A revolução começa cá dentro – Clara Santiago e Joana Soeiro

Exercícios de auto-reflexão e descoberta em tempos de urgência e alienação

Este artigo é a partilha de uma de muitas ferramentas que podem facilitar trabalho de autorreflexão e consciência. Dirigimo-nos por isso a qualquer pessoa que queira olhar para dentro, reconhecer tendências comportamentais em nós e como isso molda as nossas relações interpessoais.
Através de uma série de questões e exercícios esperamos que consigas conhecer-te um pouco melhor, e no processo possas também conhecer o outro e como diferenças podem ser complementares e potenciadoras. É afinal na colaboração que reside a semente da mudança, da revolução…

Separação é violência. Separamo-nos da ecologia vital, separamo-nos do outro, separamo-nos de nós próprios… O paradigma predominante sustenta a narrativa alienante da competição, do indivíduo atomizado — esta narrativa pode justificar arquiteturas de repressão, globalização, neoliberalismos e a colonização de terras, pessoas e mentes, mas chegou o momento de a refutar. O nosso poder foi reduzido à capacidade de escolher e adquirir bens de mercado, a própria democracia se reduz ao voto eleitoral. A apatia e inação que minam grande parte da sociedade são também fruto da desertificação dos canais de agência coletiva. Repopulá-los poderá devolver o poder à comunidade.

Para tal, é urgente reconhecer a interdependência que nos sustém. A reconexão com a ecologia que integramos começa com a reconexão conosco mesmas. Invariavelmente, somos parte de um todo, e o todo não pode ser enxergado isolando as partes; ele é também constituído pela rede de relações que as interliga.

As nossas tendências individuais afetam o todo da qual fazem parte, desde a nossa bagagem emocional, ao nosso campo de conhecimento, ao nosso repertório de experiências. Todo o historial, que em nós carregamos, molda as nossas estratégias comportamentais, as nossas relações interpessoais e como escolhemos contribuir. A autoconsciência torna-se por defeito crucial para que o todo beneficie inteiramente das nossas contribuições individuais, para que a teia de interações seja recíproca e efetiva.

Como podemos então ser agentes de transformação, reconhecendo esta cadeia de fatores? Como podemos trabalhar em coletivo evitando narcisismos e ultrapassando o autossacrifício ou a autodepreciação?

Quando trabalhamos coletivamente, a nossa capacidade de influência e agência aumentam. O todo não deixa, todavia, de implicar partes, partes de um todo que conservam a sua íntegra individualidade. O trabalho começa, por isso, em nós e na nossa autoconsciência.

A consciência traz consigo responsabilidade, a nossa capacidade de resposta para que possamos trabalhar coletivamente novos imaginários.

Olhar para dentro confronta-nos de igual forma com o que definimos como sendo “o outro”. Definimo-nos definindo o que não somos, preparamos terreno para a conformidade e exclusão. A construção do “outro” é pura e simplesmente resultado da fragilidade do eu, da insegurança existencial, na maioria das vezes manifestada através da autocrítica e autojulgamento.

Envoltos no paradigma de competição, ameaça e separação erguemos muralhas, tememos o outro e perdemo-nos pelo caminho. Faltam-nos ferramentas e espaços de reflexão, falta-nos olhar para dentro, reconhecendo claro que a nossa identidade constituinte é muito mais do que um ego alienado, é ao invés fruto de interdependência, psicológica (bagagem emocional, autoconsciência) social (processos sociais, históricos e culturais) e ecológica (o ecossistema que nos sustém).

Nesse sentido trazemos ferramentas que possam ser úteis, todas elas praticadas e experienciadas no decorrer do curso Transformative Collaboration, desenhado e facilitado pelo projeto Ulex, um hub de colaboração que gere e partilha conhecimento através de inúmeros cursos.

Dimensões da diferença é uma de muitas ferramentas à qual podemos recorrer. Não só para nos compreendermos a nós, bem como o outro e como essa diferença constitui dinâmicas e relações. Os exercícios que convosco partilhamos podem ser realizados individualmente, como também em grupos, em particular grupos de trabalho. O autoconhecimento e reflexão quando articulados com as necessidades de um coletivo exponenciam a agência transformadora da colaboração.

