Caras amigas e amigos, companheiras, camaradas, curiosos e ansiosas, desesperados e optimistas:
Bem-vindas.
Obrigado a toda a gente que se deslocou de outros países, de outras regiões, de outros continentes para participar nesta IV Edição dos Encontros Internacionais Ecossocialistas.
Que grande percurso fizemos para chegar até aqui, desde aceitar o desafio que nos feito pelo em Bilbao, em 2016, até ao dia de hoje, juntámos pessoas e organizações, pensámos politicamente, pensámos logisticamente, discutimos e debatemos muitas e muitas horas para chegar ao evento que começa aqui. Procurámos olhar para o nosso mundo em mudança vertiginosa e procurar eixos de debate, eixos de intervenção, e depois as pessoas adequadas para virem pensar connosco, partilhar connosco as suas experiências, a sua inteligência, as suas reflexões. E o drama que é ter que pôr pessoas tão conhecedoras e tão hábeis em tantas áreas divididas em caixinhas. Ter que convidar uma pessoa para falar num painel, quando podia falar em cinco, em dez painéis. Estes são os bons dramas, porque tantos e tantas aceitaram o nosso convite: temos mais de 60 oradores, de 20 países e 5 continentes. Que além de virem discutir connosco o presente e o futuro, são também para nós referências e pontes para o tanto que temos que fazer durante as próximas décadas. Obrigado a todas pela vossa presença, especialmente a quem veio de mais longe: da Bolívia, da Guatemala, dos Estados Unidos, da Nigéria, da Colômbia, das Filipinas, do Brasil, da África do Sul.
Obrigado às dezenas e dezenas de pessoas que permitiram que estes encontros acontecessem, voluntárias e voluntários, à Escola Secundária de Camões, ao Bla e pessoas que farão a tradução simultânea, às organizações nacionais e internacionais que apoiaram os encontros.
Alerta Vermelho! Alerta Verde! A degradação social e política em que hoje vivemos, com fascistas e autoritários a surgirem em cada região, responde directamente ao colapso económico de 2008 e à resposta capitalista ao mesmo.
Assistimos a uma transferência massiva de capital e riqueza para compensar as perdas que as elites económicas e financeiras tiveram com o colapso bancário. Nuvens de fumo de um novo crash já se vêem no horizonte. A inteligência colectiva que constitui o pensamento capitalista é uma inteligência de omissões, de esquecimentos, de exclusões. Esquecer pessoas, esquecer povos, esquecer História, esquecer conhecimentos, esquecer o ambiente e o local onde vivemos.
Para poder produzir massivamente, incessantemente e crescentemente, concentrando coisas e poder, é preciso excluir as realidades que chocam directamente com este modo de produção: a primeira exclusão necessária é a da distribuição. Esta é a base dos conflitos entre Capital e Trabalho.
A segunda exclusão necessária para manter o sistema de produção é a exclusão do ambiente. É a base de conflitos que se manifestam de maneiras diversas: a perda da saúde das populações afectadas pela degradação ambiental, especialmente as mais pobres e vulneráveis, a perda de territórios, de solos e de usos possíveis de recursos, a perda irreversível de valores não quantificados à luz da valorização capitalista: a perda da biodiversidade, da abundância, da complexidade e da estabilidade de longo-prazo.
Mas a ideia de que estas exclusões trouxeram estabilidade faz parte de uma caixa da hegemonia capitalista: esta exclusão só simula estabilidade. Sabemo-lo porque a História dos últimos 200 anos está carregada de revoluções, revoltas e reformas contra a exclusão da distribuição dentro do sistema capitalista. Mas a flexibilidade do discurso leva a que os maiores defensores do capitalismo digam que é devido ao capitalismo que se alcançaram a democracia, os estados sociais, os serviços públicos, a “distribuição”. É um sinal da força do anticapitalismo, do socialismo, que o sistema capitalista se veja forçado a assumir as suas derrotas como conquistas, como “aperfeiçoamento” do sistema. A história do conflito Capital-Trabalho produziu democracias, ideias como social-democracia, socialismo e comunismo, estados sociais, saúde pública, educação pública, transportes públicos, serviços públicos. É um conflito sempre latente, que avança e recua, como avançam e recuam as democracias, os serviços públicos, os estados, as ideias. Em alturas de tensão, de escassez, de confronto e de contradição, a facilidade do recurso ao contrário de tudo isto revela o capitalismo no estado “puro”: suspensão, reversão ou abolição da distribuição e da democracia. Austeridade, autoritarismo, fascismo.
