Foi puro entretenimento assistir à audição da ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, na Comissão de Agricultura e Mar, questionada pelo deputado Cristóvão Norte do PSD – Algarve. Foi o debate expectável entre os dois partidos – PS e PSD – que concessionaram o litoral do país pelo preço mais baixo para exploração de petróleo e gás. Mistificações, mentiras e condescendência foram as notas predominantes de um debate que esclareceu que o governo engana e que o PSD tenta tirar dividendos políticos da clivagem social à volta da exploração de petróleo e do furo de petróleo autorizado para Aljezur. Mas no meio dos descuidos aprendemos algo importante: que todos os contratos do Alentejo podem ser anulados.
Depois de ir aos Estados Unidos vender a exploração de petróleo offshore como oportunidade de investimento enquanto decorria uma consulta pública que viria a pronunciar-se massivamente contra um furo de Aljezur, desta vez a ministra do Mar foi ao Parlamento dizer que não há contratos de exploração de petróleo em Portugal.
É preciso ser totalmente claro: quem diz que as empresas petrolíferas estão a fazer prospecção para obter os dados acerca dos recursos geológicos marinhos está a mentir. Seja a ministra do Mar, seja o primeiro-ministro, seja o presidente da Partex Oil & Gas. Não há uma separação entre a prospecção e a produção. O Decreto-Lei nº 109/94 passou a definir que há um título único: Contrato de Concessão de Direitos de Prospecção, Pesquisa, Desenvolvimento e Produção de Petróleo. É tudo claro desde 1994: “Com o presente diploma, pretende o Governo dar um novo impulso às actividades de prospecção e pesquisa de petróleo e, consequentemente, de desenvolvimento e produção.”. Todos os contratos assinados, desde o mar do Porto até Vila Real de Santo António têm a mesma designação e a mesma concessão de direitos. Há quase um ano atrás, no parlamento, o então presidente da Entidade Nacional para o Mercado dos Combustíveis, Paulo Carmona, desfez esta dúvida, respondendo aos deputados e ao país que “não há opção política” entre as fases de prospecção e a fase de exploração, isto é, que nenhuma empresa a quem tenham sido atribuídos direitos de exploração petrolífera pode ser proibida a meio do processo de efectivamente explorar petróleo e gás. Ao insistir inúmeras vezes durante a audição de que não há contratos de produção de petróleo em Portugal, a ministra tentou criar uma cortina de fumo e esconder a realidade à população.
Acrescentou outra camada de fumo ao problema, dizendo que “O Estado é uma pessoa de bem” e que por isso só anula os contratos com problemas jurídicos. Para isso, voltou a esconder que o próprio contrato da ENI/GALP não cumpriu o seu plano de trabalhos e que portanto deveria ser tão anulado como os contratos da Portfuel de Sousa Cintra. A ministra referiu o não cumprimento dos planos de trabalho de Sousa Cintra e disse que no contrato da ENI/GALP para furar em Aljezur não havia qualquer razão para cancelamento. Mas será que não há?
Está errada e mente, mas aprendemos com o seu argumento e com o cancelamento das concessões de Sousa Cintra: no contrato da área “Santola“, onde está autorizado o furo de Aljezur, e na sua adenda II, é totalmente explícito que há trabalhos mínimos obrigatórios: “(ARTIGO 2º – Prospecção e Pesquisa) a Concessionária efectuará durante o período inicial pelo menos os seguintes trabalhos de prospecção e pesquisa: Nono ano – uma sondagem de pesquisa.”. Ora, o nono ano do contrato de 2007 é claramente 2016. A GALP/ENI não fez o furo de prospecção e por isso há bases claras para o anulamento do contrato. Aliás, há bases claras para o anulamento não só deste contrato como de todas as concessões de Prospecção, Pesquisa, Desenvolvimento e Produção da Bacia do Alentejo – TODAS as concessões. Em todas concessões de 2007, Santola, Lavagante e Gamba, todas assinadas por Manuel Pinho enquanto ministro da Economia do PS, não existiram em 2016 quaisquer furos de prospecção. Portanto, como no caso de Sousa Cintra, violaram-se os planos de trabalho. E como no caso de Sousa Cintra, podem ser juridicamente canceladas.
O deputado do PSD Cristóvão Norte insistiu com a ministra para que se justificasse no seu papel de vendedora ambulante de concessões de petróleo nos Estados Unidos, o que a mesma tentou negar sem o conseguir. No entanto, o deputado acabou por expor a posição do seu próprio partido, ao revelar que a reserva que o PSD colocava não era tanto sobre o passado (onde as suas responsabilidades eram óbvias), mas sobre o futuro, isto é, sobre futuras concessões, criticando a ambiguidade do governo sem esclarecer a posição do principal partido da oposição (que não se opõe aos actuais contratos).
Na atrapalhada tentativa da ministra do Mar de esconder a sua posição de apoio à exploração de hidrocarbonetos ela deu-nos os argumentos para a nulidade de vários contratos: tal como no caso de Sousa Cintra, os contratos da Bacia do Alentejo podem ser cancelados com argumentos jurídicos claros. Se o governo não cancela estes contratos é como se estivesse a assinar novos contratos. Não há como sacudir a água do capote. Não é cobardia política, é apoio encapotado à exploração de petróleo e gás no mares de todo o litoral português.
[Artigo originalmente publicado no Sábado a dia 15 de março de 2017.]