Neste primeiro exercício pedimos que analises cada ponto, e te posiciones no espectro, podes por exemplo sentir que observas com maior frequência e naturalidade o panorama geral das coisas ou talvez prestes mais atenção aos pormenores, ou ainda podes considerar que te encontras antes no meio do espectro, caso não te identifiques com nenhum em particular, ou caso varies consoante o contexto.

Deixamos perguntas referentes ao exercício anterior para que a reflexão possa chegar mais fundo. Lê as perguntas e responde aquelas que te fazem sentido, voltamos a sublinhar que o exercício pode ser feito individualmente, como também em grupo, mapeando as necessidades de cada membro do grupo e como podem ser articuladas com o funcionamento coletivo.

Características e contribuições
1) Quais são as tuas contribuições e características únicas?
2) Quais são as contribuições e características únicas da pessoa com quem de momento tens trabalhado?
3) Em que aspeto diferem das tuas?
4) De que forma são complementares?

Como presto atenção
1) Que elementos do ambiente envolvente e circunstâncias imediatas tendes a detetar primeiro?
2) Costumas ter uma ou várias áreas de foco?
3) Que tipo de fatores consideras distrativos? O que te ajuda a concentrar?
4) Tens diferentes processos de concentração?
5) Que impacto têm estes processos nas interações com o outro?

Como me organizo internamente
1) O que constitui em ti sentido de ordem e prioridade?
2) Preferes começar com um plano e uma estrutura definida e prevista ou com liberdade para alterar as estruturas e planos ao longo do processo?
3) Como crias estrutura e resolves problemas e em que aspetos diferem da forma como amigos/colegas teus operam?
4) Que impacto têm essas diferenças na forma como trabalham juntos?

Como começo
1) Que tipo de informações procuras ter no começo de um projeto? Como escolhes recolher essa informação?
2) Quão minuciosa és na pesquisa de informações para um novo tópico?
3) Em que fase/situação escolhes interagir com outras pessoas e com que propósito?
4) De que forma escolhes começar um projeto novo e em que sentido essa abordagem difere daqueles que contigo trabalham?
5) Que impacto têm essas diferenças na vossa interação?

Como percepciono o tempo
1) Como te relacionas com o tempo?
2) O que seria em ti mais natural e intuitivo, viver no passado, no futuro ou no presente? Porquê?
3) Em que sentido difere a tua relação com o tempo e a relação daqueles com quem te relacionas/trabalhas?
4) Que impacto têm essas diferenças na vossa interação?

Como optimizo a minha aprendizagem
1) Como te envolves no processo de aprendizagem?
2) Que importância têm as outras pessoas na tua aprendizagem?
3) Qual é para ti a relevância de atribuir aplicações práticas ao conhecimento e conseguir testá-lo em situações reais?
4) Quais são os processos de aprendizagem que observas no outro?
5) Que impacto têm essas diferenças na vossa interação?

Como partilho os meus pensamentos e impressões
1) Como preferes comunicar com o outro?
2) Que tipo de perguntas costumas colocar com maior frequência?
3) Qual é o ritmo do teu discurso? É estável ou varia?
4) Usas as palavras de forma concreta e precisa?
5) Em que fases do projeto te é mais intuitivo e fácil comunicar?
6) De que forma diferem as tuas preferências comunicativas das pessoas com quem trabalhas?
7) Que impacto têm essas diferenças na vossa interação?

Como estas ferramentas, existem muitas outras que podem facilitar os processos de reflexão e consciência, fica uma pequena parte de um mundo de possibilidades. É importante referir que os exercícios podem sempre modificar-se, conciliando as necessidades particulares da pessoa/grupo em questão, adapta a ferramenta ao teu contexto particular. As perguntas não têm de chegar a respostas, nem tão pouco a conclusões definitivas. Assim como a nossa envolvente se modifica, também internamente nos transformamos, por isso é benéfico revisitar estes processos de tempos em tempos.


Texto escrito em seguimento do curso Transformative Collaboration no Ulex, em Outubro de 2021.

One thought on “A revolução começa cá dentro – Clara Santiago e Joana Soeiro

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Facebook
Twitter
Instagram
RSS
Flickr
Vimeo
Climáximo