No dia 14 de Outubro, estivemos na Sirigaita em Lisboa a discutir formas de construir solidariedade em tempos de caos climático. A nossa pergunta principal foi: quando acontece um desastre ligado à crise climática, o que podemos fazer em termos de solidariedade que seja útil e relevante ao mesmo tempo? Sabemos que vão acontecer cada vez mais cheias, incêndios, furacões e ondas de calor; mas cada vez que um destes desastres acontecem, ficamos a olhar assustadas e até bastante paralisadas em termos de como podemos apoiar as populações impactadas. O que fazer?
Aqui segue um relato desta discussão.
Talvez a primeira linha de solidariedade é a ajuda directa às populações. Podemos ir ao local onde é preciso ajuda de emergência, ou colher e enviar bens essenciais. No entanto, para isso, é muito importante termos contactos nestas localidades que podem servir como interlocutores e podem guiar-nos sobre o que é preciso. Isto torna-se difícil quando as pessoas nessa localidade não são organizadas, porque isto produz o problema de representatividade: alguém, muito provavelmente um político da região, apresenta-se como porta-voz da população e coordena o processo.
Por outro lado, nós já sabemos que tipos de eventos extremos esperar onda e em que alturas do ano. Verões vão ver cada vez mais ondas de calor e incêndios, e furacões têm calendários bastante previsíveis. As zonas de risco também são bem-identificadas pela ciência climática. Por isso, podemos fazer contactos nestas zonas antes de serem alvo dum evento extremo, e criar laços de confiança com as populações locais. Esta abordagem permite garantirmos que a nossa solidariedade não seja meramente simbólica e temporária, mas empodera as populações. Para isso, devemos construir uma relação sincera e directa, escutando as necessidades reais das pessoas e oferecendo o que nós podemos ter. Assim, para além de disponibilizarmos os nossos recursos, podemos quebrar o sentimento de solidão e mostrar que estamos juntas.
Ao mesmo tempo, em termos das nossas capacidades, saber o período do ano em que estes eventos acontecem também é importante. Nas reuniões das redes internacionais do movimento climático, os grupos preparam um calendário comum em que colocam as suas acções planeadas; mais recentemente começaram a colocar os furacões futuros nestes calendários, para estarmos prontas para responder. Devemos reservar capacidade para resposta rápida para estas situações.
A segunda linha de solidariedade tem a ver com comunicação: em muitos casos, estes eventos extremos têm cobertura mediática não como crimes climáticas cometidas pelos governos e multinacionais, mas como desastres naturais que mataram x pessoas e destruíram n casas, causando y euros de danos, etc. Ancorar o discurso e o enquadramento destes acontecimentos na crise climática é essencial para conseguirmos ligar os impactos um ao outro e para criar uma cultura de solidariedade real. Uma proposta já bastante antiga é dar nomes das empresas petrolíferas aos furacões: neste momento estamos a dar nomes das pessoas (e.g. Katrina) que não explicam nada sobre as causas nos raízes do problema. Mais duas propostas comunicativas são mais ligadas a uma terceira linha de solidariedade: acções de protesto.
Acções descentralizadas de solidariedade podem realmente mudar o discurso por volta dum tema. Por exemplo, nos incêndios do Pedrogão Grande, nós falhámos em fazer a ligação entre a crise climática, a onda de calor e as monoculturas de árvores. Pela nossa falha, este acontecimento foi abordado como falha do sistema de prevenção. Houve até pedidos de demissão do ministro da administração interna, enquanto ninguém falou sobre ministro do ambiente ou sobre ordenamento do território. Uns anos depois, nos incêndios da Austrália, isto mudou. Com acções convocadas pelas organizações internacionais como Fridays for Future e Extinction Rebellion, conseguimos ancorar a discussão na crise climática. Estas acções aconteceram nas embaixadas ou nas praças principais das cidades. Com o governo negacionista da Austrália e a responsabilidade histórica do país nas emissões, estas acções permitem também um escalamento de mobilizações para responsabilizar estes países ricos: para além de solidarizarmos com o povo australiano, podemos protestar contra o governo australiano. Isto torna-se mais difícil quando os eventos extremos acontecem nos países que são muito menos responsáveis pela crise climática – e na verdade estes impactos são mais frequentes e mais fortes exactamente nestes sítios. Nestes casos, podemos voltar à proposta acima, ligando as empresas responsáveis aos impactos. Já circula uma ideia de acções de protesto à frente das sedes das petrolíferas quando um desastre começa a enrolar. Em Portugal, devia ser bastante óbvio a ligação entre a Navigator e os incêndios florestais.
Acções podem ser úteis e relevantes em mais duas formas. Criar redes internacionais das populações locais impactadas pelos mesmos desastres pode empoderar toda a gente e ao mesmo criar uma ligação forte às causas comuns atrás dos impactos: com acções globais, por um lado pode-se mostrar que não estamos sozinhas e por outro lado dizemos que isto é o mesmo problema a manifestar-se em sítios diferentes. (Isto também foi a lógica atrás das acções De Te Fabula Narratur, do Climáximo) Redes globais de incêndios, redes globais das inundações, redes globais das ondas de calor podem protagonizar as pessoas da linha de frente (mitigando também o problema da representatividade). No entanto, com o aumento das temperaturas, estas redes vão começar a incluir a maioria das pessoas – o que pode permitir respostas rápidas mais adequadas e mais politizadas.
Por último, referimos ao risco de manifestações se tornarem meramente performativas, sem qualquer impacto visível na emergência. Estas acções simbólicas podem funcionar se forem enquadradas numa estratégia maior e um discurso mais alargado, mas isto não é possível em muitos casos. Mas há uma outra forma em que acções de solidariedade resultaram. Em 2014, quando o Estado Islâmico cercou a cidade curda de Kobâne, houve manifestações que exigiram apoio militar imediato. As manifestações trouxeram o assunto na agenda pública e na agenda política. Com a pressão criada, o governo turco permitiu o exército norte-iraquiano a passar pelo território turco para chegar rapidamente a Kobâne e ajudar os militantes de resistência. Ao mesmo tempo foram aprovados bombardeamentos aéreos contra o Estado Islâmico. Estas duas decisões políticas aliviaram a população local e salvaram milhares de vidas. Neste exemplo, o que funcionou foi ter exigências imediatas ligadas às manifestações. Assim, podemos insistir nelas e continuar a convocar mais e mais acções, em vez de voltarmos às nossas casas depois duma concentração de umas horas.
Finalmente, talvez a melhor forma de solidariedade activa com as populações mais impactadas é atacarmos directamente as causas da crise climática. A ciência explica a ligação entre as emissões de CO2 e os eventos extremos com bastante precisão. Neste sentido, a acção Vamos Juntas no dia 18 de Novembro vai à refinaria de Sines, a infraestrutura com mais emissões em Portugal.
Estas foram algumas das ideias que surgiram neste fórum.
Junta-te ao movimento para construirmos uma cultura de solidariedade global. Junta-te a nós no dia 18 de Novembro. Vamos Juntas!