Salvem os ricos e os seus lucros no negócio da eletricidade – Roberto Henriques | Reflexões do 7º ENJC

Esta reflexão foi escrita por Roberto Henriques no seguimento do 7ª Encontro Nacional pela Justiça Climática. Tem como base a sessão “Casas e energia justas” e diversas conversas e debates que aconteceram ao longo do evento.


Tod@s nós temos conhecimento dos lucros astronómicos que as empresas de energia têm obtido desde sempre, situação esta que sempre foi um problema económico e social grave. Enquanto presenciamos o agravamento da crise climática, com efeitos cada vez mais frequentes e desastrosos para populações de todo o mundo, estas empresas são deixadas em máxima liberdade a executar os seus negócios, com praticamente intervenção nula dos governos, pois já sabemos que o neoliberalismo nunca poderia permitir a mínima intervenção no tão perfeito mercado “livre”.

No entanto, se acharmos que a transição para investimentos em energias renováveis está a ser conduzida através de um modelo justo para os consumidores, não podíamos estar mais enganad@s. O problema dos lucros excessivos destas empresas está de facto a agravar-se com a introdução de cada vez maior número de centrais renováveis, tudo devido à forma como o mercado marginalista da eletricidade é conduzido.

O mercado de energia elétrica está construído da seguinte forma: as empresas produtoras colocam a sua oferta com um determinado valor que reflete os custos associados à produção de eletricidade do tipo de central em causa. Este conjunto de ofertas é ordenado de forma crescente de preço. Até aqui as regras deste sistema até parecem razoáveis, pois as centrais solares, eólicas e hídricas, que possuem custos de operação muito inferiores às centrais a gás são chamadas a vender a sua eletricidade primeiro. O problema está no valor a que todas as centrais serão pagas pela sua energia. Este mercado dita que todas as centrais serão remuneradas ao valor da última central a entrar no leilão, ou seja, a que tem custo superior. Vejamos os problemas graves que estas regras desatualizadas causam:

  1. As centrais de energia renovável, que apresentam custos de operação baixíssimos estão a ser pagas como se se tratasse de uma central a gás, com custos bastante elevados, que têm subido vertiginosamente nos últimos meses e que se prevê continuarem esta trajetória. Assim, temos empresas a lucrar ainda mais de forma absurda com o negócio das renováveis do que já lucravam com produção elétrica através de combustíveis fósseis.
  2. O dinheiro que leva a estes lucros ridículos está a vir, obviamente, dos clientes que cada vez mais têm dificuldades em suportar os custos crescentes da eletricidade e que como sabemos tem consequências gravíssimas, nomeadamente, no aquecimento das habitações no inverno. Este facto leva-nos a concluir que o preço da eletricidade em Portugal poderia ser bastante inferior ao atual, caso não tivéssemos este mercado perverso.
  3. Este mercado está a obrigar os comercializadores de energia a pagarem valores caríssimos pela mesma. Acontece que nem todos os comercializadores são afetados da mesma maneira. Não esqueçamos que a EDP, que detém 74% dos clientes em mercado livre, também possui a maioria da produção, quer renovável quer fóssil. Ou seja, enquanto a EDP vê os seus custos aumentarem enquanto comercializador, vê igualmente os seus lucros com a produção dispararem. Isto faz com que grandes comercializadores consigam não aumentar o custo da energia aos seus clientes, enquanto pequenos comercializadores chegam a ponto de ser obrigados a duplicar o custo aos seus clientes. Como se pode ver, este mercado tem todo o interesse para os grandes comercializadores que vêm os clientes a serem “obrigados” a aderir ao seu monopólio de energia. Basta vermos como o negócio da EDP segue forte quando esta apresentou lucros de 657 milhões em 2021 e vai pagar 750 milhões em dividendos aos acionistas. Com tudo isto, o CEO da EDP ainda teve o descaramento destes dias afirmar que a EDP não beneficiou destas subidas de preço no mercado, porque “esteve sempre do lado do cliente e absorveu o impacto desta subida”.

Devido a este sistema de mercado e aos custos do gás a dispararem, muito influenciado pela retoma económica pós-pandemia, o preço de mercado da eletricidade tem subido de uma forma absurda. Vejamos, em 2019 este valor rondava os 56€/MWh. Neste momento, o valor de janeiro de 2022 situa-se nos 202€/MWh, valor altíssimo que se tem arrastado há á vários meses, não se prevendo uma melhoria da situação.

Com tudo isto em mente, exigimos mudanças imediatas nestas regras de mercado, de forma que os produtores sejam pagos a um valor justo. Exigimos ainda a nacionalização das empresas de transporte de energia como a REN e a E-redes (detida pela EDP), devido ao seu importantíssimo valor estratégico para o país, de forma que sejam geridas tendo em conta o interesse público do país e não os supremos lucros das gestões atuais. Defendemos também, a mudança de um paradigma de produção de eletricidade centralizado e assente num falso mercado livre, para um sistema baseado, por exemplo, em cooperativas ou empresas municipais nas quais as decisões sejam tomadas de forma democrática pelos consumidores, prevalecendo o bem-estar das populações e não os interesses económicos de grandes grupos privados.

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