A sobrepopulação acontece quando uma espécie cresce até um ponto em que o seu nicho ecológico não é capaz de sustentar toda a população. Isto pode acontecer por esgotamento de recursos naturais, aumento de nascimentos ou diminuição de mortes.
Já há várias décadas que este fenómeno é apresentado como a razão para todos os males da sociedade, especialmente quando se fala de ambiente ou da crise climática. Os seus defensores apresentam dados que mostram o crescimento “exponencial” da população nos últimos anos e afirmam que o planeta não tem capacidade para tanta gente, e por isso é que estamos a presenciar fenómenos como a crise climática.
Tanto o aumento da população como o aumento das emissões de CO2 antropogénicas são evidências irrefutáveis, logo, é fácil argumentar que o primeiro causa o segundo. O problema principal (e o perigo) com este argumento é que limita a actuação a apenas um factor, a população, enquanto todos os outros são considerados imutáveis e, por isso, indignos de discussão séria.
Para além disso, é fácil constatar que não existe uma relação directa entre os dois. Por exemplo, entre 1950 e 2017 a população mundial triplicou, mas as emissões cresceram 7 vezes!
Para manter as emissões abaixo de 2ºC temos que fazer uma análise crítica sobre o que precisamos de fazer agora e no futuro, e independentemente de se afirmar que a sobrepopulação é um problema ou não, temos que analisar quanto vai crescer no futuro e o que é possível fazer para mitigar o seu impacto.
Neste momento somos 7.8 mil milhões de pessoas. Não há nada a fazer quanto a isso pois qualquer “solução” para este problema só poderia ser eco-fascista, anti-humanista e não tem lugar em democracia. Devemos-nos lembrar disso no futuro, quando pessoas ou entidades insistirem em ver o “lado positivo” de desastres que tiraram a vida a inúmeras pessoas.
De acordo com as Nações Unidas, a população mundial deve estabilizar nos 11 mil milhões de pessoas no ano de 2100(1). Isto é um aumento de 41% face à população actual. Um crescimento bastante grande, sem dúvida, mas de acordo com o IPCC temos de reduzir as emissões em 50% até 2030. Isto é especialmente importante para manter a temperatura abaixo dos 2ºC. Se não o conseguirmos, a estabilidade natural do ciclo de carbono será destruída, e nós enquanto sociedade, não teremos capacidade de parar o aquecimento do planeta, mesmo que deixássemos de emitir CO2 para a atmosfera.
Assim sendo, um período fulcral de actuação são os próximos 10 anos, e durante este período, está previsto que a população mundial cresça dos actuais 7.8 mil milhões para 8.5 mil milhões, o que se traduz num crescimento de 9%. Se considerarmos que existe uma relação directa entre população e emissões de CO2 então também teríamos um aumento de 9% de emissões.
Mas temos que ter em conta que destes 700 milhões:
- A grande maioria vai nascer em países de África e da Ásia, com emissões per capita muito mais baixas que a média(2).
- As classes sociais mais pobres tendem a ter mais filhos, que por sua vez têm uma pegada de CO2 ainda mais baixa(3).
- Estamos a falar de crianças que em 2030 vão ter no máximo 10 anos, logo a sua contribuição para as emissões globais vai ser ainda menor. Na América por exemplo as crianças 1-10 anos têm um impacto 5 vezes inferior a um adulto(4).
Na realidade estaríamos a falar de um aumento muito mais baixo e por isso qualquer iniciativa que pretenda lutar para reduzir a população mundial com o objectivo de reduzir as emissões vai ter um impacto muito reduzido, e até poderia ser prejudicial se se direccionar recursos para este sector em detrimento de outras áreas com muito mais potencial.
Mas então porque é que a sobrepopulação é um argumento tão popular? Existem menções desde a Jane Goodall até ao último documentário do Michael Moore, e eu pessoalmente já perdi a conta à quantidade de cartazes que já vi em manifestações pelo clima que mencionam a sobrepopulação de uma maneira ou de outra. Outro exemplo recente foi, durante esta pandemia, quando muitos “ambientalistas” aproveitaram para partilhar posts intitulados “We are the virus”. Apesar de não mencionar expressamente a sobrepopulação esta ideia de que toda a humanidade é um vírus assenta exactamente nos mesmo princípios.
