Só a Justiça Climática irá cumprir Abril
Temos ouvido nos últimos dias uma discussão em redor das celebrações do 25 de Abril na Assembleia da República. Não espanta dizer que é apenas mais uma desculpa de quem não o celebraria de qualquer maneira. Do nosso lado, o popular, o que ganhou no dia 25 de Abril de 1974, não importa só celebrar este dia. Importa cumpri-lo de vez.
A emoção em redor de Abril é algo normal. Melhor até, anual. Apesar da quarentena e da preocupação que todas temos em fazer a nossa parte para que o vírus não se espalhe, precisamos de entender que a reação a este dia é algo que já existe há 46 anos. Neste, encontrou uma desculpa para o mesmo argumento de sempre, como encontrou nos outros. Se não fosse virológica seria ideológica, mas existiria.
E é normal que estejam a tentar fazer esquecer Abril. Não só porque celebra a derrota de todo o ódio que defendiam e defendem, fulgurante no período mais repugnante da nossa História moderna, mas também porque sabem que paira cada vez mais no ar a vontade e a necessidade de voltar a cumprir Abril.
Esta crise de saúde, em todo o seu horror, irá parecer um mísero nada comparado com o Great Lockdown, uma crise financeira incomparável ao que a grande maioria de nós viu até hoje. O desemprego está a subir diariamente e a níveis massivos (de 31 de Março para 15 de Abril subiu 10% para 353 mil pessoas). Iremos ter ainda mais pessoas abaixo do nível de pobreza e subsequentemente, ainda mais pessoas a passar fome. Apesar dos apelos do Presidente da República, os bancos recusaram-se a resgatar uma nação que passou anos de austeridade para os resgatar a eles. Apesar de terem feito apelos ao Presidente da República para que se apoiem as empresas com dinheiro público, os donos dos maiores grupos/monopólios de Portugal retiraram a sua promessa de um aumento de 20% de quem estivesse a trabalhar durante a pandemia. A União Europeia revela-se o que sempre foi, um mecanismo de centralismo político para a burguesia do Centro e Norte da Europa e também ela se recusa a facilitar a vida dos países que ainda estavam a recuperar da outra crise, não sendo uma coincidência estes serem também os mais afetados por esta. A paralisação da economia global resultou numa descida das emissões de Gases com Efeito de Estufa que é apenas metade do que deveríamos verificar em todos os anos desta década (4% comparado com 8%). Estamos, literalmente, abandonadas à nossa sorte.
A parte mais assustadora é o nada que esta crise por sua vez irá parecer comparada com o Colapso Climático. Paira o medo bem real de destruição de solos e zonas férteis por todo o Mundo, causando crises de fome como nunca imaginámos. Irão afetar-nos a todas e provará ainda mais concretamente que a globalização do neoliberalismo baseia-se na dependência crónica de certas zonas monopolizadas que se tornaram ‘celeiros’ do Mundo. Até podíamos plantar por cá, mas as margens de lucro seriam menores, efeitos colaterais de salários (um pouco mais) dignos. A subida dos níveis de água do mar, que absorverá regiões litorais por todo o planeta, e a destruição dos ecossistemas, levarão a uma crise de refugiados ímpar na História do Mundo. Muitas de nós não terão por onde ir. E isto não será só nos países historicamente sobre-explorados, será aqui também, será por toda a parte.
Não é portanto uma coincidência que quem nunca gostou de Abril queira agora mais que nunca calá-lo. Crises de saúde e financeiras como não víamos há pelo menos um século. Uma crise ambiental como nunca vimos. Todas vamos sofrer. Mas quem vai sofrer mais será quem sempre sofreu a sério: quem precisa de trabalhar para comer e nunca recebe a totalidade do que trabalhou.
É este o medo que lhes mete Abril: saber que cada dia fica mais urgente cumpri-lo e que a cada dia há mais pessoas a aperceberem-se disso. Apesar de todos os avanços que fizemos em 1974, o neocolonialismo continua uma realidade e olhamos com vergonha para a exploração fóssil da Galp em Moçambique, entre outras. A tão lutada Reforma Agrária nunca chegou, e Portugal tornou-se ainda mais dependente de regiões estrangeiras para se conseguir alimentar (realidade que teve os seus picos no governos mais neoliberais portugueses). A banca que foi reprivatizada depois de 25 de Novembro de 1975 provou-se todos estes anos como um buraco quase sem fundo do investimento público, quase sempre sem qualquer retorno. O desinvestimento público que foi feito nestas 4 décadas e meia é notável: o SNS que agora é aplaudido diariamente queixa-se há anos da falta de pessoal e de fundos, a educação superior com propinas prova-se todos os dias como um mecanismo classista e injustificável. O local de trabalho ainda não é um sítio democrático e quem trabalha continua a ser descartado como se objeto fosse. Nunca se viu feito o sonho de dar a terra a quem a trabalha.
Apesar da Revolução e da abertura da política portuguesa, os mesmos sistemas de privilégios mantiveram-se, muitas vezes com os mesmos rostos e ideais. O medo desta gente é saberem que temos toda a intenção de continuar Abril, empoderar quem trabalha e planear a economia em torno da sociedade que exploram e do ambiente que destroem.
Esta gente não tem só medo do que aconteceu há 46 anos. Tem medo que terminemos o trabalho. E tem medo do facto de sabermos que a única solução para vivermos numa sociedade não só social e economicamente justa mas também ambientalmente sustentável é continuar o que começámos naquele dia 25 de Abril de 1974 e fazer Justiça Climática.
25 de Abril, sempre!