O conflito entre Capital e Trabalho produziu durante os últimos dois séculos ferramentas de emancipação e democracia que antes não existiam, e precisamos de fazer avançar a um ritmo muito mais elevado as ferramentas resultantes do conflito entre Capital e Ambiente. Por isso estamos a discutir ecossocialismo.
A resposta que o capitalismo tem para o agudizar dos conflitos entre Capital e Trabalho, entre Capital e Ambiente, é Donald Trump. É Vladimir Putin, é Jair Bolsonaro, é Rodrigo Duterte, é Viktor Órban, é Matteo Salvini, é Tayip Erdogan. Perante a necessidade de redistribuição massiva de conhecimento, riqueza, direitos e estabilidade, o sistema capitalista só tem para oferecer violência, chauvinismo, machismo, ignorância e exclusão.
A última vez que a temperatura média global esteve próxima das últimas décadas foi há 125 mil anos. Havia hipopótamos no Tamisa e no Reno. O centro da Europa parecia a savana africana, com hienas, leões, leopardos, elefantes e rinocerontes. Haveria, talvez, 1 a 2 milhões de seres humanos. Caçadores recolectores, sempre em movimento, fugindo dos predadores, do calor, do frio, à procura de abrigo. Os 10 anos mais quentes registados foram 2016, 2015, 2017, 2014, 2010, 2013, 2005, 2009, 1998 e 2012. Apesar de termos 300 mil anos, só nos últimos 12 mil foi possível a agricultura e com ela a concentração das populações e com isso a escrita, a planificação, a cultura, a civilização. Isto coincide com um súbita estabilização do clima perto dos 14ºC, o Holoceno. O capitalismo industrial fez, durante os últimos 200 anos, a concentração de dióxido de carbono e de metano dispararem para valores sem paralelo nos últimos 800 mil anos. O capitalismo construiu um novo clima, diferente daquilo que a Humanidade alguma vez experimentou no seu tempo de vida. Mas não fez só isto, claro. Na sua vertigem imparável, colocou todas as espécies da terra sob ameaça de extinção, incluindo o próprio ser humano. Degradou massas de água, oceanos, poluiu atmosferas e solos.
O registo das experiências do socialismo real não é, infelizmente, brilhante neste aspecto. Não é possível olhar acriticamente para a História. Fazemos essa crítica. E fá-la-emos também para países e territórios que se reivindicam do ecossocialismo. Já não há tempo para dissonância entre discursos e práticas. A urgência ambiental, e particularmente a urgência climática dá-nos um tempo curto para atingir o sucesso. E o sucesso hoje mede-se pelo resgate da habitabilidade do planeta. Apesar da profunda alteração ocorrida nas últimas décadas, o capitalismo global não abranda. As emissões de gases com efeito de estufa continuam a aumentar. Mais, a geopolítica hoje assenta no resgate da indústria dos combustíveis fósseis, sangue do capitalismo global. E é por isso que petroestados inauguraram também um novo tipo de intervenção externa, apoiando o conservadorismo e as lideranças pró-fósseis. A natureza agressiva e competitiva do capitalismo impede acordos entre os estados para garantir transições que não sejam colapsos económicos. Isto ocorre entre estados, mas também dentro dos estados, com a competição entre sectores, entre fábricas e entre pessoas travar efectivamente a transição energética, dos transportes, da agricultura, das florestas, das cidades.
Quando o único objectivo é o lucro, o objectivo de viabilizar as civilizações humanas fica sempre para último. Esta é a faceta da barbárie, o acelerador do colapso ambiental: para garantir que o lucro continua inabalável no comando, no mais grave momento da história da civilização humana, sobem ao poder sociopatas, e negacionistas da crise climática, ignorantes convictos, “homens fortes” para impedir o que é preciso fazer.
