Quando membros do governo português falarem de políticas climáticas temos de reconhecer que estas políticas existem. Umas pertencem ao reino da fantasia dos potenciais cortes eventualmente feitos para uma potencial futuro de “baixo carbono”, outras visam o eventual acesso a fundos europeus, há ainda os usuais truques de contabilidade, as “oportunidades” da transição e, finalmente, há as políticas climáticas que agravam a crise climática e aumentam as emissões. Actualmente, essas são, em Portugal e no mundo, as principais políticas climáticas.
O principal malabarismo contabilístico e truque de prestidigitação é acenar com o aumento de energia renovável como acção climática central (em muitos casos, como única). O aumento da energia renovável é interessante e potencialmente pode ser acção climática, mas se – e só se – o aumento de produção de energia a partir de renováveis corresponder a uma retirada do sistema das fontes energéticas fósseis (petróleo, gás e carvão). As energias renováveis não retiram gases com efeito de estufa da atmosfera. As energias renováveis não retiram gases com efeito de estufa da atmosfera. As energias renováveis não retiram gases com efeito de estufa da atmosfera. Cada vez que é anunciada a criação de mais energia renovável a ser introduzida no sistema, seja solar, eólica, ondas, geotérmica ou o que for, se a isso não corresponder a retirada de fósseis do sistema, não é acção climática. Mas entre o anúncio de mais renováveis e a entrada em funcionamento das mesmas (atrasado décadas) há mais problemas.
Esta semana foi anunciado que o encerramento da central a carvão de Sines da EDP foi antecipado para Janeiro de 2021. Depois de há pouco mais de um ano o governo dizer que fechar a central era deixar metade do país às escuras agora, por decisão da empresa, a central (que não funciona desde Janeiro) vai fechar. Apesar do anúncio ser esperado há muito (a central deveria ter fechado em 2017, quando terminou o seu CMEC), o governo diz que “é uma boa notícia mas também nos suscita inquietações”, porque, apesar de todos os anúncios, a verdade é que o anunciado aumento da energia solar tarda em arrancar. Em 2017, a central era responsável por 10,8% das emissões, mas esse valor foi caindo com a contribuição cada vez menor da central para o sistema eléctrico nacional.
Parte relevante da “política climática# oscila entre anunciar renováveis e não tirar as fósseis e, por outro lado, haver fósseis a fechar e depois temer-se que não haja renováveis para compensá-las, quando se adiou a sua entrada. Em Portugal ainda se recusa a possibilidade de construir uma indústria nacional de energias renováveis, preferindo optar por entregar tudo a privados em leilões (ignorando a EFACEC nacionalizada que deveria ser a base óbvia desta indústria nacional renovável, e que será entregue assim que possível a privados depois de resgatada com dinheiros públicos). Oportunidade, negócios.
O melhor plano climático do governo (Plano Nacional de Energia e Clima 2030), entregue às forças de mercado, além de contar com muita habilidade contabilística e com muito boa vontade por parte das empresas privadas, não é suficiente para realizar o corte necessário de emissões em linha com o Acordo de Paris, quer de manter o aumento de temperatura abaixo dos 1,5ºC, quer dos 2ºC. Mas isto é só o início.
Há duas semanas o Parlamento chumbou o fim dos contratos de prospecção e produção de petróleo e gás em Portugal (com votos pela manutenção dos contratos por parte do centrão, Liberais e Chega). Um dia antes, o governo aprovou o resgate da companhia aérea TAP por 1200 milhões de euros, sem condições relativamente à redução de emissões ou voos. Depois, o ministro das Infraestruturas anunciou em entrevista dias que não poderia haver qualquer adiamento à construção de um novo aeroporto no Montijo, dizendo que “Há um contrato que prevê um aeroporto e ele tem de ser construído”, apesar de haver uma recusa legal por parte dos municípios. Na semana passada, uma investigação do Investigate Europe acerca de subsídios fósseis revelou que o Estado Português apoia com 867 milhões de euros por ano as indústrias do petróleo, do gás e do carvão (numa estimativa conservadora, os países da União Europeia subsidiam em 137 mil milhões de euros por ano as indústrias fósseis, quase o equivalente ao orçamento completo da União Europeia, e muito acima do orçamento previsto para o “European Green Deal”).
Isto significa que é preciso levar muito a sério as principais políticas climáticas, as políticas que aumentam as emissões de forma drástica. Percebemos que não só as políticas climáticas que cortam emissões não cortam na medida necessária como há todo um novo mundo de novas emissões que o governo não só não corta, como subsidia. Além disso, é grande e variada a proposta de aumentar ainda mais o nível de emissões no país.
A cereja no topo do bolo é o famoso “livro dourado” do ungido Prof. António Costa e Silva que vem-nos falar na reindustrialização do país na década pós-COVID19. Com pós brilhantes de combate às alterações climáticas na cobertura, o bolo do plano mantém o modelo de extractivismo e aumento de emissões no centro. Devemos levar a política climática deste governo muito a sério: é uma política a favor de piorar a crise climática.
Artigo originalmente publicado no expresso a 18/07/2020.