uso do carro. Isto permitiria não só criar muitos empregos dignos e socialmente necessários, como também reforçar aquele que é um serviço básico, que compete ao estado e aos municípios oferecerem.
Para garantir um planeta habitável, os transportes públicos não podem ser relegados a quem não tem outra hipótese. Pelo contrário, têm de ser a norma, na qual todos têm o prazer de participar.
O Governo nomeou um grupo de projeto para apresentar o Plano de Mobilidade para a JMJ. Este plano prevê um reforço, em Lisboa, de quatro mil autocarros alugados, deixando claro que havendo vontade política, as coisas podem dar enormes saltos. Esta proposta não só é viável, como deve ultrapassar o seu carácter temporário. Nós não necessitamos daqueles autocarros apenas durante a visita do Papa. Precisamo deles todos os dias. Estes autocarros e estes empregos têm de ficar! E devem ser empregos públicos, dignos e de qualidade!
Se há capacidade para garantir um plano de mobilidade, com contratação de trabalhadores, investimento e planeamento público para a JMJ, que se cumpra o dever de implementar a nível nacional e urbano um plano de mobilidade alinhado com a urgência de responder à crise climática! Se não bastassem os dados científicos que temos sobre a crise climática há décadas, as previsões do clima para este verão dizem-nos que não há como adiar este investimento.
Não é preciso um milagre, só é preciso reconhecer que para travar a crise climática precisamos transportes públicos para todos. Os quatro mil autocarros das Jornadas Mundiais da Juventude têm de ficar!
Artigo originalmente publicado no Expresso a 12 de Julho.