Na realidade, como outras narrativas de responsabilidade individual, a teoria da sobrepopulação não passa de mais um argumento conveniente para empresas como a Shell ou a Exxon confundirem e distraírem as populações. Os benefícios para as partes interessadas são inúmeros:
- Distribui a responsabilidade das emissões por toda a população igualmente, em vez de responsabilizar os reais poluidores (quem extrai e queima combustíveis fósseis).
- Transforma as comunidades mais pobres em bodes expiatórios. (Serão países de África e da Ásia a liderar o crescimento da população)
- Incentiva a inacção. (Não ter filhos é a única solução real.)
Quando as grandes petrolíferas começaram a perceber o impacto da sua actividade no ambiente, estas começaram a preparar-se para a pressão social que daí ia surgir. Uma das ferramentas que utilizaram foi a disseminação de ideias que retirassem o foco da extracção e queima de petróleo e distribuisse a responsabilidade por cada habitante do planeta.
Na realidade, como se pode ver no gráfico, é bastante claro de onde vêm as emissões de CO2. E seja na produção de energia, nos transportes, na indústria ou em qualquer um dos outros sectores, o principal culpado por estas emissões é a extracção e queima de carvão, petróleo ou gás ‘natural’. Logo, a única maneira de resolver esta crise é através de uma transição energética, onde substituímos energia fóssil por energia renovável. Mas isto implica uma mudança enorme no balanço de poder global. Neste momento as empresas no sector da energia detêm um recurso extremamente valioso e por isso gozam de uma enorme riqueza e influência. A transição energética pôe tudo isto em causa, pois assim que começar estas empresas vão perder este poder muito rapidamente.
Para estas empresas, a única maneira de sobreviverem é ao demonstrar aos seus acionistas, ano após ano, que estão a extrair mais, em mais sítios e com um grande potencial de crescimento a longo prazo. A simples diminuição ou proibição de angariar novos espaços para explorar é suficiente para deixar os accionistas inseguros e arruinar uma empresa, mesmo que os lucros a curto e médio prazo estejam assegurados. As empresas sabem disto e por isso vão usar todas as ferramentas ao seu dispor para atrasar esta transição. Aliadas às petrolíferas estão todas as instituições que beneficiam do status quo. Bancos, seguradoras, governos e muitos outras dependem do crescimento económico infinito para manter as suas posições. Mas como o planeta não tem recursos infinitos, este paradigma, mais tarde ou mais cedo, terá de cair.
Resumidamente, a teoria da sobrepopulação é uma parte intrínseca de uma narrativa ideológica que apenas pretende vender uma versão do mundo. Um mundo onde o planeta existe apenas para servir os interesses económicos, que qualquer custo ambiental que daí advenha é aceite e da responsabilidade de todos, e que por isso devemos pagar colectivamente um preço em sangue para continuar esta exploração.
Estamos na década zero, o que significa que os próximos anos vão ser fulcrais na luta pela justiça climática. De maneira a sermos eficientes precisamos de conseguir discernir entre boas e más medidas. Este texto é sobre uma de muitas técnicas utilizadas para atrasar a transição energética, mas também é muito importante ler sobre como fazer a transição energética. Para quem não conhece a campanha Empregos para o Clima é uma campanha internacional que luta pela justiça climática e um óptimo sitio por onde começar. Podes encontrar mais informações no site http://www.empregos-clima.pt/
Fontes:
1 – https://population.un.org/wpp/Graphs/DemographicProfiles/Line/900
2 – https://ourworldindata.org/grapher/per-capita-co2-vs-average
3 – https://ourworldindata.org/grapher/children-per-woman-fertility-rate-vs-level-of-prosperity
4 – https://phys.org/news/2011-11-individual-co2-emissions-decline-age.html
Claro que há uma reação directa entre a sobrepopulação e as alterações climáticas. A actual população humana só é sustentável com recurso aos combustíveis fósseis, à desmatação, à sobreexploração dos recursos marinhos, ….Risível é o argumento das crianças e do facto de a população aumentar essencialmente em partes do mundo onde emitem menos gases efeito de estufa. Além de estar a mudar rapidamente essas populações estão a deslocar-se em massa para, pronto, usemos a palavra, o ” 1º mundo”, e a primeira coisa que fazem é adquirir um pópó. Negá-lo é ser cego de não querer ver. De resto a própria europa não produz, sustentavelmente, os alimentos que a actual população consome. Começando por portugal. Quando as terras exauridas, e a água não chegar ás estufas, se tornar uma realidade, o fantasma da fome será uma realidade. Mas haverá sempre quem tome a nuvem por Juno e veja senhoras pousadas em azinheiras. Bom Soylent Green.