Estratégia e organização em tempos incertos – Sinan Eden

Sem andar, não se chega a nenhum lado. E é o que fazemos melhor no Climáximo: nunca parámos, mexemos-nos em todos os sítios onde estamos, sempre estamos preparadas para os próximos cinco passos à frente (os grandes mestres de xadrez conseguem ver 8 a 20 movimentos à frente).

Mas não andamos num caminho já existente. Não há mapas nem guias. O andar é o que faz o caminho. Às vezes andamos até a um enorme buraco no chão. Às vezes temos de voltar para trás, às vezes damos uma volta, às vezes aprendemos escalar para descer ao buraco, às vezes caímos só. Às vezes o acto de andar num terreno é o que produz o buraco, como nos pântanos.

Talvez haja um caminho mais rápido ao lado que não vimos por estamos distraídas pelos obstáculos à nossa frente. Às vezes o mais rápido é abrir um túnel ao meio duma montanha, como fizeram nos Alpes. Às vezes chegamos ao mar mas não sabemos nadar, como aconteceu aos persas que chegaram à Anatólia. Às vezes temos sete campeões de natação no nosso grupo, mas estamos no deserto. E às vezes o deserto abre ao mar, como na África do Norte.

Falamos sobre o sítio que queremos chegar. Temos a certeza de que não estamos lá ainda. É um sítio profundamente diferente disto em que estamos. Falamos. Cada uma conta a sua versão. Não sabemos se estamos a falar do mesmo sítio. Mas sabemos que esse sítio não existe. É um lugar inexistente, é uma utopia. Falando e andando vamos construí-lo. Sabemos algumas coisas que devemos ultrapassar – algumas delas essenciais no sítio em que residimos agora.

Utopias fazem-nos andar. O andar faz as utopias reais.

Perceber o sítio onde estamos chama-se análise. Perceber o sítio onde queremos ir chama-se ideologia. Encontrar o sítio onde queremos ir dentro do sítio onde estamos chama-se teoria, ou pelo menos isto é a versão dialéctica da teoria.

Depois, vamos andar. Vamos de cá para lá.

O andar às vezes não implica deslocar-se. Às vezes paras para construir um barco. Às vezes tens de fazer uma pausa para olhar às estrelas, que vão ajudar para te situares. Às vezes é preciso construir uma fábrica de indústria pesada a produzir explosivos para abrir túneis. Cada escolha significa investir em tecnologias organizativas – mais simples ou mais complexas. Às vezes chega inverno até abrirmos o túnel e as máquinas ficam congeladas. (Não seria melhor simplesmente andar à volta da montanha? Mas a mesma dúvida podia surgir se o inverno chegasse durante essa caminhada.)

A nossa teoria de mudança diz-nos porque achamos que fazer assim e assado vai levar-nos ao sítio tal e tal. Diz isto sem mapa, mas com o conhecimento geológico e climatológico do passado. Não é possível saber o futuro, mas é possível prever os futuros próximos.

Acordamos de manhã. Tomamos pequeno-almoço. Sentamos juntas: decidimos onde queremos ir, como queremos ir, o que queremos levar connosco, o que queremos deixar atrás, o que esperamos da viagem. Isto é a nossa estratégia.

(A existência do pequeno-almoço, da roupa, duma pessoa para facilitar a conversa, de alguém no fim do grupo para garantir que estejamos sempre juntas, de alguém no início do grupo para alertar sobre os perigos, duma linguagem comum que acelera a nossa comunicação, do café para quem precisar, das tendas, dos sacos de cama, das carrinhas, das bolachas e dos medicamentos é a nossa resiliência. É o que nos faz sobreviver. Estamos sempre conscientes de que o que nós chamamos necessidade pode chamar-se luxo em outros contextos; o que achamos resiliência mínima para andar pode ser a racionalização do nosso conformismo que pode travar-nos.)

A nossa estratégia não é guiada por um mapa. É contingente: tem possibilidades e opções e escolhas e riscos; e nós estamos mais preparadas para algumas do que para outras, e algumas possibilidades nem pensámos. Como fazemos?

O que nos guia é o sol, são as estrelas, são os rios, os caminhos de ferro, as trilhas das outras caravanas, e as nossas histórias. Podemos não conseguir descrever o sítio onde queremos ir, mas sabemos mais ou menos em que direcção fica. A política é a nossa bússola. As estrelas e a nossa bússola podem dizer-nos se estamos mais perto ou mais longe do nosso destino.

Estar perdida é estar a andar sem olhar à bússola, ou não saber ler as constelações ou a bússola. Pensar estratégico é quando a floresta acaba num mar sem fim à vista, a bússola diz-te para ires à frente, mas tu vais à direita porque reparaste que há um barco uns quinhentos metros de distância.

O andar depende dum caminho, mas o caminho depende do andar. A chegada depende de saber onde queres ir, mas não chegas para lado nenhum sem andar e vais aos sítios errados sem uma bússola.

Muitas vezes, começamos a andar sozinhas, depois cruzamos com mais pessoas: a andar dum sítio diferente para um sítio diferente, dum sítio diferente para o mesmo sítio que o nosso, ou do mesmo sítio que nós mas para um sítio diferente. Falamos, trocamos histórias, às vezes mudamos percursos depois destas conversas. Podemos também reparar que queremos ir ao mesmo sítio mas as nossa bússolas mostram para sentidos diferentes. Será que queremos ir ao mesmo sítio? Algumas das bússolas está estragada?

Reparamos muito rapidamente que é difícil ter um barco e um carro e uma fábrica de química sozinhas. É difícil saber nadar, escalar, acampar, cozinhar, curar e construir ao mesmo tempo. Juntamo-nos a outras caravanas. Descobrimos novos caminhos. Descobrimos novos aspectos do sítio onde queríamos estar. Tudo que fazemos para estar numa caravana: puxar a carrinha, reparar as velas, ensinar a nadar, aprender a nadar, escutar, decidir, cozinhar; tudo isto é organização.

Mas a caravana não é um sítio. O que faz a caravana é o andar do grupo. Aliás, quando outras pessoas falam sobre a caravana, o definem via os ponto de partida e destino.

*

De certa forma, tempos incertos são todos os tempos. O desconhecido é o que nos assusta, mas também é o que justifica andar: se tudo estivesse certo, não haveria sítio para irmos e não haveria lugares para construirmos.

A reestruturação do Climáximo que vem da última actualização da nossa declaração de emergência climática dentro do colectivo vai pôr-nos a pensar sobre estratégia e organização nos próximos tempos. Se em breve já não consegues conhecer-nos, é porque somos nós.

One thought on “Estratégia e organização em tempos incertos – Sinan Eden

  1. Está muito bem escrito, tem tanto de filosófico como de realista! Inspira-nos realmente a pensar e a repensar a nossa orientação e os nossos objetivos, a trabalhar mais em vários sentidos e também a ler mais publicações como esta, que nos faz pensar e/ou repensar os nossos objetivos, ou outras que nos ajudem a pensar na nossa estratégia e organização para chegar aonde queremos. Parabéns!

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