O plano de recuperação à COVID-19 da União Europeia prevê lidar tanto com a crise climática como com as consequências socioeconómicas da pandemia. Para receberem fundos dos 672.5 mil milhões de Euros destinados para este efeito pela UE, os estados membros elaboraram os seus planos de recuperação nacionais. Destes “Planos de Recuperação e Resiliência Nacionais”, 37% dos investimentos planeados devem servir para combater as alterações climáticas e os restantes não devem servir para prejudicar o clima. [1] Mesmo não tendo como alvo a mitigação climática, os planos não devem prejudicar o clima ou impedir uma transição verde. [2]
Parte da lógica para tal, afirmam oficiais da UE, é evitar repetir os erros realizados na crise financeira de 2008, quando milhares de milhões de euros de dinheiro público tiveram como destino o resgate da indústria dos combustíveis fósseis. [3] Apesar disto, ao nível nacional e ao nível da união europeia, as empresas dos combustíveis fósseis e os seus grupos de lobbying continuam a ter permissão para moldar a agenda de recuperação e os planos nacionais de recuperação, criando lacunas e espaços que podem ser explorados de modo a canalizar fundos de recuperação públicos para as empresas dos combustíveis fósseis.
Por exemplo, enquanto os investimentos nos combustíveis fósseis são geralmente considerados prejudiciais para o clima, a orientação da Comissão Europeia para os fundos de recuperação [4] diz que exceções que permitam o financiamento de “medidas relacionadas com geração de calor e/ou energia que utilize gás natural, como também as relacionadas com a infraestrutura de transmissão e distribuição” podem ser feitas. [5] Por outras palavras, numa base de caso a caso, a regra pode ser levantada ou ignorada para os projetos de gás fóssil .
Outra preocupação é que muitos planos de recuperação nacionais não contêm na realidade qualquer projeto – apenas dinheiro alocado a certos temas pilares – o que torna pouco claro como a Comissão poderá garantir que estes não vão prejudicar o clima.
O nosso relatório de Outubro de 2020 revelou como poluidores estavam a lucrar com os resgates da pandemia na Itália, no Estado Espanhol, em Portugal e na França, [6] e não parece que tenha havido melhorias desde aí. Beneficiando de inúmeros encontros de lobbying e eventos com decisores políticos ao mais alto nível, e até mesmo de convites para elaborar os planos de recuperação nacionais, a indústria dos combustíveis fósseis continua a ter permissão para cooptar uma recuperação que, supostamente, inclui o combate à crise climática.
Através da promoção do hidrogénio e dos gases renováveis, empresas de petróleo como a italiana Eni ou a francesa Total estão a canalizar dinheiro público para projetos que têm um cheiro forte a “business as usual”: hidrogénio para a refinação de petróleo, captura e armazenamento de carbono, biometano ou os novos gasodutos “hydrogen ready” – prejudicando significativamente o clima no processo.
É por isto que, agora mais que nunca, precisamos de uma política sem fósseis: a única maneira de existir uma recuperação sem combustíveis fósseis é tendo um processo de decisão sem empresas de combustíveis fósseis.
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Em Portugal:
- A implementação do Plano de Recuperação e Resiliência, que foi desenhado por António Costa e Silva – presidente da petrolífera Partex Oil & Gas, vai agora ser supervisionada por… António Costa Sliva.
- Apenas 18,5% do PRR é especificamente direcionado para a “transição verde”, apesar de o Governo Português e a UE falarem de 38%.
- A elevada frequência de reuniões entre as maiores empresas de combustíveis fósseis nacionais (EDP, Galp e REN) e membros do Governo (como João Galamba), levantou suspeitas suficientes para que fosse aberta uma investigação criminal sobre um dos projetos de hidrogénio propostos.
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Podes ler o relatório completo (em Inglês) aqui.