IPCC: piores cenários ultrapassados e o sistema insiste no rumo do colapso da civilização

O Grupo de Trabalho II do 6º Relatório do IPCC, divulgado hoje, apresentou a avaliação dos efeitos físicos já sentidos devido à crise climática e antevê um futuro tremendo sob a égide do capitalismo. Todos os modelos do passado para a temperatura atual foram ultrapassados, os riscos são maiores e interligam todas as dimensões sociais e ambientais. Os efeitos do aumento da temperatura estão a acontecer mais rapidamente e as políticas seguidas agravam a crise climática enquanto aumentam as desigualdades sociais. O capitalismo empurra-nos para o colapso e tem de ser travado.

A divulgação do novo grupo de trabalho do 6º Relatório do IPCC, que ocorre no meio da invasão da Ucrânia pela Rússia, não pode deixar de levantar os mais elevados alertas na sociedade. Este relatório, que compila a melhor informação científica disponível, reitera o que movimento pela justiça climática afirma há muito: se existe uma crítica a fazer à ciência é que a mesma tem evitado revelar os piores cenários e os governos continuam a governar para o lucro e para as empresas, ignorando de propósito a crise climática ou simplesmente simulando ação sobre a mesma.

Começando pelos modelos de aquecimento, hoje estamos mais quentes do que era expectável mesmo nos cenários mais extremos do último relatório, os efeitos desastrosos dessa temperatura mais elevada também são mais graves do que estava previsto e tudo isto tem levado a uma manifestação inequívoca de fenómenos climáticos extremos em sucessão e com riscos cumulativos. Destacando-se como alguns exemplos a onda de calor do Pacífico Norte e as cheias no centro da Europa no ano passado, a seca e ondas de calor sucessivos na Califórnia, levando a incêndios florestais e chuvas com aluimento de terras, a destruição da Amazónia, que já se comporta frequentemente como um emissor de carbono, entre inúmeros outros. Alguns eventos extremos já excedem as médias projetadas para 2100.

O aumento da produtividade da agricultura, das florestas e dos bancos de peixe está em declínio, e o sistema global de alimentação está a falhar perante o desafio de evitar a insegurança alimentar e a malnutrição generalizada. Metade da população do mundo já sofre com escassez de água durante pelo menos um mês por ano. Em algumas zonas do planeta, as temperaturas elevadas já estão a provocar um nível de stress térmico incompatível com o trabalho ou com a permanência no exterior, agravando uma série de questões de saúde, nomeadamente doenças respiratórias crónicas. As alterações climáticas estão a produzir uma degradação geral da saúde humana, com impactos na saúde mental, aumento da mortalidade e morbilidade em zonas afectadas por fenómenos extremos, aumento da incidência de doenças animais e humanas transportadas por vectores em zonas novas e onde as doenças já existiam.

A crise climática já é o maior motor das migrações e do deslocamento das populações humanas, com pelo menos 20 milhões de pessoas por ano desde 2008 a serem obrigadas a migrar devido a fenómenos climáticos extremos, em particular tempestades e cheias. A maior parte destas populações está no Sul e Sudeste Asiático, na África Austral e nas pequenas ilhas do Pacífico.

Vários ecossistemas já estão alterados além dos limites da recuperação natural, em particular nas zonas polares e nas regiões equatoriais – com o número de espécies perdidas colocando-nos na 6ª grande extinção da história do planeta. Esta é a situação atual. Mas todos os governos do mundo têm políticas que farão as emissões de gases com efeito de estufa continuarem a aumentar. Isso significa que a situação se degradará muito além disto.

Em relação ao futuro, o relatório discorre sobre as promessas governamentais (considerando que, na melhor das hipóteses, os governos irão cumprir o que disseram nos últimos anos). As projeções apontam que, nas principais razões para preocupação, em todas as cinco áreas (1. ecossistemas raros ameaçados, 2. eventos climáticos extremos, 3. distribuição social dos impactos, 4. efeitos agregados globais como o número de morte climáticas e 5. eventos individuais de escala global), o risco para as áreas 3, 4 e 5 mantém-se moderado apenas para um aumento da temperatura abaixo de 1.5ºC, em todos os outros casos, os riscos tornam-se altos ou muito altos.

Todas as ameaças estão numa escalada ascendente. 9% de todas as espécies estão em risco de extinção para um aumento de temperatura de 1.5ºC, número que sobe para 10% para 2ºC e 12% para 3ºC. 9% é mais de mil vezes a taxa natural de extinção das espécies no planeta.

Para um aumento de 1.6ºC (possível na próxima década), o número de pessoas afectadas por cheias no continente africano, provavelmente forçando à migração, aumentará 200% em relação à atualidade. Para um cenário de 2.6ºC, esse aumento será de 600%. Para um aumento de temperatura de 2ºC, as secas agrícolas extremas aumentarão 150% a 200% no Mediterrâneo. Para um aumento de 2,5ºC, até 68% de todas as espécies de peixe atualmente comercializadas estarão em risco de extinção.

Com um aumento de 4ºC, a frequência global dos incêndios florestais aumentará 50 a 70%. A biomassa dos oceanos decrescerá devido às interrupções nos ciclos de nutrientes, com a redução da produção de fitoplâncton e de todas as espécies que dele dependem.

Com as atuais políticas, o número de pessoas a viver em pobreza extrema aumentará entre 700 milhões e mil milhões até 2030.

O atual foco em políticas de adaptação às alterações climáticas, que tem servido de álibi aos governos para evitar os necessários cortes de 50% das emissões até 2030 em relação aos níveis de 2010, é uma política catastrófica, já que só beneficia as comunidades mais ricas e cria nas mesmas uma falsa sensação de segurança, retira os meios necessários às populações mais pobres, reduz as políticas reais e alimenta as falsas soluções, abrindo a porta a mais negócios fraudolentos como a captura e armazenamento de carbono. O relatório afirma mesmo que “as estratégias de desenvolvimento dominantes são contrárias a um desenvolvimento sustentável para o clima”, sendo que a falta de justiça social nas políticas governamentais é identificada como um dos principais obstáculos à ação climática consequente. A manutenção do status quo e do privilégio das elites é aquilo que impede a justiça climática.

A natureza sistémica desta crise é inequivocamente reiterada no relatório, confirmando a impotência deliberada dos governos que servem o capitalismo global, que preferem a manutenção da estratificação social atual à possibilidade de travar o colapso climático.

O relatório ilustra uma situação de agressão deliberada às populações que hoje vivem neste planeta e às gerações futuras, além de todos os ecossistemas e espécies que vivem na Terra. Este é o maior crime da história da Humanidade, colocando em causa a sua própria existência. Não é, no entanto, um crime sem autor. Existem centenas de multinacionais e empresas fósseis que, com o apoio cúmplice de governos e instituições, querem cavar uma sepultura para todas nós. São culpados desta crise.

Na atual situação, permitir que um relatório como estes possa ser atirado para o lado para fazer uma leitura míope da realidade, por mais relevante que a situação de guerra seja, é contribuir activamente para o colapso. O movimento pela justiça climática tem as suas reivindicações reiteradas uma vez mais: este sistema está a produzir deliberadamente o nosso colapso e é nossa tarefa travá-lo.

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