Estamos à defesa. A resistir. E temos resistido bem. Por todo o mundo, movimentos levantam-se contra projectos destruidores, contra novas explorações fósseis. Olhamos e sentimos orgulho, empatia, camaradagem, pelas populações que se levantaram em Standing Rock, no Dakota do Norte, contra a construção de mais um monstruoso oleoduto. Pelos movimentos que na Alemanha organizam o Ende Gelaende e juntam milhares para invadir e parar as obsoletas minas de carvão. Pela resistência na Nigéria aos crimes da Shell, da ENI. Pelos movimentos que em Itália lutam para travar o gasoduto transadriático, ou que em França travaram o aeroporto de Notre Dame des Landes. Em Portugal, a luta contra petróleo e gás avançou muito: dos 15 contratos que existiam em 2015, nem um furo foi feito até hoje e as petrolíferas anunciaram a desistência das concessões no mar do Alentejo. Só dois dos 15 contratos se mantêm verdadeiramente em vigor. Na Batalha e em Pombal anunciam a intenção de furar em 2019. Serão parados.
Nas últimas semanas o movimento Extinction Rebellion começou uma campanha de desobediência civil em massa, que bloqueou vários pontos de Londres e levou à detenção de centenas de pessoas. Mais e mais veremos novas propostas de radicalizar a luta política, perante a radicalidade do tempo em que vivemos. Temos de ter mais e mais força política e programa. Porque precisamos passar da defesa, da resistência, ao contra-ataque. Não precisamos apenas travar os novos projectos fósseis e fontes de emissões de gases com efeito de estufa, precisamos relançar um projecto radical, social, popular, de alternativa ao capitalismo.
Um plano para a sociedade, tendo como base não ilusões de crescimento económico infinito e da sociedade do consumo, mas sim a satisfação das necessidades das populações, a distribuição de bens e serviços como objectivo da economia, o conhecimento como ferramenta para as comunidades, a dignidade. Um comércio nacional e internacional voltado para a justiça na distribuição, para as características dos territórios e para a proximidade. Produção alimentar de qualidade, justa para quem produz e para quem consome. Milhões de empregos, empregos para o clima, não só para criar empregos e cortar emissões, mas para criar outro mundo. Dar forma à transformação ecossocialista. Esse é um plano para ganhar, um plano de ataque: perante uma política de ódio e de mentiras absolutas, de perversão de tudo o que permita o bem-viver, a igualdade, a continuidade, o futuro, precisamos de uma política de esperança. Perante um novo clima, que já é diferente de todos aqueles em que vivemos até hoje, preparar populações e territórios, do Norte ao Sul Global, para as novas dificuldades, mas travando já a corrida para o precipício. Revolucionar as relações entre mulheres e homens, atirando o patriarcado e as dominações coloniais, chauvinistas, machistas e homofóbicas para o caixote do lixo da História, onde tem de ir fazer companhia ao capitalismo.
O ecossocialismo é um dos mais fortes horizontes de futuro que temos. Se quisermos chamar-lhe outra coisa, ok, porque a ideia não é um fim, como as organizações não são fins, são ferramentas. O poder também não é um fim, é uma ferramenta. O fim de tudo isto, ideias, energia, ideologia, organizações, poder, é algo a que as pessoas aspiram há muito: emancipação, igualdade, liberdade, futuro. É isso que disputaremos nas próximas décadas, que futuro teremos enquanto espécie. E nós, nós somos a alternativa à barbárie.
Benvindas e benvidos aos IV Encontros Internacionais Ecossocialistas!
Vídeo em direto da Sessão da Abertura, com a actuação do Coro da Achada e intervenções de LaDonna Bravebull de Standing Rock, Nnimmo Bassey das lutas antipetrolíferas na Nigéria, Daniel Angelim do Brasil, Elizabeth Peredo da Bolívia, Iñaki Barcena e Juan Tortosa das edições anteriores dos encontros ecossocialistas, e João Camargo e Lanka Horstink da organização dos IV Encontros em Lisboa.
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